sábado, 5 de outubro de 2019

Momentos Felizes




Rodolfo Pamplona Filho

Não dá para ser
feliz o tempo todo,
nem acreditar que
é para sempre
a felicidade que contagia
aquele que está curtindo...
O importante é
saber viver
os momentos felizes
ou, ainda mais,
saber extrair,
tal qual Poliana,
a alegria de cada instante,
como a água de um cactos
ou um suco de uma fruta
que já passou o tempo
de ser comida...
É preciso aproveitar
os momentos felizes...

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Perdi a calcinha



Desesperada estava a procurar a calcinha
Prova irrefutável do que queria ocultar
Orvalhada e com lascivo odor da minha alma
Diria por mim em metáforas aquilo que ele viera me questionar.

Olhei para o teto…
Nada alí!
Em algum momento lembrei:
Ao longe, sem rumo, lancei!

Estiquei a colcha amassada
 E nela nada não há rastro da danada
Restava a gaveta vizinha…
Estaria lá, embolada, entre papéis e versos de amor?

Nenhuma pista me levava
Uma dúvida se aguçara....
Uma calcinha usei?
No meio daquele furor?

E nesse momento tremi,
Quando nos olhos dele
"Meninos eu vi!'
A renda que esqueci

Ao não ter por onde sair
Não mais adiei,
Gritei! Rospondi:
Quero mais!

Negra Luz

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Sobre Traumas




Rodolfo Pamplona Filho

Com sinceridade e amor,
digo, sem pudor:
não se apaga o que se viveu.
Se o trauma ocorreu,
é preciso enfrentá-lo,
sem menosprezá-lo,
com coragem e candura,
assumindo nova postura,
sem temer a luta
ou a força bruta,
para aproveitar o presente,
sem medo ou receio,
e enfrentar o amanhã iminente,
independente do meio
ou do instrumento
que se use, de verdade,
para cessar todo lamento
e vencer a vulnerabilidade.
Para superar um trauma,
é preciso renovar a alma,
sabendo que a tristeza
é normal em qualquer mesa,
mas que o mais importante
é saber caminhar adiante,
pois uma alegria está defronte
a você, em um novo horizonte,
que somente vai achar
quem resolver a vida encarar...

Praia do Forte-Iberostar, 11 de março de 2012.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Ao negro sem nome da foto





Só de ver as suas cicatrizes,
As tuas dores eu senti
A senzala e seus odores,
Os ferros esbojando a carne
E ela sangrando em mim

Não há cota que a ti pague
Pela a mácula fincada em tua liberdade
Eu a sinto hoje em mim
Os horrores contumazes perpetrados em sua  pele...
Em qualquer parte...
Assinalam a desumanidade
Que em sua imagem assentou

O que sinto vem de constelações
Que impregnam a minha mentalidade.
Chamamento para a responsabilidade
Por tudo passado por ti
Torturados caminhos porque trilhou

Esta é a força da ancestralidade
Os registros de tamanha crueldade
Não se apagam, ganham realidade
Na foto do negro sem identidade
Que um dia alguém registrou.

Negra Luz

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Morrer é Doce!





Rodolfo Pamplona Filho

Quando em meu peito, romper-se a corrente
Que a alma me prende à dor de viver
Não quero por mim, nem uma lágrima,
Nem um suspiro, nem um sofrer...
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu passamento.
Não quero que um sorriso
Se apague pelo fim do meu triste tormento!

Viver foi peregrinar no deserto,
Procurando achar o que não estava escondido,
viver foi submergir no tédio,
Tentando encontrar o que já estava perdido
Quando se esgotar o meu suspiro,
Não desfolhe por mim sequer uma flor!
Não tornai outro ente matéria inútil.
Sozinho, da morte, deixai-me o torpor!

No meu epitáfio, escrevas:
Foi homem e, pela vida, passou
Como nas horas de um pesadelo
Que só, com a bela senhora, acordou

Descansem meu leito solitário
À sombra de um triste cipreste,
Numa floresta há muito esquecida
Onde não usurpem o que ainda me reste.
Este parece ser meu desejo final
Neste esperado momento de verdade nua.
Eis-me pronto para beijar a bela senhora
E ver como a morte é doce e crua!
(1989)

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O apanhador de desperdícios




Manoel de Barros


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

domingo, 29 de setembro de 2019

Soneto da Sintonia Infalível







Rodolfo Pamplona Filho
Ainda que divididos pelo Atlântico
e por fusos horários incompatíveis,
o que um sente de um lado,
o outro automaticamente responde.

Se um levanta assustado,
encontrará o outro conectado,
como se a energia gerada
fosse automaticamente repassada.

É realmente impressionante,
como tudo surge em um instante,
permitindo a imediata compreensão

pois o que, para muitos, é acaso,
para mim, é o mais evidente traço
de uma sintonia infalível de paixão.

Pamplona/Espanha, 03 de outubro de 2012.