domingo, 30 de novembro de 2025

Retrato






Cecília Meireles


Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,

nem estes olhos tão vazios,

nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,

tão paradas e frias e mortas;

eu não tinha este coração

que nem se mostra.


Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa, tão fácil:

— Em que espelho ficou perdida

a minha face?


sábado, 29 de novembro de 2025

Boas-Vindas




 Boas-Vindas de Rodolfo Pamplona Filho



Mi casa, Su Casa

Minha casa é sua casa

Este é um espaço

para sair do quadrado!

Deixe do lado de fora

tudo que é pesado

Levante a cabeça

Abra um sorriso

Esqueça o juízo

e seja feliz!


 Sente-se à mesa

Sirva-se de uma taça

Repita a sobremesa

Mostre a sua raça

Divida o prato com alguém


Pense adiante (e além!)

Brinde a vida com alegria

Não deixe para outro dia

Aqui é o lugar da felicidade

para ser quem se é de verdade

O momento é agora

e o caminho é para frente!


 


Salvador, hoje e sempre!


sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Sou Negro

 

 




Solano Trindade



Sou negro

meus avós foram queimados

pelo sol da África

minh`alma recebeu o batismo dos tambores

atabaques, gongôs e agogôs


Contaram-me que meus avós

vieram de Loanda

como mercadoria de baixo preço

plantaram cana pro senhor de engenho novo

e fundaram o primeiro Maracatu

Depois meu avô brigou como um danado

nas terras de Zumbi

Era valente como quê

Na capoeira ou na faca

escreveu não leu

o pau comeu

Não foi um pai João

humilde e manso


Mesmo vovó

não foi de brincadeira

Na guerra dos Malês

ela se destacou

Na minh`alma ficou

o samba

o batuque

o bamboleio

e o desejo de libertação

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Afinidade

 


 

Rodolfo Pamplona Filho




Afinidade é uma palavra que define

o sentimento de proximidade

entre quem nem sequer se conhece direito,

mas tem a sensação de que, no peito,

já acolheu quem recebeu,

abraçou quem se perdeu

e revelou seu verdadeiro eu.



Salvador, 22 de outubro de 2023, papeando com Chico Gomes

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Murmúrio




Cecília Meireles


Traze-me um pouco das sombras serenas

que as nuvens transportam por cima do dia!

Um pouco de sombra, apenas,

- vê que nem te peço alegria.



Traze-me um pouco da alvura dos luares

que a noite sustenta no teu coração!

A alvura, apenas, dos ares:

- vê que nem te peço ilusão.



Traze-me um pouco da tua lembrança,

aroma perdido, saudade da flor!

- Vê que nem te digo - esperança!

- Vê que nem sequer sonho - amor!

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Bênçãos e Maldições

 


 




 Rodolfo Pamplona Filho




Nem tudo permanece...

Na verdade, tudo muda

nem sempre para melhor!

Assim, o que é criado para libertar 

pode ser usado para escravizar.

Quando se esquece 

o sentido de cada ato,

todo importante ritual

apenas massifica 

o que devia ser individual...

Quando não se particulariza,

todos se tornam 

rostos sem nome 

e sem história,

invisibilizando 

em vez de simplesmente ver,

compactua-se

com a coadjuvância,

em vez de tornar protagonista...

Com isso, impessoaliza-se,

reiifica-se, coisifica-se,

mas nunca se envolve.

Sem saber, 

ver ou tocar,

o toque

não há como

não se degenerar...

pois até Bençãos 

podem se transformar

em Maldições




Salvador, 13 de maio de 2018.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Canção

 






Cecília Meireles



No desequilíbrio dos mares,

as proas giram sozinhas...

Numa das naves que afundaram

é que certamente tu vinhas.


Eu te esperei todos os séculos

sem desespero e sem desgosto,

e morri de infinitas mortes

guardando sempre o mesmo rosto


Quando as ondas te carregaram

meu olhos, entre águas e areias,

cegaram como os das estátuas,

a tudo quanto existe alheias.


