segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Dezembro





Quem me acode

à cabeça e ao coração

neste fim de ano,

entre alegria e dor?


Que sonho,

que mistério,

que oração?

Amor.



 Carlos Drummond de Andrade

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Frutos e Louros





Somos extensão

das nossas raízes

Somos resultados

de nossas diretrizes

Imaginar que somos autônomos

em relação ao passado

é cultivar uma ingenuidade

de quem se acha isolado,

e não parte de uma história,

como se qualquer glória

pudesse ser atribuída

a um ato único de valor,

e não a toda uma vida

de luta, dedicação e dor.



Lucas 6, 43 Porque não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore que dê bom fruto.




No voo para Brasilia, na madrugada de 29 de novembro de 2016, pensando na noite de 27 de novembro de 2016.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Bilhete








Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,

enfim,

tem de ser bem devagarinho, Amada,

que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...



Mario Quintana

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Sobre Ser




Você não é

o que você acha que é

Você não é

o que as pessoas acham que você é.

Nem eu, nem você somos

o que a vida fez de nós dois

O que nós somos

não pode ser sabotado

por aquilo que nos tornamos




Salvador, domingo, 27 de novembro de 2016.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Dialética






É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...



Vinicius de Moraes

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Morrer é Doce !




 Quando em meu peito, romper-se a corrente

Que a alma me prende à dor de viver

Não quero por mim, nem uma lágrima,

Nem um suspiro, nem um sofrer...


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Pedaço de Mim





Notas

Oh, pedaço de mim

Oh, metade afastada de mim

Leva o teu olhar

Que a saudade é o pior tormento

É pior do que o esquecimento

É pior do que se entrevar


Oh, pedaço de mim

Oh, metade exilada de mim

Leva os teus sinais

Que a saudade dói como um barco

Que aos poucos descreve um arco

E evita atracar no cais


Oh, pedaço de mim

Oh, metade arrancada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu


Oh, pedaço de mim

Oh, metade amputada de mim

Leva o que há de ti

Que a saudade dói latejada

É assim como uma fisgada

No membro que já perdi


Oh, pedaço de mim

Oh, metade adorada de mim

Leva os olhos meus

Que a saudade é o pior castigo

E eu não quero levar comigo

A mortalha do amor

Adeus



 Chico Buarque


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Hipocrisia Útil




 Na porta do elevador,

ela me diz: - Bom dia!

Eu abaixo os olhos

e digo: - Bom dia!

E a vida continua...


Subimos silenciosos,

cada um para seu andar,

como se momentos embaraçosos

não interferissem no andar

E a vida continua...


E a vida continua...

E a vida...

E...

?

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Vênus

 





Dá-me, Apeles, o sangue dos teus dedos

e as cores deste mar, espuma ardente

em que Vênus ressoa e se reparte

entre deuses e bichos, céus e terras,



para que a louve, prostituta imensa

feita de orgasmo e sol. Pombos e cisnes

a conduzem nos braços da Volúpia

onde ela exerce, pleno, o seu domínio.




Mas, de repente, queda-se cativa

de um mortal como Adônis. Tão completa

me parece esta deusa que seu brilho



tem, sobre nós, a calma perspectiva

de uma fúria saciada: um simples nome

que a eternidade rútila consome.



Jorge Tufic

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Primavera




 Menino chora

Pipa sumiu no espaço

Linha partida.


Galhos curvados

como a pedir perdão

Nobre chorão.


Finados... Mortos

Presença dos ausentes

Quanta saudade...


Iracema de Camargo Aranha

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Desejo morrer




Desejo morrer

por não poder

fazer mais do que

fiz para você,

na ilusão de que controlaria

onde o Sol um dia se poria.


Desejo morrer

por não conseguir

fazer você afinal sorrir

depois de uma vida

de luta, dor e lamento

como se sua sina fosse o sofrimento.


Desejo morrer

por não consumar o

tudo que sonhei realizar,

sentindo-me preso

a uma vida sem sabor

onde nunca terei o fogo do amor.


Salvador, 16 de junho de 2018.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Passagem secreta





Quem saltará

do fundo do meu espelho

revestido de bruma

de elmo

de escudo

e espada na mão?


Certamente

cavaleiro templário

dono de estratagemas e artifícios

fiel guardião

de todos os meus mistérios.



