ANIVERSÁRIO 
Metade do tempo consumada 
ou ainda mais. 
No peito, a mesma fome, a mesma sede 
do menino, do rapaz. 
 O mesmo olhar
perplexo 
o mesmo 
sem resposta 
gesto crispado interrogando. 
(É dezembro 
e noite e abro a janela 
e vejo outras janelas iluminadas. 
Ali há vida, como na rua, como 
no campo e no mar e nos velozes 
aparelhos que cortam o espaço 
e
talvez 
noutros planetas e universos. 
Como há incontáveis séculos e 
provavelmente 
amanhã. Mas tudo rápido 
demais 
que nem nos podemos saber 
e partimos 
no mesmo escuro em que chegamos.) 
Perdi colegas, namoradas, cães. 
Perdi árvores, pássaros, perdi um rio 
e eu mesmo nele me banhando. 
Isto o que ganhei: essas perdas. Isto 
o que ficou: esse tesouro 
de ausências. 
(A noite avança, e as janelas 
aos poucos 
se apagam. No silêncio 
meu coração permanece 
iluminado. Eis que trabalha, fiel, 
mesmo quando revela 
a si mesmo em breve imóvel 
ou, depois, a última estrela 
sem testemunhas 
no céu final.) 
(ESPINHEIRA FILHO, Ruy. Poesia reunida e inéditos. Rio de
Janeiro: Record, 1998, p. 150-151).

 
 
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