sábado, 17 de fevereiro de 2018

As sem-razões do amor



(Carlos Drummond de Andrade)

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou de mais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Frustrações



Rodolfo Pamplona Filho

Minha vida é
oferecer oportunidades
que nunca são aproveitadas.

Minha vida é
chorar sobre o que foi
derramado e não usufruído.

Minha vida é
me frustrar por quem
não percebe o meu esforço.

Minha vida é
servir quem me serve,
mas que não serve para mim.

Minha vida é
sonhar com uma vida
que nunca será vivida.




02 de janeiro de 2018

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Fanatismo



Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!…

Tudo no mundo é frágil, tudo passa…
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
‘Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Eu preciso aprender a viver só



Rodolfo Pamplona Filho

Eu preciso aprender
a viver só
e saber que o mundo
não existe por minha causa.

Eu preciso aprender
a viver só
e aprender que o silêncio
é melhor do que
o ruído incompreensível

Eu preciso aprender
a viver só
é enxugar cada lágrima
sem a ajuda
de quem quer que seja.

Eu preciso aprender
a viver só!
E só!


Miami, 29 de dezembro de 2017

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Cantiga para não morrer



Ferreira Gullar

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Estou Péssimo


Rodolfo Pamplona Filho

Estou Péssimo
como quem comeu chuchu,
quem perdeu o busu,
quem sonhou com urubu

Estou Péssimo
como quem dormiu de jeans,
esqueceu os fins,
desperdiçou os pudins

Estou Péssimo
como quem comeu e não gostou,
sonhou e acordou,
como quem nunca amou


Salvador, 09 de janeiro de 2018

domingo, 11 de fevereiro de 2018

José



Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?