sábado, 26 de novembro de 2016

Desencontrários


Paulo Leminski 

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Musicando a Tristeza


Rodolfo Pamplona Filho
Musiquemos a sensação...
A tristeza é inspiração...
O que machuca também ensina
e o sofrimento não precisa
ser uma eterna sina...
Somos movidos  a amor
e - porque não dizer? - a dor...
Somos o Som e a Dor...

Brasília, 14 de março de 2013.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Esquadros


Adriana Calcanhotto
Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de almodóvar
Cores de frida kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca,
Uma cápsula protetora
Ah! Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome nos meninos que têm fome

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde?
Transito entre dois lados de um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto pra quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
Esquadros
Adriana Calcanhotto

Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço?
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço?
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Poliamorismo


Rodolfo Pamplona Filho

Por que não se pode
amar mais de uma pessoa
ao mesmo tempo?
Por que o ato de amar
exige uma exclusividade artificial,
como se o coração pudesse....


terça-feira, 22 de novembro de 2016

A culpa do ideal




Osvaldo Leal Júnior
Culpado, 
pelo simples uso do bom senso, de saber o que é certo e o que é errado e descobrir que nada nessa vida ocorre por acaso. 

Culpado, 
por não se contentar com respostas vazias, indo até o fundo do poço buscar a verdade e utilizar a consciência como guia, não importa o tempo que dure, nem a certeza da finidade. 

Culpado, 
pelas noites passadas em claro, virando e revirando possíveis soluções, que provavelmente serão deixadas de lado por alguém revestido de ambições. 

Culpado, 
Por acreditar piamente no pensamento, sem levar em conta que, às vezes, são apenas sonhos, que perdem o poder de convencimento. E nas primeiras horas da manhã se dissipam com o vento, trazendo a frieza e a dureza da vida real. E quando isso acontece, os sonhos se desfazem e a vida volta ao normal. 
Mas ele permanece, o ideal nunca morre. 
Fica na espreita, como um vírus incubado, esperando apenas um vacilo do velho coração endurecido. 
E quando isso acontece, o que se imaginou ter acabado, volta mais forte do que nunca, arrebatando tudo ao seu lado. Assim ocupa todos os espaços novamente. Mas acontece tudo de novo, nada diferente. 
Mas se acontece o contrário e esse ideal é estimulado, aí sim, será ainda mais culpado. 

Culpado, 
pela felicidade, por ver o sonho realizado. 
Poder chorar de alegria e constatar nesse momento que a dor, a angústia e o sofrimento são compensados apenas pela euforia. 
E o que dizer do prazer do objetivo alcançado, obra prima da sabedoria do amor e da esperança. 
Um momento de gozo que se estenderá para sempre na lembrança. 
Por tudo isso ... e, principalmente, por tornar a vida bem mais intensamente vivida, o ideal é: 

"CULPADO". 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Desmascarando o Canalha


Rodolfo Pamplona Filho

Você se diz infinito,
acreditando que
seu poder é ilimitado,
mas está errado!

Você não passa de
um acidente da natureza,
um câncer da criação,
um tumor com ilusões de grandeza...

É hora de extirpá-lo...
jogando-o no lixo, que é o seu lugar,
para que eu dance sobre seu caixão
e escarre em sua sepultura...

Apenas mais irritantes que
as trombetas da moralidade alheia
(pois a própria não vale nada...)
só os sepulcros caiados
que posam de vestais nas cerimônias,
sem pudor da sua podridão interior...

Praia do Forte, 09 de março de 2011.

domingo, 20 de novembro de 2016

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades




Luís de Camões Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

L. V. de. 200 Sonetos. Porto Alegre: L&PM. 1998.