sábado, 20 de agosto de 2011

FAÇO-ME CRIANÇA

FAÇO-ME CRIANÇA

Para Leonardo.


Perdi a reza,

a crença, a bênção.

Fugi do terço, troquei

o Berço, que ninei.

Pensei em tudo,

e fiquei mudo,

diante de Ti, Pai.

E da vastidão

do mar, da areia,

da onda que vagueia

na imensidão.

Do calmo alvorecer,

do sol, do vento

e de tudo que é invento

da inteligência, que vem

de Ti.

Essa grandeza toda

me faz pequena. Ora serena,

ora menina, traquina,

pra brincar na areia,

com os berços que ninei.

Penso, cogito, e peço,

(cheia de fé)

Tua bênção, novamente,

para o berço que, breve e

alegremente,

ninarei.


Maria Francisca - abril/2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Mulher da Vida

Mulher da Vida Cora Coralina
Mulher da Vida, minha Irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida, minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal 
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa 
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o 
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
“Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra”.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
“Ninguém te condenou, mulher... 
nem eu te condeno”.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que 
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal, 
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada, 
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão, 
a levante, e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã.

Declarou-lhe Jesus: “Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no Reino de Deus”.
Evangelho de São Mateus 21, ver.31.
Poesia dedicada, por Coralina, ao Ano Internacional
da Mulher em 1975.


Poemas dos becos de Goiás, Global, 1983 - S.Paulo, Brasil

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O CHÃO E OS ESPELHOS

O CHÃO E OS ESPELHOS

Jacyra Ferraz Laranjeira

Era aquele o meu lugar?
Um chão vermelho
“mistura de sangue com a terra”.
Não conseguia levantar.
Apavorada,
via um espelho de moldura rosada
flutuando no ar.
O vento, suavemente,
retira- me.
Vejo o horror,
um retrato de Dorian no espelho,
desfigurado,
e eu deitada, novamente,
apavorada num chão seco.
O vento sopra...
Consegui levantar,
mas quebro dois espelhos...
Não há imagem...
Não reconheço
quem poderia estar ali?
Do chão de cimento cinza,
surge outra imagem,
agora colorida,
que, da terra suja, levantou,
conseguindo olhar
de um lugar escolhido
uma imagem feminina.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

JUSTIFICAÇÃO


JUSTIFICAÇÃO


O tema de hoje é a justificação

Ela não é uma ação cautelar

Por isso é bom prestar atenção

Através da arte tentarei explicar:



Utiliza-se da oitiva de testemunhas

Trata-se de um específico procedimento cautelar

Cuja prova será ou não utilizada no futuro

Para a existência de um fato ou relação jurídica demonstrar



Seu objetivo não é assegurar depoimento

Apenas afirmar a sua existência afinal

Não há o periculum in mora ou fumus boni juris

E nem há vinculação ao processo principal



Seu procedimento é deveras simplificado

Não admite forma incidental

Mas seus requisitos devem ser obedecidos

Sob pena de inépcia da inicial



O interessado é então chamado

E sobre os documentos pode se manifestar

Não poderá arrolar e nem indicar testemunhas

Apenas a produção da prova acompanhar



A sentença é atípica e não cabe recurso

O juiz apenas fiscaliza o procedimento

Não emite juízo de valor sobre as provas

Verifica as formalidades do instituto em comento



Entretanto caberá apelação

Se o juiz indeferir de pronto a exordial

Não se trata de recurso da sentença homologatória

Pois não faz coisa julgada material, apenas formal



A todos peço venia se estou a me alongar

Solicito só mais alguns instantes

Pois a justificação se confunde com outros institutos

Os quais pretendo suscintamente diferenciar



Começando pela justificação prévia

Esta é do procedimento apenas um ato a efetuar

Justificando certas providências judiciais

Como a obtenção de um provimento liminar



A produção antecipada de prova é o segundo a diferenciar

A prova produzida não é unilateral

Aqui é imprescindível o periculum in mora e o fumus boni juris

Para antecipar a prova do processo principal



Para finalizar

Agradeço a generosa atenção

Peço desculpas se nos versos me alonguei

São detalhes e o espaço é diminuto para uma maior explicação

Isso é apenas uma justificativa

E não uma justificação.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O ENCONTRO

O ENCONTRO
 
Beatriz.A.M
 
                                            Porque ele era um menino. Maduro, seguro, bem sucedido, mas ainda assim um menino.

                                            Um menino que precisava do mistério dela para saber da boca. Para encontrar a palavra exata. Para sentir a maciez da poesia. Para sentir o sangue dela renovando as batidas, ritimadas, musicais, do coração dele. Para sentir que o sangue dela corria direto para a aorta dele, oxigenando o músculo de rima, de calor, de cores tropicais, de luz, de simetria.

                                            E ela, tão mulher, tão cheia de bobas certezas sobre o amor e sobre a estrada, precisava dele para se espantar, para olhar de novo para o grande desconhecido de si, para se ver menina. Para querer, com força assombrosa, descobrir o mundo. Para ser dele, como só as coisas encantadas e banhadas pela eternidade podem ser.

