sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Demogorgon

 



Álvaro de Campos

 


 

  Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda. 

  Uma tristeza cheia de pavor esfria-me. 

  Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos. 

  Não, não, isso não! 

  Tudo menos saber o que é o Mistério! 

  Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas, 

  Não vos ergais nunca! 

  O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se! 


  Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada! 

  A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo, 

  Deve trazer uma loucura maior que os espaços 

  Entre as almas e entre as estrelas. 


  Não, não, a verdade não!  Deixai-me estas casas e esta gente; 

  Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente... 

  Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados? 

  Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!

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