sábado, 4 de abril de 2020

Luto e Luta





Rodolfo Pamplona Filho




Luto ferozmente
contra a melancolia,
o vazio, o medo

de não ter você...
Luto diuturnamente
para não entristecer,
pra seguir vivendo
de cabeça erguida.

Luto tenazmente
para a maldita culpa
e a terrível solidão
não me consumirem.

Luto pela luta
Luto sem luto
Luto por tudo
Luto por você...

Salvador, 23 de janeiro de 2014

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Perplexidades



Ferreira Gullar: Veja repercussão da morte do escritor | Pop ...

FERREIRA GULLAR



a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo

e todo o existir consiste nisto

é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo

e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Triste fim?






Rodolfo Pamplona Filho


Será o fim?
Triste fim...
Na verdade, tudo muda...
Só não muda a mudança...
Tudo muda...
As mudas voltarão a florescer...
e os mudos e os mundos também...
Por aí...
Os exemplos vão ficar
e os trilhos voltarão a se encaixar...
depois...

Salvador, 24 de agosto de 2013, batendo papo com Bernardo Lima no Whatsapp..

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Acidente na sala


Ferreira Gullar – Wikipédia, a enciclopédia livre


Ferreira Gullar
movo a perna esquerda
de mau jeito
e a cabeça do fêmur
atrita
no osso da bacia
sofro um tranco
e me ouço
perguntar:
aconteceu comigo
ou com meu osso?
e outra pergunta:
eu sou meu osso?
ou sou somente a mente
que a ele não se junta?
e outra:
se osso não pergunta,
quem pergunta?
alguém que não é osso
(nem carne)
em mim habita?
alguém que nunca ouço
a não ser quando
em meu corpo
um osso com outro osso atrita?

terça-feira, 31 de março de 2020

Mundo Novo



Rodolfo Pamplona Filho




Em breve, passará o tempo rude
que trouxe esta seca maldita
que esvaziou o velho açude
e meu gosto pela vida...
(verei um Mundo Novo diferente...)

E a lágrima involuntária
virará chuva abundante...
E a alma solitária
sorrirá leve e confiante
(verei um Mundo Novo diferente...)

de que o verde inundará
o cinza que enfeiava o horizonte,
pois o gado vai engordar
e os cavalos beberão na fonte
(verei um Mundo Novo diferente...)

onde nadou o pequeno churueiro,
no tempos de Padre Nicanô,
coroinha e menino arteiro,
orgulho de seu avô...
(verei um Mundo Novo diferente...)

A brisa da tarde vai retornar
e apaziguar o calor fervente...
minha terra será sempre meu lar
e seu povo a minha gente
(verei um Mundo Novo diferente...)

Quando a esperança virar realidade
e for embora toda saudade,
verei rodas de samba com alegria
tocando até o raiar do dia...
(verei um Mundo Novo diferente...)

Quando o suspiro for somente
da nostalgia do que foi vivido,
e não mais da desolação impotente
do sofrimento sem sentido,
verei um Mundo Novo diferente...

Eu não quero muito cenas,
mas somente o que louvo
Eu quero, de volta, apenas
o meu Velho Mundo Novo...

Eu quero apenas de novo
o meu Velho Mundo Novo...

Salvador, 14 de janeiro de 2013.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Novo adendo ao poema Desordem

Náufrago da Utopia: FERREIRA GULLAR E SEU VERSO DE PÉ QUEBRADO ...


FERREIRA GULLAR




foi
um relâmpago um
eletrochoque
na mucosa
(sujeita a inflamações
alérgicas) mas
ali
naquela noite de abril, não:
deflorou-me as narinas
o veneno
que o jasmineiro
(disfarçado de arbusto)
expelia
como uma fêmea
emite seu aroma de urina

e assim
saí
pela noite
a recender
levando
embutido em meu corpo
um vaporoso
e novo
e alvo esqueleto
de jasmim

domingo, 29 de março de 2020

Porto Seguro




Rodolfo Pamplona Filho




Naveguei por tantos mares,
conheci muitos lugares,
mas, em seu colo, achei
o local para aportar.

Andei por muitas terras,
vivi diversas eras,
mas, em seus olhos, vi
o farol para me guiar.

A vida inteira, eu procurei
e, agora que encontrei,
poderei sempre esperar
cada vez que se afastar
e não estarei mais triste
porque sei que existe
e tenho o meu porto seguro.

No voo para Salvador, 18 de junho de 2017.