sábado, 31 de julho de 2021

Rede de Tapasteiro

 




A vida é um ciclo pesqueiro,

como uma rede de tapasteiro:

o que parece um refúgio corriqueiro

também pode ser um puçá traiçoeiro...

 

Em vez de nadar à vontade

na espera do sorriso ou da nuance,

quer-se a pura comodidade

do conforto ao seu alcance

 

sem perceber que o leito

pode ser armadilha fatal,

cujo único certeiro efeito

 

e ser a cilada mortal

que mostra haver dia de pescador

e dia de morrer de pavor...

 

Salinas de Margarida, 02 de novembro de 2020.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Depois, O Arco-íris

 





Tempestades que me cercam
Ecoam maiores do que são.
Ouço como tambores rufando,
Apenas cânticos de libertação.

Visões de ondas gigantes,
Devastando o meu coração,
Só gotas de orvalho ao pé do ouvido,
Tilintar da minha emoção.

O farol girando sem rumo,
Sem apontar para onde devo ir.
Nada demais, só sinais.
Cada passo indica para onde se deve ir.

Há lama na estrada,
Fios em curto a atravessar.
Quando no meio do caminho há pedras,
Pare, pense e se encontrará.

Os raios que balançam,
Embalam a sua razão,
Aguçam os seus medos retidos,
Mas iluminam a sua ação.

Depois da tempestade
Alastrada dentro de ti,
Sentirá o arco-íris,
Espectro de vida, nascentes brotando em ti.

Negra Luz

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Alívio





Como é estranho  

não sentir falta 

do que era essencial 

até bem pouco... 

 

Como é inovador  

poder respirar novamente  

sem a sensação  

de que tudo sufocava... 

 

Como é libertador 

saber que há vida  

fora do casulo 

da sua metamorfose... 

 

Como é revigorante  

saber que há novas perspectivas  

de poder viver a vida 

como ela deve ser vivida. 

 

Salvador, 26 de janeiro de 2021. 

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Eu sinto a sua dor

 



Tô ferida,

Sangrando,

Questionando do meu corpo a culpa,

Me sentindo só,

Com medo das sombras,

Sentindo o calafrio das suas lembranças,

Revivendo os seus horrores.


Toda a minha dignidade 

Mutilada em pequenos golpes incompreendidos:

“Tira esse sorriso do olhar”

“Qual a sua senha”

Ou a um só: mortal, viceral, anal, brutal, oral, desconsensual.


Tudo sem na pele ter sentido.

Se quem sofreu foi uma mulher,

Eu, mulher, sofro com tudo isso

E é, também, minha a sua dor.


Dor por saber que temos direitos.

Dor por ser nosso o corpo 

E merecermos respeito.

Dor porque o Estado é de Direitos.

Dor porque a ele contratei,

Talião não era o jeito.


E ele se mostra falido.

Omite-se no seu papel.

Um elefante esvaindo o sentido:

Proteger-nos dessa indelével dor. 


Negra Luz

terça-feira, 27 de julho de 2021

Homens Feministas?



 




Seu medo é diferente do meu.
Seu sexo pode ser
instrumento de terror.
Não me venha com
suas boas intenções,
pois, com elas,
pavimenta-se
a estrada para o inferno.
Sua posição soa mais
como indevida apropriação
do que compartilhamento.
Sua gentileza vira violência
Seu abraço não conforta,
mas, sim, agride.
O seu beijo machuca
e seu carinho quer me subjugar.
Não preciso de um defensor,
mas, sim, de um aliado,
quando chamado,
pois mesmo aliados
podem ser encarados
como inimigos infiltrados,
se não for delimitado
qual seja seu lugar de fala.
Suas brincadeiras não têm graça.
Sua cortesia me ofende.
Suas palavras,
em vez de inspirar,
apenas despertam minha ira.
Melhor permanecer calado...
E simplesmente ficar ao lado,
esperando a manifestação
de quem se ofendeu,
aguardando a reação,
em vez de tomar,
para si, a sua defesa,
pois, até para lutar,
é preciso legitimidade,
para não desvalorizar o movimento...



Salvador, 16 de agosto de 2016, compreendendo-se como parte do opressor na busca por não oprimir...


segunda-feira, 26 de julho de 2021

Nunca vi ninguém olhar





com tal ternura um cavalo
e um cavalo navegar
nos seus olhos, desviá-lo
para dentro, onde é mar
e o mar, apenas cavalo.
Nunca vi ninguém olhar
nicanor naqueles olhos
que pareciam findar
onde os espaços se foram.
Nicanor sabia olhar
sem o menor intervalo
como lhe fosse apanhar
a toda brida, os andares.
E se podiam falar
num trote pequeno ou largo,
com rédea de muito amparo,
o corpo estando a montar
a eternidade cavalo.

Poema de Carlos Nejar (1939-)

domingo, 25 de julho de 2021

Sintonia na Sinfonia

 




A vida pode ser regida 

como uma bela sinfonia, 

em que a precisa sintonia  

de cada protagonista  

seja sempre vista 

como um laço de amor, 

que une dois como se fossem um, 

que não se abandona de jeito algum, 

que é a própria essência do querer, 

que é a única forma de existência do ser. 

 

Salvador, 15 de janeiro de 2021.