sábado, 18 de janeiro de 2014

O Alvorecer das Formas


                                   
O Alvorecer das Formas
                                                                                                         
O espetáculo avermelhado do crepúsculo. Ao longe, a curva quase reta do horizonte. Os homens. As mulheres. Aquele ser inventado, ora no chão, ora no ar, às vezes em lugar nenhum e outras, em todos os lugares. Imaginação. A rosa rubra, logo enegrecida, mas, por essas coisas da reinvenção, rejuvenescida a cada amanhecer, nas alvoradas saltitantes dos altiplanos.
Lá se vai, em busca de outras paragens, o homem que mira o horizonte, com o seu lápis e com o seu papel. O pensamento imerso na sabedoria aprendida a cada dia, na observação dos camaradas, na amizade, no amor, no destino e nos desatinos. No papel, curvas e retas. Horizontes. Belos horizontes. O suor dos homens: martelos a construírem o mundo sobre o mundo, sobre o natural. E, por dentro, aquela louca vontade de reinventar cada invento.
Os ventos benfazejos do distante. Andanças. Meio adulto e meio criança, a brincar com os desenhos. Forma e espaço, música e silêncio. Ele a perambular por vales e mares, a cortar, afoito, os ares. Separar quadrantes.  Por ele, estreitam-se os continentes. O homem, a sina, ensina e aprende. Entende-se com a natureza e a transforma: luzes, formas e sonhos.
No alvorecer, o homem se esquece do crepúsculo de ontem, fixa-se no
porvir, no futuro do presente, e presenteia. Mas também se apresenta a quem quiser ouvir e, para ouvi-lo, são desnecessários ouvidos, basta o olhar, ou um simples passar de mãos, uma respiração mais profunda qualquer.
Ele e o caminho. Estradeiro, abre os espaços, conta os passos, um a um, que lhe separam do ideário. Ele segue a conversar com homens e bichos. Às vezes, um olhar para o passado lhe escapa, vem a noção da entrega e também a louca vontade de refazer, repensar os símbolos nascentes das formas, embora saiba, como os poetas, não lhe pertencer o  que provoca, cabendo a cada um dos viventes sentir como mais lhe for aprazível.
Senhor ou escravo dos traços? Talvez se confundam homem e formas. É possível que ele mesmo não perceba o jugo ou, humilde, não dê valor ao senhorio. O certo é que o andarilho das retas e das curvas, mestre dos templos alheios, segue o caminho, em direção ao poente rubro da paixão, a procurar a rosa do sorriso. E segue.
Ao vê-lo em sua lida, é impossível se negar bem-querença ao carpinteiro-chefe, ao archetector, ao artista dos espaços, do construir de um nada o que é tudo, muito tudo.
Adivinhar seus próximos passos é missão temerária. Em torno do homem do papel e do lápis, dissolvem-se crenças e viceja o trabalho fecundado.
Quando resolvi segui-lo, surpreendi-me com a destreza que me era pouca. Subir em torres de argamassa, arremessar-me, tal qual um surfista louco, pelas retas e curvas das formas seria missão impossível. Entretanto, isento de qualquer fadiga, segui o homem do lápis e do papel, certo de sua firmeza de timoneiro e o cansaço se esvaiu, como que por encanto. Com ele, naveguei pelos lagos dos espelhos d'água, subi e desci rampas, voei em discos-flores e sorri com os olhos marejados.
Um belo dia, pensei em imitá-lo. Tremeram-me o peito e as mãos mal produtoras de riscos. Nem retas e nem curvas. Nada que se aproximasse do traço do guia. Eu com o meu vazio; ele com o seu espaço. Meus sonhos se amiudaram diante daqueles idealizados pelo homem do lápis e do papel. Mas mais queria saber. Continuei a segui-lo. Com ele, atravessei fronteiras e acreditei no equilíbrio. Certa vez, porém, pesaram-me as pernas trôpegas e caí, de corpo e alma. Eu quedo ao chão; ele a seguir avante, sempre.
Ao desistir do caminho, pude vê-lo vida afora e percebi que ele não era um mago. Sofria perdas e, algumas vezes, derrotas. Um homem e só, a seguir, com passos lentos, mas definitivos, na centenária busca da púrpura do ocaso, a fim de transformá-la, a cada dia, no carmesim do amanhecer.
Aos poucos, restava-me a visão da silhueta de encontro ao horizonte e a certeza de que o homem dos traços ensinou-me que retas e curvas podem ser iguais aos justos e puros, aos que acreditam na beleza e na amizade.

Jairo Vianna Ramos <jaberamos@msn.com>

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