sábado, 2 de julho de 2011

Antropofagia e Epistemofilia

Antropofagia e Epistemofilia

Rodolfo Pamplona Filho
Eu quero comer
sua cabeça incrível
e sentir o prazer
de que é possível
cartas livres mandar
para o amigo invisível
e, ainda, em seu corpo, gozar...

Eu quero devorar
cada pedaço de seu cérebro
e experimentar
toda sensação incerta
que seu pensamento
em mim desperta
na sedução do movimento.

Eu quero me deliciar
com sua complexidade
e realmente aproveitar
todo desejo, querer e vontade
em uma epistemofilia
que uma mente vazia
jamais se encantaria.

Salvador, 07 de fevereiro de 2011.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Despedida Bruno Gouveia

Uma carta aos fãs sobre o dia em que Bruno Gouveia recebeu a notícia do acidente e morte do filho:

"O pior dia de minha vida
Caros amigos, parentes e fãs
Queria começar este post agradecendo a todos pela solidariedade, pelas mensagens de carinho, força, amor, fé, esperança por dias melhores. Em especial, meus familiares e toda equipe de minha banda, o Biquini Cavadão. Meu irmão Fábio e meu amigo Antônio Bindi conseguiram me isolar enquanto eu estava nos Estados Unidos para compor músicas pro novo disco. Sem celular e acesso a internet, não soube do ocorrido. Tinha acabado de chegar de Los Angeles em Nova Iorque. Eu e Coelho pegamos vôos diferentes e nos encontramos no aeroporto.
Era para ficarmos três dias na cidade compondo com uma artista neozelandeza. Entretanto, ao encontrar meu guitarrista ele me avisou que tínhamos de voltar para fazer um show muito importante. Era cedo em Nova Iorque e passamos o nosso único dia na cidade perambulando pelas ruas até a hora de voltar para o aeroporto. Foi fundamental o seu cuidado comigo, me isolando de possíveis brasileiros que pudessem me dar a trágica notícia. Até no aeroporto, ele conseguiu que eu ficasse em uma sala VIP sem que eu desconfiasse de nada. Ao mesmo tempo, minha namorada Izabella me ocupava o tempo todo, distraindo-me com intermináveis ligações. Ela, cantora da banda Menina do Céu, enviou uma substituta para seus shows e ficou falando sem parar comigo, me distraindo carinhosamente. Por vezes, eu dizia que estava cansado de falar e queria aproveitar a cidade. Ela então enviava mensagens de texto para Coelho: Ele cansou, agora, segure as pontas!. E assim, longas horas se passaram até que o avião finalmente decolasse com destino ao Rio.
Ao chegar, fui recepcionado por uma delegação que cuidou de acelerar os tramites com imigração e alfândega (agradeço ao Governador Sergio Cabral por todo este cuidado). Nem assim, desconfiei. Pensava apenas Nossa, este show deve ser importante mesmo!. Para evitar sair pela porta principal, onde jornalistas nos aguardavam, me fizeram passar por trás, saindo pelo desembarque doméstico, onde fui recebido pelo meu produtor. Ele me recebeu correndo e me disse para entrar numa sala. Achei que, pela pressa toda em me retirar do local, eu devesse entrar num taxi ou ônibus para o local do show. Ouvi apenas, você tem que dar uma entrevista para a TV Globo. E foi então que notei, ao entrar na sala, que não havia show algum para ser feito, muito menos entrevista.
O primeiro que vi foi Miguel, tecladista do Biquini, mas logo estranhei a presença de Izabella. Numa rápida passada de olhos, notei que meus familiares estavam ali. Todos, menos meu pai.
- Eu já sei porque estou aqui. tentei adivinhar
- Você sabe? perguntou minha mãe, chorando
- Bruno, sente-se por favor pedia meu irmão
- Meu pai.. balbuciei
- Ele está bem, Bruno, seu pai está bem. alguém que não me lembro, me avisou
Meu irmão insistiu para que eu sentasse enquanto começava a me dizer que uma imensa tragédia havia se abatido sobre nós.
- Gabriel ? temi acertar
Então, meu irmão respirou fundo e me contou que Gabriel e a minha ex-mulher Fernanda haviam morrido num desastre de helicóptero em Trancoso. A irmã de Fernanda, Jordana, e seu filho Lucas, também pereceram. Me contou tudo que houve, que Fernanda ainda chegou com vida à praia mas faleceu no hospital.
- Eu não estou ouvindo isso repetia
E os detalhes eram falados como um esparadrapo arrancado da pele: rapidamente e com muita dor.
- Meu anjinho. eu só conseguia dizer isso
E neste momento, Miguel, Birita, minha mãe, Izabella, todos me abraçaram e choraram muito. Eu continuava com os olhos arregalados em total choque. Magal, baixista, não parava de soluçar. Minha tia avó estava inconsolável. Cada um ali sofria minha dor que estava apenas começando.
Com a fala ofegante, eu recusei os remédios, queria ter consciência dos meus atos, e apenas pedi: por favor, me levem a eles. Uma van nos esperava e fomos direto ao Cemitério São João Baptista. Fernanda e Gabriel seriam sepultados juntos no jazigo da minha família.
