sábado, 26 de maio de 2018

O Mergulhador


Vinícius de Moraes

Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos
No líquido luar tateiam a coisa a vir
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.

És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes, substância estranha e íntima
De teor irreal e tato transparente.

Depois teu seio é a infância, duna mansa
Cheia de alísios, marco espectral do istmo
Onde, a nudez vestida só de lua branca
Eu ia mergulhar minha face já triste.

Nele soterro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro, também pleno…
Mas não sei… o ímpeto deste é doído e espanta
O outro me dava vida, este me mete medo.

Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.

E ponho-me a cismar… – mulher, como te expandes!
Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância!
De coordenadas tais e horizontes tão grandes
Que assim imersa em amor és uma Atlântida!

Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço
No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia
Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço.

E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea
Como o mar ao penhasco onde se atira insano
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.

Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva
O imo do teu ser, o vórtice absoluto

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Amor de Carinho



Rodolfo Pamplona Filho

Queria eu
algo a mais
do que um abraço gostoso
ao sair do ninho.

Queria eu
um pouco mais
do que a sensação
de não estar sozinho.

Queria eu
um novo horizonte
para olhar adiante
do meu próprio caminho.

Queria eu
ouvir minha voz
mesmo no meio
de tanto burburinho.

Queria eu
uma nova oportunidade
para ir além
de um amor de carinho.

12 de outubro de 2016, no voo para São Paulo.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Traduzir-se



Ferreira Gular

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Gratidão



Rodolfo Pamplona Filho

Gratidão não se exige,
não se pede, nem se espera...
É presente de um coração puro,
que não vê outra forma de agir,
na memória da marca do passado
e do alívio do auxílio no desespero...

Por isso, a ingratidão machuca
como punhaladas nas costas,
como um tapa no rosto,
como uma dor fatal no peito...

O ingrato merece mais do que repúdio:
é pena de morte no coração,
que se fecha em uma ferida purulenta,
cujos bálsamos somente são
o ostracismo ou a ressurreição do perdão...

Reconhecer-se grato é o exercício da verdadeira humildade,
que é saber que, sozinho, não se consegue nada,
pois conquistas isoladas são vitórias de Pirro,
em que obter o resultado não significa necessariamente desfrutá-lo...

Gratidão é a resposta sincera
que o afeto exige por coerência!
É a marca que renova a esperança,
que não é a última que morre, posto imortal,
mas, sim, a certeza de que
ainda se pode ter fé na humanidade

terça-feira, 22 de maio de 2018

O Sobrevivente


Carlos Drummond de Andrade

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

Desconfio que escrevi um poema.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Sobre Sonhos


Rodolfo Pamplona Filho


Já dizia o filosofo:
os sonhos são os rebentos
e botões da imaginação!
Por isto, também têm o direito
de viver sua vida pura...
Sufocar ou deformar
os sonhos da juventude
é destruir a criação
e matar o criador...

Salvador, 13 de novembro de 2013, conversando com a amiga Ezilda Melo

domingo, 20 de maio de 2018

TEU SER






D. LEFRANÇOIS

TEU SER ...
ME FAZ LAMBUZAR,
ME FAZ TRANSBORDAR,
ME FAZ GEMER.
TEU SER....
ME FAZ SORRIR,
ME FAZ IR,
ME FAZ CONTER.
TEU SER ....
ME FAZ SUAR,
ME FAZ AMAR,
ME FAZ TREMER.
TEU SER ...
ME FAZ SENTIR,
ME FAZ PEDIR,
ME FAZ VALER.
TEU SER ...
ME FAZ CALAR,
ME FAZ CHORAR,
ME FAZ SOFRER.
TEU SER ...
ME FAZ FUGIR,
ME FAZ MENTIR,
ME FAZ MORRER.
TEU SER ...
ME FEZ SONHAR
ME FEZ VOLTAR
ME FEZ QUERER
TEU SER ....