domingo, 16 de março de 2025

Humor

 


 Rodolfo Pamplona Filho


A vida sem humor


não tem graça...


Literalmente...


É um critério perfeito


para escolher amigos:


Quem nao sabe rir de si


não merece rir de nós!




Brasília, 14 de março de 2013.

sábado, 15 de março de 2025

Um Índio

 





Caetano Veloso

 


Um índio descerá de uma estrela colorida brilhante


de uma estrela que virá numa velocidade estonteante


e pousará no coração do hemisfério sul


na américa num claro  instante


depois de exterminada a última nação indígena


e o espírito dos pássaros das fontes de água límpida


mais avançado que a mais avançada


das mais avançadas das tecnologias


virá impávido que nem Muhamed Ali


virá que eu vi


apaixonadamente como Peri


virá que eu vi


tranqüilo e infalível como Bruce Lee


virá que eu vi


o axé do afoxé,  Filhos de Gandhi


virá 


um índio preservado em pleno corpo físico


em todo sólido , todo gás e todo líquido


em átomos, palavras, alma, cor,


em gesto, em cheiro, em sombra,


em luz, em som magnífico


num ponto eqüidistante entre o Atlântico e o Pacífico


do objeto sim resplandecente descerá  o índio


e as coisa que ele dirá , fará não dizer 


assim de de um modo explícito


virá impávido que nem Muhamed Ali


virá que eu vi


apaixonadamente como Peri


virá que eu vi


tranqüilo  e infalível como Bruce Lee


virá que eu vi


o axé do afoxé,  Filhos de Gandhi 


virá 


 




e aquilo que nesse momento se  revelará aos povos


surpreenderá  a todos não por ser exótico


mas pelo fato de poder estar sempre


estado oculto quando terá sido o óbvio







sexta-feira, 14 de março de 2025

Sobre o Medo da Morte

 

 






Rodolfo Pamplona Filho



O único jeito de aceitar a realidade


é parando de lutar.


Em vez de espantar o medo,


a solução é convidá-lo a andar ao lado... como parceiro, não inimigo.


A flor de lótus não cresce longe da lama


e não se vive sem dor.


Por isso, o jeito é aceitar o todo,


com seus lados bons e ruins,


amor e compaixão.


Não é possível se livrar do medo da morte, mas se pode aprender a conviver com ele.




Salvador, 29 de julho de 2018.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Carolina

 

 




Chico Buarque de Holanda





Carolina


Nos seus olhos fundos


Guarda tanta dor


A dor de todo esse mundo


Eu já lhe expliquei que não vai dar


Seu pranto não vai nada mudar


Eu já convidei para dançar


É hora, já sei, de aproveitar


Lá fora, amor


Uma rosa nasceu


Todo mundo sambou


Uma estrela caiu


Eu bem que mostrei sorrindo


Pela janela, ói que lindo


Mas Carolina não viu


Carolina


Nos seus olhos tristes


Guarda tanto amor


O amor que já não existe


Eu bem que avisei, vai acabar


De tudo lhe dei para aceitar


Mil versos cantei pra lhe agradar


Agora não sei como explicar


Lá fora, amor


Uma rosa morreu


Uma festa acabou


Nosso barco partiu


Eu bem que mostrei a ela


O tempo passou na janela


Só Carolina não viu








quarta-feira, 12 de março de 2025

Cadáver Vivo

 



Rodolfo Pamplona Filho





 Acordar, comer


Banhar-se, vestir


Trabalhar, beber


Deslocar-se, dormir


Não saber o que mais fazer?


Quem sabe, talvez, viver?


Ver que um dia passa


sem, de nada, achar graça


é finalmente perguntar:


será que morri e


me esqueceram de enterrar?






Salvador, 13 de junho de 2013, após uma sessão de analise junguiana.

terça-feira, 11 de março de 2025

Canção I


 




Luís Vaz de Camões



Fermosa e gentil Dama, quando vejo


a testa de ouro e neve, o lindo aspeito,


a boca graciosa, o riso honesto,


o marmóreo colo e branco peito,


de meu não quero mais que meu desejo,


nem mais de vos que ver tão lindo gesto.


Ali me manifesto


por vosso a Deus e ao mundo; ali me inflamo


nas lágrimas que choro;


e de mim, que vos amo,


em ver que soube amar-vos, me namoro;


e fico por mim só perdido, de arte


que hei ciúmes de mim por vossa parte.