Társio Pinheiro

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Banalização da Morte





 A TV divulga, a rádio anuncia,

o jornal comunica

o saldo das mortes do final de semana...

o trânsito, o acidente doméstico

ou a costumeira e pontual queima de arquivo...


Normal...


Ouvimos impassíveis,

tomando o café nosso de cada dia,

no meio das notícias políticas

ou da alegria, tristeza com

o resultado do jogo do nosso time...


Normal...


Não há espaço para indignação,

nem mesmo há tempo para isso...

A informação passa por

nossos olhos e ouvidos

como uma brisa imperceptível...


Normal...


O sangue escorre das imagens,

do som e dos papéis...

mas não se sente nada...

Anestesia coletiva, difusa e impessoal...

A apatia e a indiferença

não fazem acepção de pessoas...


Normal...

Normal?


Salvador, 16 de agosto de 2010, uma segunda-feira sangrenta...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A CHEGADA





A estrada pertence ao homem que a ilumina

e busca dar certeza

aos passos que exercita afoito.

É também da mulher que aguarda dar à luz,

suor brotando meio ao sangue,

o seio pesado e entumescido

premiando a vitória do parir.



Cordões rompidos preservam resquícios,

rastros de passado na terra úmida;

frutos cobiçados, maturação alcançada,

choro irrompendo uma membrana fina.

Ainda que os mortos-vivos se levantem,

e cantem pela manhã os pássaros indiferentes,

o mundo é dos obstinados que se entregam,

e pensam que carregam o necessário dentro de si.



A chegada, porém, pertence ao homem corajoso,

aquele que despreza o tempo no afago à sua amada;

à mãe que sorri, indolente, noite enluarada,

e conta sempre ao filho coisas engraçadas.

Não precisa dormir, nem dar à luz, nem nada,

tampouco encenar uma vida agitada.

O final da rota é apenas o início,

um útero macio que comporta, aquecido,

a calma experiência de um viver fugaz.



Georgina  Albuquerque

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O Prego no Caixão

 

A última nota na canção.

O arremate da costura

O ponto final na redação





O encerramento da semeadura

O beijo de despedida

O suspiro final

A lágrima vertida

O pecado original

O Adeus na partida

O final da festa

A palavra definitiva

O que mais nos resta


Praia do Forte, 03 de junho de 2018.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Canção I

 



Fermosa e gentil Dama, quando vejo

a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,

a boca graciosa, o riso honesto,

o marmóreo colo e branco peito,

de meu não quero mais que meu desejo,

nem mais de vos que ver tão lindo gesto.

Ali me manifesto

por vosso a Deus e ao mundo; ali me inflamo

nas lágrimas que choro;

e de mim, que vos amo,

em ver que soube amar-vos, me namoro;

e fico por mim só perdido, de arte

que hei ciúmes de mim por vossa parte.


Se porventura vivo descontente

por fraqueza de esprito, padecendo

a doce pena que entender não sei,

fujo de mim e acolho-me, correndo,

à vossa vista; e fico tão contente

que zombo dos tormentos que passei.

De quem me queixarei

se vós me dais a vida deste jeito

nos males que padeço,

senão de meu sujeito,

que não cabe com bem de tanto preço?

Mas ainda isso de mim cuidar não posso,

de estar muito soberbo com ser vosso.


Se, por algum acerto, Amor vos erra,

por parte do desejo cometendo

algum nefando e torpe desatino;

se ainda mais que ver, enfim, pretendo;

fraquezas são do corpo, que é de terra,

mas não do pensamento, que é divino.

Se tão alto imagino

que de vista me perco – peco nisto –,


desculpa-me o que vejo;

que se, enfim, resisto

contra tão atrevido e vão desejo,

faço-me forte em vossa vista pura,

e armo-me de vossa fermosura.


Das delicadas sobrancelhas pretas

os arcos, com que fere, Amor tomou,

e fez a linda corda dos cabelos;

e, porque de vós tudo lhe quadrou,

dos raios desses olhos fez as setas

com que fere quem alça os seus, a vê-los.

Olhos, que são tão belos,

dão armas de vantagem ao Amor,

com que as almas destrui;

porém, se é grande a dor,

co a alteza do mal a restitui;

e as armas com que mata são de sorte

que ainda lhe ficais devendo a morte.