Permaneci em total estado de choque. Pessoas me cumprimentavam. Colegas de estrada, amigos de longa data, diversos parentes. Minha prima Regina Casé me consolava, mas não era capaz de assimilar o que ela dizia. Sheik, da primeira formação da banda, com quem não falava há muitos anos, se reencontrou comigo. Jornalistas, músicos, primos que vieram de outras cidades, além da sofrida família de minha ex-mulher velavam os dois caixões. Não podia abri-los. No topo, apenas as fotos dos dois. O dia estava bonito e tudo parecia uma cidade cenográfica. Eu certamente acordaria deste sonho, acreditava. Em vão. A coroa de flores do Biquini dizia Hang on, Be Strong. Que ironia! Eram os versos de uma música em inglês que fizemos com a cantora Beth Hart em Los Angeles que diziam
Hang on, be strong/ sometimes life can slip away/
Segure firme, seja forte / Às vezes, a vida pode te escapar
Sem saber, havia composto nesta viagem a letra da música para me amparar!
Gabriel viveu 2 anos e dez meses. Tive a felicidade e honra de ser mais que um pai. Eu me apelidava de pãe. Logo que ele nasceu, pedi à mãe que, uma vez que a amamentação era um privilégio dela, que o banho dele fosse o meu. E todos os dias eu o banhava, trocava suas fraldas, ninava e o colocava para dormir. Viajava muito mas, em seguida, pegava o primeiro voo para vê-lo acordar e poder passear na pracinha. Eu era o único homem em meio a tantas mães e babás. Tive noites mal dormidas, traduzi-lhe com beijos o que diziam as palavras. Igualmente era o único pai nas aulas de natação para bebês. Participei de cada momento de sua vida com um mergulho intenso e de cabeça.
Fernanda foi minha mulher e companheira por dez anos, convivendo numa querida família. Em 2007, decidimos ter nosso filho e ele nasceu no dia dos pais o maior presente que poderia receber. Por sorte ou coincidência, não tive show no dia e pude vê-lo nascer. Infelizmente, nosso relacionamento passou por crises que culminaram com nosso afastamento como casal. Divórcios sempre são estressantes mas acreditava que o tempo curaria as feridas e seríamos bons amigos.
Nós dois éramos muito ligados ao Gabriel e eu era um pai coruja que beirava o chato. Meu único assunto era ele. Os fãs se deliciavam, enquanto eu mostrava fotos mais recentes. Também fiz vários videoclipes e, junto com minha ex-mulher, postamos tudo no blog http://mimevoce.blogspot.com/ contando desde a gestação, passando pelo nascimento e por todos os detalhes do seu dia a dia.
Perdi duas pessoas que marcaram minha vida. E quando o padre perguntou no velório se alguém queria dizer algo, eu levantei o braço. Tirei todas as forças de dentro de mim e cantei:
Tudo que viceja, também pode agonizar e perder seu brilho em poucas semanas.
E não podemos evitar que a vida / trabalhe com o seu relógio invisível/ tirando o tempo de tudo que é perecivel
Entre soluços e lágrimas, muitos presentes me acompanharam ao som de Impossível, sucesso do Biquini Cavadão.
O detalhe é que cantei é impossível esquecer vocês
Ao enterra-los, veio então a difícil tarefa de voltar pra casa e ver seus brinquedos, roupas, abrir a mala e ver tudo que comprei para ele. A palavra para definir o sentimento desde então é DOR. Não uma dor latente, insistente ou aguda. É uma dor que te assalta, te maltrata e te exaspera.
Continuava chorando pouco. Só dizia para todos: O que está acontecendo comigo? Dediquei minha vida a alegrar as pessoas, por que motivo agora tiram de mim a maior alegria de minha vida? Incapaz de desabafar, decidi provocar o meu choro. Vi vários vídeos de meu filho, um após o outro, até que veio o grito, a dor, como uma erupção vulcânica. Urros ensurdecedores. Os vizinhos batiam à porta perguntando o que fazer para me consolar. Minha mãe em prantos, Izabella me confortando sem parar. Foi horrível, mas me senti aliviado ao conseguir. Outros descarregos deste tipo vieram ao longo da semana.
Tenho dois shows neste sábado e domingo. Depois de muito pensar, decidi fazê-los. Chamei meu amigo Marcelo Hayena, do Uns e Outros. Ele estará por perto, caso me falte a voz. Ainda assim, estou confiante em cantá-lo até o fim. O motivo é simples. Meu filho nunca viu um show meu, por ser muito pequeno. Agora, ele tem cadeira cativa. E quero fazer para o meu Gabriel, o show mais lindo do mundo. E assim serão todos que eu puder fazer pro resto de minha vida!
Obrigado a todos pela força. Não consegui ler nem metade dos recados, mas deixo aqui o meu muito obrigado emocionado e meu consolo a todos que pereceram no desastre, em especial minha querida Jordana e meu sobrinho Luquinha.
Foi o pior dia de minha vida, mas cada reza, energia, força, recado, me amparou muito. Ainda sofro mas, de agora em diante, terei de viver um dia de cada vez.
Beijem seus filhos com carinho e fiquem com Deus.
Bruno Gouveia"


