sábado, 11 de junho de 2011

Aqui, No Labirinto, de Jorge Luis Borges


Aqui, No Labirinto



Nunca haverá uma porta. Estás cá dentro
E a fortaleza abarca o universo
E não possui anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor do teu caminho
Que obstinado se bifurca noutro,
E obstinado se bifurca noutro,
Tenha fim. É de ferro o teu destino
Como o juiz. Não esperes a investida
Do touro que é um homem, cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe evasão. Nada te espera.
Nem no negro crepúsculo a fera.

Jorge Luis Borges


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Hora H

Hora H

Rodolfo Pamplona Filho
O que é realmente brochar?
Pouco importa, é falhar
justamente na hora H,
em que a bola foi levantada,
a oportunidade foi lançada
e a chance foi desperdiçada.

Não há desculpa que baste
ou manto que cubra a vergonha
e a vontade que se mate
aquele que jamais sonha
não conseguir realizar
o desejo de todo macho alpha.

E o unico consolo presente
é se este acidente
(ou falha constante)
ocorrer com alguém especial
para quem você seja mais que um pau,
mesmo sentindo falta do gozo real.

E a sua efetiva esperança
é que seja realmente um fato isolado,
fruto de grilos, coelhos ou elefantes
escondidos em seu armário mental,
em que ninguém consegue penetrar
sem descobrir qual seu verdadeiro mal.
Orlando, 28 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Outro poema dos dons, de Jorge Luis Borges


Outro poema dos dons


Quero dar graças ao divino
Labirinto dos efeitos e das causas
Pela diversidade das criaturas
Que forma este singular universo,
Pela razão, que não cessará de sonhar
Com um plano do labirinto,
Pelo rosto de Helena e pela perseverança de Ulisses,
Pelo amor, que nos deixa ver os outros
Como os vê a divindade,
Pelo firme diamante e pela água solta,
Pela álgebra, palácio de precisos cristais,
Pelas místicas moedas de Ângelo Silésio,
Por Schopenhauer,
Que talvez tenha decifrado o universo,
Pelo fulgor do fogo
Que nenhum ser humano pode olhar sem um assombro antigo,
Pela caoba, pelo cedro e pelo sândalo,
Pelo pão e pelo sal,
Pelo mistério da rosa
Que prodigaliza cor e que não a vê,
Por certas vésperas e dias de 1955,
Pelos duros tropeiros que na planície
Arreiam os animais e a alva,
Pela manhã em Montevidéu,
Pela arte da amizade,
Pelo último dia de Sócrates,
Pelas palavras que em um crepúsculo se disseram
De uma cruz a outra cruz,
Por aquele sonho do Islã que abarcou
Mil noites e uma noite,
Por aquele outro sonho do inferno
Da torre de fogo que purifica
E das estrelas gloriosas,
Por Swedenborg,
Que conversava com os anjos nas ruas de Londres,
Pelos rios secretos e imemoriais
Que convergem em mim,
Pelo idioma que, faz séculos, falei na Nortúmbria,
Pela espada e pela harpa dos saxões,
Pelo mar, que é um deserto resplandecente
E uma cifra de coisas que não sabemos
E um epitáfio dos vikings,
Pela música verbal da Inglaterra,
Pela música verbal da Alemanha,
Pelo ouro, que relumbra nos versos,
Pelo épico inverno,
Pelo nome de um livro que não li:
Gesta Dei per Francos,
Por Verlaine, inocente como os pássaros,

Pelo prisma de cristal e pelo peso de bronze,
Pelas raias do tigre,
Pelas altas torres de São Francisco e da ilha de Manhattan,
Pela manhã no Texas,
Por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral
E cujo nome, como ele teria preferido, ignoramos,
Por Sêneca e Lucano, de Córdoba,
Que antes do espanhol escreveram
Toda a literatura espanhola,
Pelo geométrico e bizarro xadrez,
Pela tartaruga de Zenão e pelo mapa de Royce,
Pelo aroma medicinal dos eucaliptos,
Pela linguagem, que pode simular a sabedoria,
Pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
Pelo costume,
Que nos repete e nos confirma como um espelho,
Pela manhã, que nos depara a ilusão de um princípio,
Pela noite, sua treva e sua astronomia,
Pelo valor e pela felicidade dos outros,
Pela pátria, sentida nos jasmins
Ou numa velha espada,
Por Whitman e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,
Pelo fato de que o poema é inesgotável
E se confunde com a soma das criaturas
E não chegará jamais ao último verso
E varia segundo os homens,
Por Frances Haslam, que pediu perdão a seus filhos
Por morrer tão devagar,
Pelos minutos que precedem o sono,
Pelo sono e pela morte,
Esses dois tesouros ocultos,
Pelos íntimos dons que não enumero,
Pela música, misteriosa forma do tempo.