Minhas mãos pararam sobre o ar

e endureceram junto ao vento,

e perderam a cor que tinham

e a lembrança do movimento.


E o sorriso que eu te levava

desprendeu-se e caiu de mim:

e só talvez ele ainda viva

dentro destas águas sem fim.

domingo, 23 de novembro de 2025

Medo dos Homens Justos

 




Rodolfo Pamplona Filho




O melhor mármore não faz

a mais bela estátua,

se for lapidado

por um escultor medíocre.


As melhores intenções

não se tornam boas obras,

se feitas sem provas,

mas só com convicções.


Quem ponderará

contra a truculência palpável

dos que se acham justos?


Quem nos salvará

do fascismo inevitável

dos homens bons?




12 de outubro de 2016, no voo para São Paulo.

sábado, 22 de novembro de 2025

4º. Motivo da rosa





Cecília Meireles




Não te aflijas com a pétala que voa:

também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,

mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos

ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,

por desfolhar-me é que não tenho fim.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Nudez

 






Rodolfo Pamplona Filho


Sabe o que descobri?


Você é o único que


consegue me enxergar...


O amor verdadeiro remove as


membranas que fecham os olhos


e apenas você...


consegue me ver nua...


e que nada mais pode me quebrar...




E me viu nua...


sem tirar uma peça sequer de roupa...


E me viu nua...


sem expor parte alguma de meu corpo...


E me viu nua...


no dia em que olhou em meus olhos...


e viu além de qualquer casca...


E me viu nua...


no dia em que conheceu minha alma


e soube exatamente quem eu era...


e permiti tão íntima ligação


por não carecer de resistência...


por não precisar mais me esconder...


por acreditar em nós...




E eu descubro em você


o que pensei


somente existir em sonhos...


mas sonhos somente são possíveis


se estamos vivos...


sonhos somente existem


se há vida e desejo...


sonhos somente se realizam


na nudez da alma...




São Paulo, 07 de outubro de 2010.

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Canção do Exílio

 

 







Murilo Mendes




Minha terra tem macieiras da Califórnia

onde cantam gaturamos de Veneza.

Os poetas da minha terra

são pretos que vivem em torres de ametista,

os sargentos do exército são monistas, cubistas,

os filósofos são polacos vendendo a prestações.

A gente não pode dormir

com os oradores e os pernilongos.

Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.

Eu morro sufocado

em terra estrangeira.

Nossas flores são mais bonitas

nossas frutas mais gostosas

mas custam cem mil réis a dúzia.



Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade

e ouvir um sabiá com certidão de idade!


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959


quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Sozinho na Multidão

 






Rodolfo Pamplona Filho




A pior solidão é

ficar sozinho na multidão,

esperando em pé

um pouco de atenção

de quem compartilha a fé

ou a promessa do coração.


Não sei se é trágico

ou simplesmente irônico,

mas é quase mágico,

diria icônico,

quando sua presença é reclamada,

mas, na verdade, ignorada...


Um dia, eu gritarei

e ouça quem quiser.

Direi tudo que sei

sobre a tristeza que vier:

não há dor maior ou lama

que ser ignorado por quem se ama.


Salvador, 06 de outubro de 2010.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Pré-história

 



Murilo Mendes




Mamãe vestida de rendas

Tocava piano no caos.

Uma noite abriu as asas

Cansada de tanto som,

Equilibrou-se no azul,

De tonta não mais olhou

Para mim, para ninguém!

Cai no álbum de retratos.


segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Desnuda

 






 (Negra Luz)




A poesia não me permite conter me em segredos.

Ela sussurra, através dos meus versos, o que não escrevi:

Traduz em onomatopeias meus sentimentos,

Cochicha pelas entrelinhas, expõe me nos acentos,

Quando findo uma estrofe, ela ainda fala por mim.