quinta-feira, 30 de junho de 2011

Rodolfo Pamplona Filho

Acreditar no que não se vê
e ver o que ninguém mais presencia.
Chorar com uma idéia conhecida
e emocionar-se com uma já ouvida.
Ler sempre a mesma palavra
e ter nela uma mensagem nova.
Lutar pelo que pensa amar
e viver como não houvesse outra forma.
Comprometer-se com uma doutrina,
a ponto de testemunhar o que ensina.
Perdoar por disciplina e
clamar por uma nova sina.
Aceitar o que todos negam
e negar o que todos aceitam.
Caminhar a velha estrada a pé...
Isto, sim, é que é ter fé!


Salvador, 16 de março de 2011.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Filhos são do mundo - José Saramago

Filhos são do mundo - José Saramago

Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até de
nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos.
Especialistas ensinaram-nos a acreditar que só esta postura torna adulto
aquele bebê que um dia levamos na barriga.
E a maioria de nós pais acredita e tenta fazer isso. O que não nos impede
de sofrer quando fazem escolhas diferentes daquelas que gostaríamos ou
quando eles próprios sofrem pelas escolhas que recomendamos.
Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como
amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para
darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo!
Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se
expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo
corretamente e do medo de perder algo tão amado.
Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo!
Então, de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com
respeito aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas,
porém, um tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem,
biológica, sociológica, psicológica e emocionalmente.
E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam
retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice?
Pensar assim é entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam, são
do mundo!
Volto para casa ao fim do plantão, início de férias, mais tempo para os
fllhos, olho meus pequenos pimpolhos e penso como seria bom se não fossem
apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que meu coração
já é deles. Santo anjo do Senhor...
É a mais concreta realidade. Só resta a nós, mães e pais, rezar e
aproveitar todos os momentos possíveis ao lado das nossas 'crias', que
mesmo sendo 'emprestadas' são a maior parte de nós !!!
 

"A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver ".
(José Saramago)

terça-feira, 28 de junho de 2011

Teologia das desgraças

Teologia das desgraças

O mortal terremoto foi saudado
Por fundamentalistas fariseus
Como sendo um sinal vindo de Deus
Que o fim da humanidade era chegado!

E nenhum sentimento demonstravam
Pelas pobres famílias que sofriam
Somente a altivez com que diziam
Que eles estavam certos, sempre estavam!

É fácil construir teologias
Sobre o alheio sofrimento humano
Quando não se padece as agonias.

O duro é suportar na própria pele
A dor, a angústia, a fome e o desengano,
Se tese alguma há que os debele.