Jorge Luis Borges

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Vergonha de ser Feliz

Vergonha de ser Feliz

Rodolfo Pamplona Filho

De repente,
finalmente,
você percebe
que já deve
ter conseguido
e produzido
tudo o que quis...

mas, estranhamente,
você só sente
um gosto estranho,
quase tacanho,
de quem não sonha
e tem vergonha
de ser feliz.

Olhando para o chão,
quando deveria estar alegre...
Vivendo em lamentação,
como se ardesse em febre...
Reclamando sem explicação,
sendo impossível ser alegre
quando seu humor está por um triz...

Algum dia, você aprenderá
que o mundo é maior
do que seu medo de brilhar
e que o destino é melhor
que o mau olhado a fulminar
tudo de bom, sem dó,
por não viver o que se diz...
São Paulo, 19 de fevereiro de 2011

terça-feira, 7 de junho de 2011

HABEAS CORPUS

HABEAS CORPUS
Marta Torres

Excelentíssimo Senhor Juiz,
Venho
por meio deste
solicitar
solicitar não! Requerer
suplicar, pedir, rogar, implorar
enfim, clamar sua misericórdia.

Oh, Senhor Juiz,
liberta o Sr. Sentimento!
Ele não fez nada de ilícito
Não roubou, não matou
não fingiu nem falsificou
Mas mesmo assim foi aprisionado
neste calabouço frio e sem cor.

Abuso de autoridade, excelência!
Não se pode cometer tamanha injustiça com tão nobre Sentimento
É certo que ele resistiu à prisão
Mas não se tratou de desobediência
pois era manifestamente ilegal seu fundamento
A autoridade não utilizou o in dubio pro reo
para restringir sua liberdade
quando na dúvida deveria ter deixado o puro Sentimento
defender-se e mostrar sua inocência

Só quem está preso pode dizer
O quão frio e triste é a solidão
Não vê o sol sem ser quadrado
Perdendo os momentos únicos de enxergar suas cores
Sem perceber a felicidade que se esvai com a inércia

Por isso, Senhor Juiz
Abre as portas ao Sr. Sentimento
Não restrinja a vida de quem nasceu para o bem
Para iluminar aqueles que o conhecem
Para transformar-se diariamente e aprender coisas novas
Para mudar o mundo.

Como única e exclusiva instância
Peço-lhe que aja com equidade
Busque os princípios, mas não analogias ou precedentes
Pois o caso é único e irrepetível
Julgue com a mais profunda emoção
Pois a razão nem sempre soluciona adequadamente a lide
Já que a lógica não explica as questões mais essenciais do ser.

Pense, Senhor Juiz
Reflita com carinho sobre a situação do Sr. Sentimento
E, por ser da mais lídima justiça
Acolhe, pois, esta singela petição
E, enfim, dá-lhe deferimento.

27/12/2005

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Mais um pouco de Fernando Pessoa




" Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios,incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos..
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."

(Fernando Pessoa)

domingo, 5 de junho de 2011

Sentindo Falta

Sentindo Falta

Rodolfo Pamplona Filho

A distância aterroriza.
Meu corpo se rende
à insuperável fadiga
do contato sem resposta
e pede, aos poucos,
que durma profundamente
sem pensar no tempo...

Ah, o tempo... este insiste em não parar...
Penso que, por um lado, é bom que corra,
pois haverá a esperança de cessar a sensação...
mas, por outro ângulo, imagino quanto estou a perder...
as prioridades mudam, os desejos também...
com o cair dos grãos da ampulheta
ou a badalada do velho relógio da sala...

A cabeça pára.
Logo, o corpo padece
do viço de viver, da mania de sonhar...
Determinadas coisas não se explicam.
A alma sente, o corpo reage
do jeito mais previsível
e a boca silencia.

Fico com dúvidas sem sentido.
Pairam como fantasmas
que, no fundo, não existem.

Tenho medo, muito medo
de tomar iniciativas
sem perspectiva de volta...

Cobro-me coragem,
mas, no fim, opto em decidir
apenas o estritamente necessário.

Meu amor e dores se misturam
e não sei mais viver sem os dois.
Espero que o destino me encontre.

Salvador, 05 de março de 2011.