Um delatora camuflada por metáforas e rimas,

Revela a métrica do que escrevo e, quando menos espero,

Me vejo desnuda diante de ti:

Meu leitor, minha leitora.


domingo, 16 de novembro de 2025

Desilusão

 






Rodolfo Pamplona Filho




A gente pensa  

que o emprego sempre estará lá, 

que conseguirá se desdobrar, 

que a saúde sempre estará boa 

que a vida será longa... 



A gente pensa  

que tudo vai dar certo 

que sempre estará perto 

que será sempre esperto 

que nunca ficará descoberto  



A gente pensa  

que vai viver eternamente, 

que a dor não é permanente, 

que nossos pais nunca faltarão 

até o dia da desilusão... 


 


Salvador, 05 de fevereiro de 2021. 

sábado, 15 de novembro de 2025

Sim, tudo








(Negra Luz)



Tudo estalo.

Tudo audiência.

Tudo click.

Tudo emoji.

Tudo Bauman.

Tudo calefação.

Tudo João!

Tudo George!

Tudo Miguel!

Tudo triste.

Tudo “migué”.

Tudo RACISMO.





sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Psicóloga de Botequim

 





Rodolfo Pamplona Filho


Muitas vezes, precisamos ouvir

o que parece óbvio

aos olhos dos outros,

mas ainda não foi

internalizado no coração...

Aprender a escutar

e a baixar a sua bola

pode ser um bom caminho

para se redescobrir

e um novo caminho seguir...

Por isso, agradeça a quem

ousa dar a sua visão

sobre problemas que

não parecem ter fim

e nunca despreze

a sua psicóloga de botequim...


 


Salvador, 06 de janeiro de 2021.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Seja e esteja Feliz!

 





Paulo Basílio - 01/08/2020



Hoje, quero mais é ser,

Ser humano,

Ser pessoa.

Importar menos com coisa.



Cansado que querer

Ter e continuar a manter

Mesmo que só na aparência,

Tranquilidade na sobrevivência.



Ser e estar.

Não tem melhor solução.

Ser feliz e estar contente.



Ter isto na mente

E no nosso coração.

Sempre seja e esteja.






quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Amor em Você







Rodolfo Pamplona Filho



Eu descobri amor em você

e isso transformou a minha tristeza

em profunda esperança



Eu descobri amor em você

e isso converteu a minha descrença

em um retorno para a fé



Eu descobri amor em você

e isso me mostrou

que há sempre outro caminho



Eu descobri amor em você

e isso renovou o desejo

de, um dia, ser feliz


 


Salvador, 08 de janeiro de 2021.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

O que me atrai

 




 (Negra Luz)



Olhos... que não me acuam em padrões, 

Que me enxergam inteira,

Que me desnudam vestida.

Viril!




Boca... que não deprecia ninguém,

Que dialoga com paz,

Que beija como vento.

Lindo!




Mãos... que não violentam,

Que trabalham e buscam sonhos,

Que abraçam me acolhendo.

Gostoso!




Ombros... que não me oprimem,

Que estejam ao lado,

Que estejam disponíveis pertinho de mim.

Safado!




Peitos... que não inflem, subjugando-me,

Que compartilhem suas vitórias,

Que construam comigo as trilhas de si.

Muralha!




Barriga... que não se esqueça o que é vida,

Que não conte as minhas estrias,

Que entenda as entrelinhas em mim.

Sedutor!




Falo... que não ande por aí desprotegido,

Que quando esteja comigo,

Que seja entrega de dois.

Voraz!




Bumbum... que não sente e espere,

Que não me pare, nem me acelere,

Que deixe no meu ritmo seguir.

Sagaz!




Pernas... que não chutem-se o balde, me esquecendo,

Que sejam fortes e parceiras,

Que ergam corpo e sonhos.

Perspicaz!




Pés... que não se percam em qualquer vento,

Que sigam suas próprias rotas,

Que também confluam para mim,

Próspero.