                                            E desse precisar em dois, dessa carência voraz que não sacia, nasce o poema escrito na carne, tatuado na alma, esculpido no peito, construído no mais claro e infinito do dia...
 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um ano de Blog

Estimados

Hoje, não postarei texto poético novo!
Na verdade, esta mensagem é apenas para agradecer todos aqueles que têm acessado o blog, que, hoje, completa um ano consecutivo no ar.
E confesso que nunca imaginei que fazê-lo seria tão prazeroso assim.
Foram muito mais do que postar pouco mais de 365 textos (inicialmente eu postava mais de um por dia)!
Fiz amizades com pessoas que nunca vi ainda pessoalmente, mas que têm compartilhado suas almas e letras comigo. O blog deixou de ser um espaço para publicação exclusiva de textos meus, para se converter em um portal de poesia de todos aqueles que se interessam por este lado bonito da vida...
Por isso, em vez de postar um texto novo, gostaria de convidar você, que já segue o blog ou que está lendo-o pela primeira vez, a futucá-lo um pouco!
Verifique quantos acessos já ocorreram em um ano!
Veja quantos seguidores temos! Se você ainda não está lá, nao se acanhe em apertar a opção de "seguir o blog"!
Leia ou releia os textos mais acessados do blog (a relação está do lado direito desta página)!
Descubra os temas mais recorrentes nos marcadores dos temas!
Ajude-nos a melhorar o blog, tanto do ponto de vista da formatação, quanto da escolha dos textos a ser programados para publicação!
Comente aqueles textos que tenham chamado mais a sua atenção!
Além disso, tenho recebido contribuições de diversas pessoas que, quando não mandam poemas seus ou de terceiros, mandam imagens lindas que decoram o nosso espaço. Agradeço, em especial, à amada ex-aluna Amanda de Almeida Santos, que é a responsável pela maior parte das imagens expostas aqui no blog.
Se você, leitor, encontrar alguma imagem legal que possa adornar algum texto já postado, não hesite em nos encaminhar também!
Ter tanta gente maravilhosa perto de mim é bom demais...
E isto me deixou muito feliz...
Feliz aniversário a todos nós!
Abraços a todos,

Rodolfo Pamplona Filho

domingo, 14 de agosto de 2011

SOMOS UMA ILHA?


SOMOS UMA ILHA?

                Ilha: extensão de terra cercada de água por todos os lados. Engraçado, essa palavra despertou em mim algumas reflexões hoje, depois de assistir a um filme em que um dos protagonistas sustentava a tese de que era seu direito viver como uma ilha, porque ele não conseguia se enxergar desprendido do conceito que define esse elemento geográfico, pois ele se identificava, na essência, com a própria forma de ser daquela realidade. Fui obrigada a concordar com ele, mas só em termos. Somos seres únicos, individuais, insubstituíveis, inigualáveis, enfim, com identidade exclusiva (redundante, mas verdadeiro). Ninguém pode viver minha vida por mim, sentir por mim, amar por mim, querer por mim, sofrer por mim, alegrar-se por mim, chorar por mim, decepcionar-se por mim, vencer por mim, envolver-se por mim, morrer por mim (não em meu lugar). Até meu próprio corpo é só meu. Eu sou aquilo que sou e também sou aquilo que é o contrário do que sou. Não ser também é uma forma de ser. Tudo isso me pertence e é intransferível e indivisível. Neste aspecto ele tem razão. Aliás, isso é tão absolutamente concreto quanto a existência física de uma ilha. Mas a grande pergunta que se fazia àquele personagem, nas entrelinhas das tramas do filme, era se ele deveria viver como uma ilha. Há diferença, não? Ser como e viver como. Nisso reside o conflito: do que se é na essência (é verdade, somos uma ilha, somos nós mesmos e não o outro e nunca seremos o outro. Somos quem somos!) e do que se quer e pode ser (podemos ser uma ilha, mas as águas nos circundam e nos tocam, num tangenciamento inexorável). Parece filosófico e é, mas é uma pergunta que não deve ficar apenas no plano das idéias. Ela precisa ser respondida a cada dia, pois definir se queremos viver como uma ilha, porque realmente somos uma, em nossa essência, ou se queremos viver no verdadeiro interagir com o outro, faz toda a diferença. Interagir, palavra chave que quebra a concretude de nossa individualidade. Ela nos tira de nós mesmos e nos faz ir ao encontro do outro. Interagir: exercer interação - ação ou influência mútua entre coisas ou pessoas. Melhor do que a interação, creio, é a comunhão: viver com o outro em torno de idéias, crenças, projetos, desejos. O outro constrói com você o que ambos querem ser. Meu querer não é só meu querer, é também o querer do outro. São ambos querendo juntos. São ambos sendo juntos. São as individualidades se externando para se tornarem, ambas, uma só. Como conceber um indivíduo sendo dois? Pela comunhão, que é uma simbiose que se forma do desejo de não querer ser apenas uma ilha. No entanto, essa comunhão não é absoluta. E não poderia ser diferente! Há territórios que precisam ser só meus e há territórios que precisam ser só do outro, porque diz respeito a nossa própria essência. No fundo, não é possível deixar de ser quem somos: de onde e de quem viemos, o que vivemos, a nossa história. Podemos ser com o outro o que se pode ser juntos, mas não se pode ser com o outro o que só ele pode ser ou o que só eu posso ser. Para ser com o outro, antes de tudo é preciso ser comigo mesmo. Não dá pra ser verdadeiramente com o outro, ou viver a comunhão com o outro, sem antes sabermos quem somos verdadeiramente. Quem sou eu? No fundo esta é a grande pergunta, para qual não há uma resposta pronta e acabada, mas intermináveis descobertas, intermináveis respostas, que somadas vão nos revelando. Nosso grande problema é que não nos perguntamos quem somos, mas deixamos que o outro diga quem somos e nos preocupamos apenas com que o outro quer que sejamos. E neste processo vivemos sem ser a ilha que somos e precisamos ser, e interagimos com o outro sem viver a comunhão, porque não sabemos quem realmente somos. Descobrir quem somos e dizer ao outro quem somos, e deixar que o outro também se revele a nós sendo quem ele é, é condição para chegarmos aquilo a que todos nós aspiramos e queremos e que é vontade de Deus: a felicidade.              

                               ANDRÉIA LUÍSA