Alexandre Roque, março de 2011





(http://www.alexandreroque.com/2011/03/teologia-das-desgracas.html)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Julgamento da História

O Julgamento da História

Rodolfo Pamplona Filho

A História não é escrita
por aqueles dignos de ser lembrados,
pois os verdadeiros protagonistas
estão ocupados demais,
fazendo-a,
para parar e compartilhar
sua visão com o mundo.

Quem realmente é essencial
não tem chance de transferir
toda sua visão à posteridade,
uma vez que se perde
na interminável luta
para modelar o mundo.

Ser herói ou vilão
na visão da humanidade
pouco importa, realmente,
pois ambos são somente peões
no grande tabuleiro do jogo da vida.

No julgamento da sua trajetória,
como sua vida passará pela história?
Alguém que fez diferença
no amor, no mundo ou na crença?
Ou reduzido a mais um pobre coitado,
que passou toda a existência
lutando pela sobrevivência...

Esta é, sim, a pergunta
definitivamente mais importante
e que deve ser feita a todo instante
por quem adquiriu a consciência
de que é mais do que uma presença
no tablado da existência.

Salvador, 17 de março de 2011.

domingo, 26 de junho de 2011

Discussão Jurídica entre Marido e Mulher...

Desajeitado, o magistrado Dr. Judson tentava equilibrar em suas
mãos, uma coca-cola, um pacotinho de biscoitos e uma pasta de
documentos.
 
Com toda esta tralha, dirigir-se-ia para seu gabinete, mas ao dar meia
volta deparou-se com sua esposa, a advogada Dra. Disthemis, que já o
observava há sabe-se lá quantos minutos. O susto foi tal que a coca,
os biscoitos e os documentos foram ao chão.
 
Por se tratarem de dois técnicos judiciais experientes, o diálogo que se instaurou obedeceu o mais alto padrão de erudição processual.
 
ESPOSA:
- Judson! Eu não aguento mais essa sua inércia. Eu estou carente,
carente de ação, entende?
 
JUIZ:
- Carente de ação? Ora, você sabe muito bem que, para sair da Inércia,
o Juízo precisa ser provocado e você não me provoca, há anos. Já eu
dificilmente inicio um processo sem que haja
contestação.
 
ESPOSA:
- Claro, você preferia que o processo corresse à revelia. Mas não
adianta, tem que haver o exame das preliminares, antes de entrar no
mérito. E mais, com você o rito é sempre sumaríssimo, isso quando a
lide não fica pendente... Daí é que a execução fica frustrada.
 
JUIZ:
- Calma aí, agora você está apelando. Eu já disse que não quero
acordar o apenso, no quarto ao lado. Já é muito difícil colocá-lo para
dormir. Quanto ao rito sumaríssimo, é que eu prezo a economia
processual e detesto a morosidade. Além disso, às vezes até uma
cautelar pode ser satisfativa.

ESPOSA:
- Sim, mas pra isso é preciso que se usem alguns recursos especiais.
Teus recursos são sempre desertos, por absoluta ausência de preparo.
 
JUIZ:
- Ah, mas quando eu tento manejar o recurso extraordinário você sempre
nega seguimento. Fala dos meus recursos, mas impugna todas as minhas
tentativas de inovação processual. Isso quando não embarga a
execução.

ESPOSA:
- Mas existia um fundo de verdade nos argumentos da Dra. Disthemis. E o Dr.
Judson só se recusava a aceitar a culpa exclusiva pela crise do
relacionamento. Por isso, complementou:
 
JUIZ:
- Acho que o pedido procede, em parte, pois pelo que vejo existem
culpas concorrentes. Já que ambos somos sucumbentes vamos nos dar por
reciprocamente quitados e compor amigavelmente o litígio.
 
ESPOSA:
- Não posso. Agora existem terceiros interessados. E já houve a
preclusão consumativa.
 
JUIZ:
- Meu Deus! Mas de minha parte não havia sequer suspeição!
 
ESPOSA:
- Sim. Há muito que sua cognição não é exauriente. Aliás, nossa relação está extinta. Só vim pegar o apenso em carga e fazer remessa para a casa da minha mãe.
 
E ao ver a mulher bater a porta atrás de si, Dr. Judson fica tentando compreender tudo o que havia acontecido. Após deliberar por alguns minutos, chegou a uma triste conclusão:
 - É.. e eu é quem vou ter que pagar as custas...
(autor desconhecido)