Lágrimas e suspiros, pensamentos,

quem deles se queixar, fermosa Dama,

mimoso está do mal que por vós sente.

Que maior bem deseja quem vos ama

que estar desabafando seus tormentos,

chorando, imaginando docemente?

Quem vive descontente

não há-de dar alívio a seu desgosto,

por que se lhe agradeça;

mas com alegre rosto

sofra seus males, para que os mereça;

que quem do mal se queixa, que padece,

fá-lo porque esta glória não conhece.


De modo que, se cai o pensamento

em algüa fraqueza, de contente

é porque este segredo não conheço:

assi que com razões, não tão-somente

desculpo ao Amor de meu tormento,

mas ainda a culpa sua lhe agradeço.

Por esta fé mereço

a graça, que esses olhos acompanha,

o bem do doce riso;

mas porém não se ganha

cum paraíso outro paraíso.

E assi, de enleada, a esperança

se satisfaz co bem que não alcança.


Se com razões escuso meu remédio,

sabe, Canção, que, porque não vejo,

engano com palavras o desejo.



Luís Vaz de Camões

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Cadáver Vivo




 Acordar, comer

Banhar-se, vestir

Trabalhar, beber

Deslocar-se, dormir

Não saber o que mais fazer?

Quem sabe, talvez, viver?

Ver que um dia passa

sem, de nada, achar graça

é finalmente perguntar:

será que morri e

me esqueceram de enterrar?



Salvador, 13 de junho de 2013, após uma sessão de analise junguiana.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Carolina

 




Carolina

Nos seus olhos fundos

Guarda tanta dor

A dor de todo esse mundo

Eu já lhe expliquei que não vai dar

Seu pranto não vai nada mudar

Eu já convidei para dançar

É hora, já sei, de aproveitar

Lá fora, amor

Uma rosa nasceu

Todo mundo sambou

Uma estrela caiu

Eu bem que mostrei sorrindo

Pela janela, ói que lindo

Mas Carolina não viu

Carolina

Nos seus olhos tristes

Guarda tanto amor

O amor que já não existe

Eu bem que avisei, vai acabar

De tudo lhe dei para aceitar

Mil versos cantei pra lhe agradar

Agora não sei como explicar

Lá fora, amor

Uma rosa morreu

Uma festa acabou

Nosso barco partiu

Eu bem que mostrei a ela

O tempo passou na janela

Só Carolina não viu



Chico Buarque de Holanda

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Sobre o Medo da Morte

 




O único jeito de aceitar a realidade

é parando de lutar.

Em vez de espantar o medo,

a solução é convidá-lo a andar ao lado... como parceiro, não inimigo.

A flor de lótus não cresce longe da lama

e não se vive sem dor.

Por isso, o jeito é aceitar o todo,

com seus lados bons e ruins,

amor e compaixão.

Não é possível se livrar do medo da morte, mas se pode aprender a conviver com ele.


Salvador, 29 de julho de 2018.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Um Índio



 

Um índio descerá de uma estrela colorida brilhante

de uma estrela que virá numa velocidade estonteante

e pousará no coração do hemisfério sul

na américa num claro  instante

depois de exterminada a última nação indígena

e o espírito dos pássaros das fontes de água límpida

mais avançado que a mais avançada

das mais avançadas das tecnologias

virá impávido que nem Muhamed Ali

virá que eu vi

apaixonadamente como Peri

virá que eu vi

tranqüilo e infalível como Bruce Lee

virá que eu vi

o axé do afoxé,  Filhos de Gandhi

virá 

um índio preservado em pleno corpo físico

em todo sólido , todo gás e todo líquido

em átomos, palavras, alma, cor,

em gesto, em cheiro, em sombra,

em luz, em som magnífico

num ponto eqüidistante entre o Atlântico e o Pacífico

do objeto sim resplandecente descerá  o índio

e as coisa que ele dirá , fará não dizer 

assim de de um modo explícito

virá impávido que nem Muhamed Ali

virá que eu vi

apaixonadamente como Peri

virá que eu vi

tranqüilo  e infalível como Bruce Lee

virá que eu vi

o axé do afoxé,  Filhos de Gandhi 

virá 

 


e aquilo que nesse momento se  revelará aos povos

surpreenderá  a todos não por ser exótico

mas pelo fato de poder estar sempre

estado oculto quando terá sido o óbvio



Caetano Veloso

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Humor

 








A vida sem humor

não tem graça...

