sábado, 24 de junho de 2017

Gelo Polar



Venceslau Queiroz


Role do tempo na limosa penha

Um ano mais, e venha mais um ano,

Role este ainda, e mais um outro venha...


Que importa! se no seio teu não medra

Desengano nenhum, nenhum engano,

Pois que ele abriga um coração de pedra.



A indiferença é tanta, é tanta a neve

Que no teu seio álgido se acama,

Do teu amor é tão gelada a chama,

Que a amar-te, estátua, já ninguém se atreve...



E se eu te desse o meu amor, em breve

Sei que se tornaria, altiva dama,

O meu amor, a minha ardente chama,

— Um urso branco uivando sobre a neve.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Meus Direitos...



Rodolfo Pamplona Filho


Desconfie!
Mas desconfie mesmo
de quem não liga
para o contexto
em que está inserido
e só alega o pretexto
de seus direitos
ou da sua peculiar situação...
Há poucas coisas
tão irritantes
quanto quem repete
e exibe
suas prerrogativas,
como se fosse
um passaporte
para o destaque,
que só a si pertencesse,
que só a si fosse importante...
Quando todos tiverem prioridade
- leia-se, privilégios! -
ninguém terá nada...

Salvador, na primeira semana de outubro de 2013, mas pensando no Equador, ou em outras experiências recentes da minha vida...


quinta-feira, 22 de junho de 2017

Ofertório




Luis Alberto Costa Guedes


Antes de começares ler

Estes pedaços de vida,

Estas lágrimas de saudade,

Estes soluços de agonia,

Estes sorrisos de esperanças

Estas ironias existenciais

que te dedico,

quero fazer meu "OFERTÓRIO"

aos entes que me inspiraram...

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Tipo Assim



Rodolfo Pamplona Filho

Beleza?
Ah, tá!
E ai!
De boa!
Tipo assim:
Sei lá!
Valeu!
Então, tá!


Salvador, 07 de outubro de 2013, avaliando um seminário de Responsabilidade Civil...


terça-feira, 20 de junho de 2017

Pivete - 1978

Francis Hime - Chico Buarque









No sinal fechado
ELe vende chiclete
Capricha na flanela
E se chama Pelé
Pinta na janela
Batalha algum trocado
Aponta um canivete
E at;é
Dobra a Carioca, olerê
Desce a Frei Caneca, olará
Se manda pra Tijuca
Sobe o Borel
Meio se maloca
Agita numa boca
Descola uma mutuca
E um papel
Sonha aquela mina, olerê
Prancha, parafina, olará
Dorme gente fina
Acorda pinel

Zanza na sarjeta
Fatura uma besteira
E tem as pernas tortas
E se chama Nané
Arromba uma porta
Faz ligação direta
Engata uma primeira
E até
Dobra a Carioca, olerê
Desce a Frei Caneca, olará
Se manda pra Tijuca
Na contramão
Dança pára-lama
Já era pára-choque
Agora ele se chama
Emersão
Sobe no passeio, olerê
Pega no recreio, olará
Não se liga em freio
Nem direção

No sinal fechado
Ele transa chiclete
E se chama pivete
E pinta na janela
Capricha na flanela
Descola uma bereta
Batalha na sarjeta
E tem as pernas tortas

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Quando a paixão acabar



Rodolfo Pamplona Filho

Quando a paixão esfriar
e só o amor ficar,
duas vezes vou pensar
antes de me revoltar
com a comodidade
que vem com a idade
ou com a rotina
de usar a mesma cortina
ou do uso crítico da ironia
para combater a monotonia.

Quando a paixão parar
e só o amor ficar,
despertarei a madrugada,
ainda que para fazer nada,
mas só pelo imenso prazer
de um novo dia conhecer,
mesmo reconhecendo-se sem rumo,
pela falta de aprumo,
com a falsa sensação de liberdade
de uma marionete de verdade.

Quando a paixão terminar
e só o amor ficar,
saberei que o fogo do sexo
não é essencial, nem complexo,
e terei plena certeza
de que a vida vai além da mesa
e que há gozo na obediência,
desprezando a displicência,
cansando da loucura
de procurar sempre uma aventura.

E pensar que...
E sonhar que...
E permitir que...
E decidir que...
E reconhecer que...
E, finalmente, saber que...
que, sim, a desejada paixão
vai me deixar, um dia, na mão...
quando a paixão acabar,
só o amor vai me salvar...
Salvador, 05 de dezembro de 2010.




domingo, 18 de junho de 2017

Vaidade

Florbela Espanca

A um grande poeta de Portugal





Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade !


Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !


Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada !


E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...


Livro de mágoas (1919)