sábado, 30 de julho de 2011

Étimo de mim

Étimo de mim
Lucio Casado

Étimo de mim
Ponta longínqua da Aguilhada
Pedra que não se desfaz
Aurora, amanhã, Não Vaz ...(!)

Étimo de mim
Leitura aplicada do Espírito
Flor depurada com tanto esmero
Nuvem de fronteira tão longínqua ...

Étimo de mim
Que sofro de ilusão
E que Cantar mais não posso ...(!)
...E que me tomas por Vilão ...

Étimo de mim
Que sofro por perder a Dama, a Pedra, o Botão ...

Étimo de mim
Que sabes que à exaustão sofri essa paixão ...

Étimo de mim
Que me fere a Alma, o Coração
Por não creres na razão ...

Étimo de mim
Que choro a todo o dia
Tamanha servidão ...

Étimo de mim
Que creio na Aurora
Que me faz um bom irmão

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Soneto do Dublê de Corpo

Soneto do Dublê de Corpo

Rodolfo Pamplona Filho

Deito e abraço um corpo
que, por certo, não é o seu,
mas que imagino ser
para não entristecer...

É o consolo por não ter
o alguém só meu,
para quem queria viver
e, junto, envelhecer...

E, assim, vou sobrevivendo,
desejando e querendo
preencher este vazio...

Cultivando a esperança
de que, na minha ultima dança,
eu não esteja tão sozinho...

Salvador, 04 de abril de 2011.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Igual-desigual


Igual-desigual

Carlos Drummond de Andrade

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todas as experiências de sexo
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Variações em torno do mesmo tema

Variações em torno do mesmo tema
Pepe Chaves

A palavra exata
Do meu poema
Não foi escrita
Maldita
Nem feita

A poesia serve a palavra exata
Servil metal
Na exata medida natural
nem compreendida
Servida crua
Palavra nua

Palavra exata do meu poema
Descaminho único
1 servo de 2
Zero ou nada mais
Que outra alternativa além
A palavra exata
Mediata mente
Medita nem sente o que deveras.

Belo Horizonte, 21 de março de 2011

terça-feira, 26 de julho de 2011

Soneto da Espera

Soneto da Espera

Rodolfo Pamplona Filho

Eu teria muito melhor alento,
se você aqui também estivesse,
descansando sua cabeça em meu peito,
reconstruindo a vida como desse.

Mas como isso ainda não é possível,
contento-me com um sonho lindo
de um futuro incerto no tempo previsível,
mas certo demais quanto ao destino

de vivermos para sempre um para o outro
de chorarmos juntos cada outono
de vivermos cada raio do verão

de nos aquecermos reciprocamente no inverno,
de colhermos flores na primavera
de envelhecermos juntos em tal espera.
Praia do Forte, 29 de dezembro de 2010.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Dois em um

Dois em um


Muito se falou sobre Cisne Negro, o filme que não venceu o Oscar mas que foi, de longe, o mais perturbador e perturbação é vital para o pensamento. Houve quem tenha prestado atenção na questão da esquizofrenia, outros ficaram atraídos pela angustiante busca da perfeição artística e outros viram ali apenas mais um filme de terror. Há outro aspecto ainda, que é o que mais me seduziu: a dificuldade de conviver com a dualidade que existe em nós.

Há na sociedade uma tendência de encaixotar as pessoas e selar uma etiqueta para defini-las. Se você é uma pessoa de cabeça aberta, não lhe perdoarão ser contra o aborto. Se é uma natureba, jamais deverá ser vista tomando uma coca-cola. Se é respeitada nos meios intelectuais como uma grande pensadora, nem se cogita ouvir de sua boca uma resposta parecida com “não sei”. Tem que saber. É obrigatório confirmar o que o seu rótulo induz a pensarem sobre você.

Ainda que tenhamos, todos, um estado de espírito predominante e um estilo de vida que dá pistas sobre o que nos é caro, a verdade é que nada nos define integralmente. Um homem pode ser conservador em suas aplicações financeiras e ao mesmo tempo um aventureiro que se arrisca em esportes radicais.

Uma mulher pode tomar seus pileques de vez em quando e ser extremamente responsável na educação dos filhos. Para a comissão julgadora, isso sugere leviandade: ou você é uma coisa, ou outra. Senão, como garantir a estabilidade que nos estrutura?

Podemos ser uma coisa, e outra, e mais outra, inclusive coisas que se contradizem (te amo, mas preciso ficar sozinho) e não há nada de frívolo nisso. Ao contrário, as pessoas verdadeiramente maduras são as que não se sentem inseguras com suas contradições e conseguem extrair delas uma sabedoria que lhes sustenta. A comissão julgadora fica meio perdida. Que nota essa criatura dual merece? Sugiro: zero em harmonia, 10 em evolução.

No filme, a dualidade se manifesta através do lado claro e escuro da bailarina que precisa interpretar dois personagens antagônicos num mesmo ballet. Ser virginal e erótica ao mesmo tempo lhe esgota e amedronta: como sobreviver a tamanha contradição?

Há muitas possibilidades de desfrutar de antagonismos sem que percamos nossa integridade, basta que a gente tenha um mínimo de bom senso para saber até onde o anjo e o demônio em nós pode se manifestar sem causar danos aos demais. Há espaço para ambos existirem, sem comprometer a nossa singularidade – ao contrário, é na ambivalência que nosso “eu” se firma e encontra a plenitude.

Se isso tudo não passar de conversa pra boi dormir, ao menos serve como argumento para justificar as inquietantes dúvidas que nunca nos abandonam.


MARTHA MEDEIROS

domingo, 24 de julho de 2011

O Que Há

Álvaro de Campos
 
O Que Há
 
 
    O que há em mim é sobretudo cansaço — 
    Não disto nem daquilo, 
    Nem sequer de tudo ou de nada: 
    Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
    Cansaço.      A sutileza das sensações inúteis, 
    As paixões violentas por coisa nenhuma, 
    Os amores intensos por o suposto em alguém,  
    Essas coisas todas — 
    Essas e o que falta nelas eternamente —; 
    Tudo isso faz um cansaço, 
    Este cansaço, 
    Cansaço. 
    Há sem dúvida quem ame o infinito, 
    Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
    Há sem dúvida quem não queira nada — 
    Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
    Porque eu amo infinitamente o finito, 
    Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
    Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,  
    Ou até se não puder ser... 
    E o resultado? 
    Para eles a vida vivida ou sonhada,  
    Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
    Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...  
    Para mim só um grande, um profundo, 
    E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,  
    Um supremíssimo cansaço,  
    Íssimno, íssimo, íssimo, 
    Cansaço...