Esse é o homem que eu desejo inteiro,

Que, inteira, miro os seus beijos,

Que quero na vida, na cama,

Ao lado de mim!





segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Sobre a Caminhada

 





Rodolfo Pamplona Filho



Para fazer qualquer caminhada,

é evidente que se precisa

dar o primeiro passo,

mas, depois do passo dado,

a ansiedade pelo resultado

aflige tanto quanto

ainda não ter começado...

 


Salvador, 4 de janeiro de 2021.

domingo, 9 de novembro de 2025

Oásis

 





(Negra Luz)




Quando a minha sede não encontrava os olhos d’água 

Que sempre saciavam meu coração

Ou tão secas as almas

Sem que houvesse ninguém 

Para a dança da chuva aventurar

Ou se, só, quisesse ouvir A Banda e passar

Sem me olharem como um disco velho que nunca emplacou

Era você que se apresentava

Toda a seca, por um instante, se convertia em ilusão

Havia coqueiros

Rio fluindo

Roupa encharcada

Eu na beira do mar

Acalmava-se meu furacão

Nimbus se dissipavam

Enxergava outras estradas

Em vicinais, achava bicas onde molhava o rosto

Bebia um gole d’agua fazendo de concha a mão 

E muito do que me faltava 

Por você, poesia, me fartava 

Um oásis para minha emoção

sábado, 8 de novembro de 2025

Papéis na vida

 


 



Rodolfo Pamplona Filho



Cada pessoa precisa entender

o seu papel em sua vida.

Há quem nasça para protagonista

e há quem seja coadjuvante...

Mas quem é apenas figurante

também é a estrela principal

da sua própria história.

Descobrir o papel que lhe é reservado

neste imenso palco sagrado

pode ser a diferença entre ser

consciente e conformado,

resolvido e revoltado,

vitorioso e derrotado.


 

Salvador, 24 de novembro de 2020.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Ironia ou faceta



 






(Negra Luz)




Não há surpresa!


O homem agoniza o que a sua mãe vem agonizando...


Falta-se oxigênio no Pulmão do Mundo.


O povo amazonense é mais um filho deste Pulmão.


Agoniza o que já é agonia para Amazônia: 


Nas matas, o fogo, a seca, levou fauna, levou flora, secou córrego, obriga indígena a sair do seu lugar.


Há fotografias dessa triste realidade,


Que muitos querem camuflar.


Gasta-se milhões para encomendar novo satélite,


Economiza-se com a fiscalização. 


Paradoxos ou faces da mesma moeda...


Uma alimentada pela outra.


Agora é a vida humana que está a agonizar...


Exaurimento de um crime complexo,


Anunciado por cada metro quadrado de mata que foi...


Vidas seguem arfando pelo Oxigênio 


O povo caboclo importa!


Mas são parte de um ecossistema maior: Amazônia. 


E ela é Brasil! 


E ela é Mundo!


E ela é nosso Pulmão!


E nela o nosso Oxigênio!

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Fake News na Pandemia



 


Rodolfo Pamplona Filho



A Internet

deu voz

a quem não tem

o que dizer

e que acaba

dizendo

o que não consegue esconder:

a sua própria raiva,

ódio e ignorância,

misturados com a insegurança

de simplesmente

antipatizar

quem virou alvo

do seu difamar,

como se seu mal querer

pudesse justificar

ou verdade tornar

o fel que escorre

no íntimo do seu ser.



Salvador, 25 de julho de 2020

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Exército de Jorge

 

 





(Negra Luz)


Uma moça me avisou

Que da Lua viria um aviso.

Eu, descrente, disse:

Para com isso!

Daqui a pouco dirão:

São Jorge aportará aqui!

Eu sorri.

Desdenhei da moça.

E, quando a Lua enquadrou com força,

Eu supliquei,

Eu orei!

Acredite. É verdade!

Um exército se mostrou realidade,

Prestou continência para mim.

Aliou-se na minha luta,

Veio para o meu fronte, 

Cuidou de mim!