Se porventura vivo descontente


por fraqueza de esprito, padecendo


a doce pena que entender não sei,


fujo de mim e acolho-me, correndo,


à vossa vista; e fico tão contente


que zombo dos tormentos que passei.


De quem me queixarei


se vós me dais a vida deste jeito


nos males que padeço,


senão de meu sujeito,


que não cabe com bem de tanto preço?


Mas ainda isso de mim cuidar não posso,


de estar muito soberbo com ser vosso.




Se, por algum acerto, Amor vos erra,


por parte do desejo cometendo


algum nefando e torpe desatino;


se ainda mais que ver, enfim, pretendo;


fraquezas são do corpo, que é de terra,


mas não do pensamento, que é divino.


Se tão alto imagino


que de vista me perco – peco nisto –,




desculpa-me o que vejo;


que se, enfim, resisto


contra tão atrevido e vão desejo,


faço-me forte em vossa vista pura,


e armo-me de vossa fermosura.




Das delicadas sobrancelhas pretas


os arcos, com que fere, Amor tomou,


e fez a linda corda dos cabelos;


e, porque de vós tudo lhe quadrou,


dos raios desses olhos fez as setas


com que fere quem alça os seus, a vê-los.


Olhos, que são tão belos,


dão armas de vantagem ao Amor,


com que as almas destrui;


porém, se é grande a dor,


co a alteza do mal a restitui;


e as armas com que mata são de sorte


que ainda lhe ficais devendo a morte.




Lágrimas e suspiros, pensamentos,


quem deles se queixar, fermosa Dama,


mimoso está do mal que por vós sente.


Que maior bem deseja quem vos ama


que estar desabafando seus tormentos,


chorando, imaginando docemente?


Quem vive descontente


não há-de dar alívio a seu desgosto,


por que se lhe agradeça;


mas com alegre rosto


sofra seus males, para que os mereça;


que quem do mal se queixa, que padece,


fá-lo porque esta glória não conhece.




De modo que, se cai o pensamento


em algüa fraqueza, de contente


é porque este segredo não conheço:


assi que com razões, não tão-somente


desculpo ao Amor de meu tormento,


mas ainda a culpa sua lhe agradeço.


Por esta fé mereço


a graça, que esses olhos acompanha,


o bem do doce riso;


mas porém não se ganha


cum paraíso outro paraíso.


E assi, de enleada, a esperança


se satisfaz co bem que não alcança.




Se com razões escuso meu remédio,


sabe, Canção, que, porque não vejo,


engano com palavras o desejo.







segunda-feira, 10 de março de 2025

O Prego no Caixão

 


Rodolfo Pamplona Filho


 

A última nota na canção.


O arremate da costura


O ponto final na redação


O encerramento da semeadura


O beijo de despedida


O suspiro final


A lágrima vertida


O pecado original


O Adeus na partida


O final da festa


A palavra definitiva


O que mais nos resta




Praia do Forte, 03 de junho de 2018.

domingo, 9 de março de 2025

A CHEGADA









Georgina  Albuquerque


A estrada pertence ao homem que a ilumina


e busca dar certeza


aos passos que exercita afoito.


É também da mulher que aguarda dar à luz,


suor brotando meio ao sangue,


o seio pesado e entumescido


premiando a vitória do parir.






Cordões rompidos preservam resquícios,


rastros de passado na terra úmida;


frutos cobiçados, maturação alcançada,


choro irrompendo uma membrana fina.


Ainda que os mortos-vivos se levantem,


e cantem pela manhã os pássaros indiferentes,


o mundo é dos obstinados que se entregam,


e pensam que carregam o necessário dentro de si.






A chegada, porém, pertence ao homem corajoso,


aquele que despreza o tempo no afago à sua amada;


à mãe que sorri, indolente, noite enluarada,


e conta sempre ao filho coisas engraçadas.


Não precisa dormir, nem dar à luz, nem nada,


tampouco encenar uma vida agitada.


O final da rota é apenas o início,


um útero macio que comporta, aquecido,


a calma experiência de um viver fugaz.








sábado, 8 de março de 2025

Banalização da Morte







Rodolfo Pamplona Filho




 A TV divulga, a rádio anuncia,


o jornal comunica


o saldo das mortes do final de semana...


o trânsito, o acidente doméstico


ou a costumeira e pontual queima de arquivo...