Literalmente...

É um critério perfeito

para escolher amigos:

Quem nao sabe rir de si

não merece rir de nós!


Brasília, 14 de março de 2013.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Cheiro





Seu cheiro em minha roupa

é a prova mais louca

de um amor real

mas, para muitos, imoral...


Guardo seu cheiro na memória

na esperança que o inesperado

possa mudar a nossa história

e nos dar a esperada vitória


....de um amor pleno,

que, sempre a contento,

cresce e se fortalece....


...de um sentimento sincero,

que, um dia, espero,

possa ser tão público quanto seu perfume.


Praia do Forte, 23 de janeiro de 2011.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

A Louca





 A Dias Paredes


Quando ela passa: - a veste desgrenhada,

O cabelo revolto em desalinho,

No seu olhar feroz eu adivinho

O mistério da dor que a traz penada.




Moça, tão moça e já desventurada;

Da desdita ferida pelo espinho,

Vai morta em vida assim pelo caminho,

No sudário de mágoa sepultada.


Eu sei a sua história. - Em seu passado

Houve um drama d’amor misterioso

- O segredo d’um peito torturado -


E hoje, para guardar a mágoa oculta,

Canta, soluça - coração saudoso,

Chora, gargalha, a desgraçada estulta.




Augusto dos Anjos

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

O Acaso





 Dos dias

Do calor

Das vidas

Do amor

De nada

De tudo

Do nada

Do mundo



Bogotá, 05 de outubro de 2013, em conexão para o Brasil, olhando o entardecer...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

PROFESSOR





O professor é um sábio

renovando-se a cada instante.

É um trabalho árduo,

porém gratificante.


O professor é paciente,

da alma humana é um conhecedor.

Harmoniza o ambiente,

tornando-o acolhedor.


O professor é um artista,

amplia suas conquistas.

É um animador cultural

da história real.


O professor é um articulador

cheio de realização.

É também um sonhador

dessa grande nação.


O professor é um mediador,

facilitando a aprendizagem.

Também um enriquecedor,

deixa sempre uma mensagem.


O professor espalha as sementes

dos objetivos em mente.

Prepara para as oportunidades,

observando a realidade.


Ser professor não tem fórmula,

é apenas uma vocação.

Por isso me conformo

e continuo com minha missão. 



Cleusa Lopes

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

A Ignorância é um direito?




                                   

Eu não quero ir para a escola.

Eu não quero aprender

Eu não quero aprender nada

Eu não quero aprender nada novo

Eu não quero aprender nada de novo


Já sei tudo

Já sei tudo que quero

Já sei tudo que quero saber

Já sei até mais que quero saber

Eu gostava mais das coisas quando não sabia nada sobre elas...


Logo, concluo que

estou sendo lesado;

estou sendo violentado;

estou sendo educado;

estou sendo educado contra minha vontade...


Então, ser ignorante é um direito?

Não sei!

Mas também não quero descobrir...



Praia do Forte, 03 de agosto de 2013, lendo Calv

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Se o meu pai fosse meu filho...






Quando vejo tudo nos trilhos, me pergunto como teria sido, se o meu pai fosse meu filho...


Como partido, ele haveria tido um avô amoroso e bem estabelecido...


Uma avó cheia de alegria, que dá cambalhota e faz estripulia...


Uma mamãe 'molinha', que sorri, acaricia e conta historinha...


Isso tudo me faz pensar, amar e entendê-lo, sem condicionar...


Como teria sido a sua história? Guardo em memoria, gratidão à sua improvável vitória.


Não teria apanhado...e talvez tivesse jogado em muitos outros gramados...


Teria sido criança, teria feito lambança, sem ter tido de si roubada a infância...


Não teria passado fome, andado desconfiado, ou tido algum dia, seu samba discriminado...


Tido seu próprio sapato, não seria jamais emprestado, sobretudo calçado apertado.


Questioná-lo, ficou no passado!


Por este calo, todo o meu apreço, recompensa que nunca me esqueço...

A que me permite ser pai de um guri, tal qual o meu nunca teve pra si.



 Adriano Deiró