domingo, 2 de agosto de 2015

Da arte de engolir sapos



Certa vez, a imprensa toda noticiou, Fernando Henrique declarou que a política é a arte de engolir sapos. E isso é verdade, na medida em que os políticos, quando estão com raiva, dissimulam, dissimulam, e ninguém pode saber se, quando brigam entre si, estão, na verdade, brigando, ou apenas para brasileiro ver.

Mas a vida também exige a prática de engolir sapos. E algumas profissões mais do que as outras. Tirando os políticos, cuja vida é diversa da nossa, pobres mortais, todos, em maior ou menor grau, uma hora tem que dar a mão à palmatória e deixar de responder a algumas provocações, seja de quem for.

Os juízes, na audiência, devem ter uma paciência de Jó. Com advogados, com partes, com serventuários, com imprensa que, muitas vezes teima em aparecer, quando o caso é interessante, ou, melhor dizendo, rumoroso, e acha que pode fazer o que quiser porque é a imprensa: de repórteres, todos devem beijar a mão. E com as testemunhas mentirosas, então? Dessas nem é bom falar. Paciência de Jó é pouco.





Advogados precisam ter paciência de Jó com juízes irascíveis, que são muitos. Andam estressados com o trabalho extenuante e por qualquer manifestação menos inteligente do advogado – ninguém é inteligente em todos os minutos da vida – e já se irritam, tratam mal os clientes e lá se vai a paz da audiência. E quando o advogado é mais inteligente e mais erudito do que o juiz, então? É uma tragédia. Qual juiz admite que o advogado sabe mais do que ele? Lembro-me bem do que dizia Rodrigues Pinto, em suas aulas de Direito Processual do Trabalho na UFBA: o advogado deve saber mais do que o juiz, porque se o juiz errar, o advogado conserta, mas se o advogado errar, adeus, o cliente está perdido.

Mas eu sou o juiz! Bate no peito o prepotente!

Mães precisam ter paciência com os filhos e o marido. Interessante que das mães sempre se exige mais do que dos pais. Mesmo que a mãe tenha um trabalho difícil, cansativo, o cansaço do pai é sempre mais respeitado do que o da mãe. Ser mãe é sofrer no paraíso?

E os telefonemas das revistas, dos cartões de crédito, dos operadores de telemarketing? A senhora já foi assinante da Revista XPTO, não foi? Por que não é mais? E por que não quer? É? Mas não quer por que, minha senhora? Mas a revista tem uma promoção... Mesmo assim não quer? Por quê? Haja paciência.

Agora vêm os tais torpedos das operadoras de telefonia. A cada minuto, o celular dá a notícia de que há um torpedo. Você vai ver se é algum amigo, alguém da família ou colega, mas qual, é a operadora, oferecendo prêmios e mais prêmios pra você aderir a não sei mais quê. Penso que não fiquei rica ainda por não ter paciência com esse tipo de coisa.

Acho que eu não tenho a arte de engolir sapos. Nunca serviria para a política. Dissimulação passa longe de minhas pretensões. Tenho muita paciência com muita coisa, na audiência, então, no Tribunal da mesma forma, sempre fui um poço de compreensão, sem nenhuma dissimulação, mas engolir sapos, nunca. Adoeço. E, pior é que, quando não tenho paciência e respondo à mesma altura, sinto-me culpada. Adoeço também.

Os sapos que ando engolindo ultimamente, sem qualquer arte, fazem-me mal ao estômago. Esse é que é o problema. Eles descem e ficam a chacoalhar, ou coaxar, não sei, fazendo uma confusão dos infernos e meu estômago começa a doer, fogo puro,  minha boca é um estrago só, de aftas, minha língua fica dormente e assim vai.
É sapo de todos os lados. Todos andam estressados. Os engolidores de sapos são os que mais sofrem, se não são políticos. Esses, já se sabe, têm a arte. Não se irritam, atuam em qualquer área. Mas nós não somos os artistas da estirpe. E sofremos com esse mundo maluco.

O pior de tudo é que sou um caso perdido.  Não quero aprender essa arte. Prefiro queimações no estômago, língua ardendo e garganta em brasa. Minha prepotência, nesse aspecto, é irritante, e já se incorporou ao meu quotidiano e não há quem dê jeito. Não posso me conformar em ser saco de pancada. Mas tenho o interesse, o grande interesse, em deixar a pessoa falando sozinha: é minha vingança com os estressadinhos e desaforados. Urro de burro não chega ao céu, diria minha mãe. Por isso, calo-me, esperando que o desaforado fique sem graça e pare com a cantilena. Vingo, calando-me, mas sofro, como se tivesse despejado uma série de impropérios no interlocutor.
Não tenho, pois, a arte de engolir sapos.
Vou morrer assim. E ponto final.

Maria Francisca – março/2009.

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