domingo, 8 de junho de 2014

A Pausa de Clara.
                                                                                        Eu sou a pausa entre duas notas....
                                                                                                              Rainer Maria Rilke

          Quão bela é Bollenstreeck, coberta por tapeçarias de vivas flores   trançadas entre Leiden e Haarlen. Toda região, encantadora, abre-se para o espanto de estar vivo. Lírios, jacintos, íris, dálias, narcisos, orquídeas. As grandiosas plantações de tulipas são um espetáculo à parte. Soberanas, emolduram  os campos com um fulgurante colorido. As tonalidades  se alteram conforme a luz  cintila .
       A primavera é a primavera . E dela emerge uma beleza que predispõe o amor.
       Delicia-me despertar mais tarde  entre cobertas macias. Carícias derramadas.            O amor iluminado  por amanheceres prateados.
      Entardecer acetinado. A flor. A seiva.  A fonte. Deito-me na relva umedecida.   Caminho à beira dos antigos canais de Leiden. Os raios oblíquos do sol poente a refletir nas águas. As pedras seculares  de onde Rembrandt nasceu. A praça ornada pelas copas das árvores.  Esses dias possuem uma delicada  harmonia .  Brisa envolvente sussurrando canções .  Pausa entre as notas. Doce e indolente.
       A tarde se encerra a esperar o  aclarado, luzes das cidades.
      Uma voz me leva  à   libertação.  Conservo-me  ausente do outrora invasivo. Faces mascaradas. Todas aos pedestais. Fantasmas imersos em impérios   acinzentados. A deterioração  das criaturas, aos servos, não causa vergonha. Sendo os servos, bem distintos, dos só pobres serviçais. Soberba teatral. Personagens em  meios às plumas. Estardalham. Submissos a bajular, regalias.  Encenação vulgar. Aplausos. Vitoriosa hipocrisia. Tal loucura dos fantoches!   Cada um se encarregando de  sugar o outro. Rivalidades: pequenas falhas, venenos mortais. Não há vícios entre os apaniguados  que não encontram  silêncios complacentes. Um frio penetrante escorre pelas vísceras  desses.  Lobos se enredam no torpe cenário  de poder, no torpe cenário de glória. Farejam  o fresco sangue. Áspides sombrias.                  
       Eu sinto um deleite secreto, fruído às escondidas, ao  escapar das escadarias.  Crivadas  de pedras. Roubadas dos templos.     
    Consinto  que lamentem o meu destino banal , não  descubram o meu prazer, inundado de mim.
     Na procura por ternura pura, o azul profundo de tantos oceanos , o verde das trilhas  sinuosas entre íngremes penhascos, o branco nas geleiras esculpidas,  o rubro fulgurante dos roseirais, as  luzes, as sombras, a água límpida que lampeja nos lodaçais, em meus dias.
    Mesmo que procurassem, não encontrariam a vida que transborda pelos poros. Não saberiam decifrar os sinais dessa linguagem tão íntima. Não sentiriam o assombro das flamas nas velas instáveis.  A alegria do homem  que  lavra a terra   sem ser servil.   
   Tão afastada  estou desses  corpos sáfaros por veias ressecadas. As cores desabrocham em meu ser como os bulbos das tulipas.  Mantenho janelas e portas abertas aos mares, às montanhas desalinhadas, aos céus e às suas variantes solares- enevoadas-estreladas.
   O murmúrio das melodias queridas  aquece  o coração. A chuva escorrendo pelos telhados. O sibilo do  vento. O tilintar das taças. O badalar dos sinos. O cântico dos pássaros. Os feixes de lenha que tremulam. A sinfonia dos corpos amantes.
     A contemplação das coisas ao redor  aviva  a alma.  A bandeja de prata. A chaleira de porcelana. A toalha de renda.  Os jarros flóreos. Os retratos nos aparadores de nogueira. Os livros espalhados pelos cantos e recantos. O rubi do vinho na mesa posta para o jantar.    
     Os aromas  enraízam  na  memória. O pão e o vinho.  A terra banhada.  O solo adubado. A fragrância dos jasmins e das lavandas. O odor único  do homem amado.
     Recosto-me ao tronco das cerejeiras em flor. Devaneio observando a dança das pétalas onduladas  ao vento.  O espanto da pausa conduz ao voo esperado.
    Existe um tempo de pausa onde não fazer coisa alguma confere  o sentido de plenitude.

  Cláudia Reina

  15 de Junho de 2013.

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