sábado, 30 de novembro de 2019

Despedida



Carlos Magalhães de Azeredo





Não me coroes, Alma querida, de rosas: o encanto
Da juventude é efêmero; e a minha é quase extinta.


Também não me coroes de louros: a Glória não fala
Ao coração, nem o ouve; passa, longínqua e fria.


Coroa-me des heras, que abraçam as graves ruínas:
São da humildade símbolo e da tristeza eterna ...

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Preconceito Escondido







Rodolfo Pamplona Filho


Tomar sua vida
como única verdade
é o parâmetro inarredável
para manifestar
seu preconceito.

Crianças querendo ensinar
como se o que soubessem
não fosse fruto
das distorções alheias
ou de si próprias

Falar do que não conhece,
como se sua própria experiência
fosse suficiente
para testar e medir
toda a verdade

O que adianta dizer
que não tem nada contra,
se suas palavras
exalam o pior sentimento
que se pode compartilhar?

O que adianta dizer-se
democrático e educado,
se suas atitudes
revelam a podridão
de quem não admite o diferente?

São Paulo, 17 de novembro de 2019.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Humilde Estrebaria




Clóvis Ramos





Um fenômeno estranho acontecia
nas terras de Judá.  Eis que os pastores
ouviram vozes de anjos em louvores
ao pequenino filho de Maria.


A noite era de místicos fulgores,
noite serena, noite de poesia.
Sobre as palhas de humilde estrebaria,
dormitava Jesus por entre flores.


Uma estrela de brilho nunca visto,
aparecera nessa noite e os Magos
vieram de longe em caravanas de ouro...


"Glória a Deus nas alturas!" Glória ao Cristo!
Maria — Mãe — porém, em pranto e afagos,
temia a sorte do seu filho louro.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Síndrome de Madre Superiora



Rodolfo Pamplona Filho

Comandar os passos,
mesmo quando ninguém
pediu por isso

Portar-se como censor,
estabelecendo volume
e assunto que possa ser tratado

Irar-se e fechar-se
quando alguém faz algo
fora do script

Desconhecer que
o Líder de verdade
tem sua autoridade
na sua credibilidade,
e não na sua vontade.

São Paulo, 16 de novembro de 2019.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Coração de pedra




Bento Prado Júnior





Não tem olhos de ver para a eterna beleza,

o sorriso de Deus que ilumina a existência;

não lhe fala à alma rude a suave pureza

que reponta e sorri nos lábios da inocência;



a flor não o interessa, ou surja na devesa,

onde acaso a plantou a mão da Providência,

ou soberba pompeie, onde o Belo se preza,

requinte de arte pura ou prodígio da ciência.



É que o vêzo do lucro, o seu deus verdadeiro,

lhe deu ao coração consistência de pedra

e aos olhos lhe roubou o poder da visão.



Só lhe sobe à alma torpe o ouro, a moeda, o dinheiro...

Templo erguido a Mamona, a piedade não medra

na profunda aridez do seu vil coração.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Pontualidade




Rodolfo Pamplona Filho


Achar natural
que outros esperem,
ainda que alguns segundos,
fazer algo que
só interessa a você
é o cúmulo da cara-de-pau
com a falta de noção...
E o pior de tudo
é quando se pede
que tenham consciência
para respeitar
o que só lhe interessa,
seja o embarque
(ou desembarque)
de alguém
ou mesmo
que algo ocorra
como se fosse
a mais importante
de todo o universo.
Como não se irritar
com as desculpas
ou justificativas
para seu atraso?
Ver rostos contritos,
olhos de gato de botas
ou um ar indignado
de quem foi vítima,
e não a causa
do irritante atraso
que prejudica todo mundo,
até mesmo a si...
E quem ousa reclamar,
deixando o silêncio conveniente,
para ser descrito
como um sujeito paranóico,
estressado ou simplesmente chato,
que fica inventando caso
ou querendo aparecer...
Pontualidade é respeito
ao tempo alheio!
E ponto!

domingo, 24 de novembro de 2019

Sou monge perdido...






Bento Prado





Eu venho de longe,

não sei donde vim...

Sou monge perdido

das praias sem fim...



Não tenho sandálias,

perdi meu bordão...

Ao longo da estrada,

a quanto me apego,

apego-me em vão;

tropeço nas pedras

e caio no chão...

Sou monge perdido

das praias sem fim...



Não tenho sandálias,

perdi meu bordão...

De nada me lembro

do muito que vi...

Sou monge perdido

das praias sem fim...



Caminhos malditos

marcaram-me os pés,

as urzes da estrada

feriram-me as mãos...

Os pés sempre prontos,

embora a sangrar,

palmilham o chão;

as mãos sempre abertas,

afeitas a dar,

semeiam o perdão...



As novas que trago,

são novas do Rei...

Não digo mentiras,

só digo o que sei...

Está tudo escrito,

à guisa de lei,

no cerne, na carne,

no firme, no vivo

do meu coração...



As novas que trago,

mensagem de amor,

nascidas comigo,

eu sei-as de cor...



Sou monge perdido

das praias sem fim.