sábado, 23 de junho de 2018

Soneto LXVI


Pablo Neruda

Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Quero-te apenas porque a ti eu quero,
a ti odeio sem fim e, odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego.

Consumirá talvez a luz de Janeiro,
o seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história apenas eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Constatação



Rodolfo Pamplona Filho


Nativos de uma juventude
da qual somos migrantes,
dirigimo-nos juntos rumo
à inevitável decadência
em que se luta a cada dia
por uma fugaz sobrevivência,
iludindo-se singelamente
da única certeza inexorável,
que é a consciência da finitude.

Salvador, 16 de junho de 2018.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Agonizante silêncio



Antônio lafayette

Há muito busca-se compreender o silêncio
Será o silêncio harmonia da tristeza ou da alegria
O que significa o silêncio da voz que grita mudo
E que faz o coração e a razão sangrarem?

A face chora sendo sorriso
Cala-se a dor e engana-se o acontecimento
A dor vive e a sua razão permanece

Melhor viver no mundo que não-somos
Mas que mostra-se ser
A repressão simbólica nos fornece o silêncio que grita indomável.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Canção da Partida sem Despedida

Canção da Partida sem Despedida
Letra e Música: Rodolfo Pamplona Filho

Você não pensa em sua vida,
mas sabe que o tempo
corre como um louco
e está contra você!
Você se perde em si mesmo,
pensando que o prazer
dura para sempre
no gozo do poder...
Cara limpa é uma bobagem
quando o corpo não reclama
e o bom é curtir
o aqui e o agora
Trinta anos não é tarde
para começar a vida,
mas é cedo demais
para ir embora
Mas outros já foram há
mais tempo do que isso...
Há formas dolorosas
de descobrir...
toda a verdade!

Será que vale a pena
Viver intensamente?
Será que vale a pena
Partir sem despedir?
Se viver já é um risco,
todo instante é precioso,
mas isso é sem sentido
quando não se teve medo
de viver cada momento
como se esse fosse último
E a decadência ajuda
A pensar o impensável...
Será que realmente
mortes são precoces? 
Ou a nossa história
já está limitada?
Que jeito de terminar
quando mal se começou
se o vazio faz sofrer
Sua sina, então, é...
... sobreviver...

Não há o que julgar
Não há o que condenar
Há apenas a saudade
e a lembrança de um tempo
em que as Jam´s e as piadas
venciam a madrugada
e o sonho era o gás
para por o pé na estrada...
Quando o riff é uma lágrima
e o solo a depressão,
parece até gostoso
morrer como um rock star...
Tudo isso para não ver
a terrível frustração
de não realizar
o que se ama fazer...
A angústia invade o peito...
A dor vem aquecer...
o nó que toma a garganta
Quem sabe se vou...
... sobreviver...



terça-feira, 19 de junho de 2018

Casamento




Adélia Prado

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou no ar dando rabanadas’
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Saindo do Armário

Rodolfo Pamplona Filho

Não é fácil
assumir o que se é,
o que se pensa
e o que se quer.
É preciso
ter coragem
para saber a abordagem
a se fazer a cada momento.
Desnudar-se,
mostrar ao mundo
a sua efetiva proposta,
não escondendo sua resposta.
É muito mais
do que um gosto,
um desejo
ou uma opção:
é descobrir sua essência,
sua alma ou
sua vocação.
Sair do armário
é mais que uma metáfora:
é tirar a sua máscara
e revelar qual a canção
que embala seu coração.





domingo, 17 de junho de 2018

Luiz Vaz de Camões



Carlos Nejar

Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de santos filhos.