quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Fui eu esse menino que me espia




– melancólico olhar, sereno rosto,
postura fixa e o todo bem composto –
no retrato que o tempo desafia.

Fui eu na minha infância fugidia
de prazeres ingênuos, e o desgosto
de sentir tão efêmera a alegria
bem depressa mudada em seu oposto.

Fui eu, sim; mas o tempo que perpassa
e tudo altera nem sequer deixou
um grão de infância feito esmola escassa.

Fui eu; e da figura só ficou
o olhar desenganado na fumaça
em que a criança inteira se mudou.

abril 1998

(De Sentimento da Morte – 2003)

Poema de Fernando Py (1935-2020)

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