Normal...




Ouvimos impassíveis,


tomando o café nosso de cada dia,


no meio das notícias políticas


ou da alegria, tristeza com


o resultado do jogo do nosso time...




Normal...




Não há espaço para indignação,


nem mesmo há tempo para isso...


A informação passa por


nossos olhos e ouvidos


como uma brisa imperceptível...




Normal...




O sangue escorre das imagens,


do som e dos papéis...


mas não se sente nada...


Anestesia coletiva, difusa e impessoal...


A apatia e a indiferença


não fazem acepção de pessoas...




Normal...


Normal?




Salvador, 16 de agosto de 2010, uma segunda-feira sangrenta...

sexta-feira, 7 de março de 2025

Passagem secreta

 






Társio Pinheiro




Quem saltará


do fundo do meu espelho


revestido de bruma


de elmo


de escudo


e espada na mão?




Certamente


cavaleiro templário


dono de estratagemas e artifícios


fiel guardião


de todos os meus mistérios.








quinta-feira, 6 de março de 2025

Desejo morrer




Rodolfo Pamplona Filho





Desejo morrer


por não poder


fazer mais do que


fiz para você,


na ilusão de que controlaria


onde o Sol um dia se poria.




Desejo morrer


por não conseguir


fazer você afinal sorrir


depois de uma vida


de luta, dor e lamento


como se sua sina fosse o sofrimento.




Desejo morrer


por não consumar o


tudo que sonhei realizar,


sentindo-me preso


a uma vida sem sabor


onde nunca terei o fogo do amor.




Salvador, 16 de junho de 2018.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Vênus

 

 






Jorge Tufic





Dá-me, Apeles, o sangue dos teus dedos


e as cores deste mar, espuma ardente


em que Vênus ressoa e se reparte


entre deuses e bichos, céus e terras,






para que a louve, prostituta imensa


feita de orgasmo e sol. Pombos e cisnes


a conduzem nos braços da Volúpia


onde ela exerce, pleno, o seu domínio.







Mas, de repente, queda-se cativa


de um mortal como Adônis. Tão completa


me parece esta deusa que seu brilho






tem, sobre nós, a calma perspectiva


de uma fúria saciada: um simples nome


que a eternidade rútila consome.





terça-feira, 4 de março de 2025

Hipocrisia Útil

 




Rodolfo Pamplona Filho




 Na porta do elevador,


ela me diz: - Bom dia!


Eu abaixo os olhos


e digo: - Bom dia!


E a vida continua...




Subimos silenciosos,


cada um para seu andar,


como se momentos embaraçosos


não interferissem no andar


E a vida continua...




E a vida continua...


E a vida...


E...


?

segunda-feira, 3 de março de 2025

Pedaço de Mim






 Chico Buarque




Notas


Oh, pedaço de mim


Oh, metade afastada de mim


Leva o teu olhar


Que a saudade é o pior tormento


É pior do que o esquecimento


É pior do que se entrevar




Oh, pedaço de mim


Oh, metade exilada de mim


Leva os teus sinais


Que a saudade dói como um barco


Que aos poucos descreve um arco


E evita atracar no cais




Oh, pedaço de mim


Oh, metade arrancada de mim


Leva o vulto teu


Que a saudade é o revés de um parto


A saudade é arrumar o quarto


Do filho que já morreu




Oh, pedaço de mim


Oh, metade amputada de mim


Leva o que há de ti


Que a saudade dói latejada


É assim como uma fisgada


No membro que já perdi




Oh, pedaço de mim


Oh, metade adorada de mim


Leva os olhos meus


Que a saudade é o pior castigo


E eu não quero levar comigo


A mortalha do amor


Adeus








domingo, 2 de março de 2025

Morrer é Doce!






Rodolfo Pamplona Filho



 Quando em meu peito, romper-se a corrente


Que a alma me prende à dor de viver


Não quero por mim, nem uma lágrima,


Nem um suspiro, nem um sofrer...



sábado, 1 de março de 2025

Dialética






Vinicius de Moraes


É claro que a vida é boa

E a alegria, a única indizível emoção

É claro que te acho linda

Em ti bendigo o amor das coisas simples

É claro que te amo

E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...