E, com lágrimas, perguntei:

Quem era o líder?

Todos responderam: 

Salve, Jorge! Salve, Jorge!

E eu, com lágrimas, 

Mandei um bom pensamento para a tal moça,

Desculpei-me

E a São Jorge agradeci!

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Lidando com Idiotas



 


Rodolfo Pamplona Filho




Não é fácil lidar com idiotas:

conviver com quem já se sabe

o que vai falar

ou como vai se comportar...

Aquele tipo de gente

que incomoda pela presença,

pelo tom ou pelo assunto,

mas que insiste em estar junto,

apresentando sua opinião

como se fosse uma dúvida legítima

ou um exercício de um ponto de vista,

e não uma mera reprodução

de um chavão ou bordão,

repetido à exaustão,

no grupo de WhatsApp da ocasião.

Para eles, o ódio

está sempre à mostra,

a concordância a si

é sempre imposta

e, para sobreviver,

somente há uma proposta:

para idiotas, o silêncio

é sempre a melhor resposta.


 


Praia do Forte, 29 de dezembro de 2020.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Desclassificando as cores

 

 








(Negra Luz)




Quis ser primária,


E secundária também fui.


Quis estar no topo.


E fui a mais TOP.


Como fui!


O sol vibrante.


O fogo Ardente.


E um mar de amor


Mais ao poente,


Presenteei-me de ametiste


E, ao jequitibá, avistei a luz.


Eram secundárias as cores ali presentes 


E a beleza...


Tão maior!


Tão igual!


E, num instante angelical,


As cores não tinham classe.


Tinham valor igual.

domingo, 2 de novembro de 2025

Muzuá, Puçá e Caçuá

 


 



Rodolfo Pamplona Filho




Muzuá é a armadilha,

que espera sua vítima

ou decora uma casa;

Puçá é a rede

que impede o siri

de se desvencilhar;

Caçuá é o cesto

que transporta a cangalha

no lombo de um jegue:

Muzuá, Puçá e Caçuá,

três formas de entrelaçar

o que o destino proporcionar.



Salvador, 02  de novembro de 2020

sábado, 1 de novembro de 2025

Pretos e pretas também sabem

 



(Negra Luz)




Pretos e pretas também sabem…

Sabem de sentimento, de dengo.

Sabem de chamego,

Alforriar-se dos próprios medos,

Entregar-se

E viver o amor.


Pretos e pretas também sabem…

Sabem de alegria e de festa.

Sabem de beijo na testa,

Namorar com delicadezas,

Acarinhar-se

E trazer rosas na mão.


As cicatrizes, ainda espessas, sangram

E, para muitos e muitas, é ferida recente!

Fruto de prática perversa...

Retintam o preto e a preta,

Nutrem a idéia de que preto e preta tem couraça,

De que vida de preto e de preta é ciclo sem fim de dor.


Das tintas impostas retiramos tudo,

Pretos e pretas são pretos e pretas 

E nossa pele não é couro.

O que foi chicoteado e sangrado foi o nosso escudo.

Ele é ancestral… Segue.

Os que não sobreviveram se integraram a ele,

Os sobreviventes foram mais fortalecidos,

 E, assim,

Pretos e pretas seguem….

E sabem

Amar!

Amar suas mulheres 

Seus maridos,

Seus filhos e filhas,

Suas famílias,

Seus amigos e amigas...


Talvez seja este o nosso maior ato de resistência:

Pretos e pretas saberem amar.

Saberem sorrir,

Saberem viver com alegria.

Saberem viver o amor.

E sabe por quê?

Na essência,

A nossa alma é alforriada!

Subjugaram, historicamente, os nossos corpos,

Mas, ainda que tenham investido na total desumanização de pretos e pretas,

Não alcançaram integralmente a liberdade

Do nosso coração,

Do nosso pensar,

Do nosso sentir.

E, assim,

Resistimos!

E, assim, a nossa resistência:

Pretos e pretas sabem

AMAR.