sábado, 4 de fevereiro de 2017

A Mais Bonita


Maria Bethânia


Não, solidão, hoje não

Quero me retocar

Nesse salão de tristeza

Onde as outras penteiam mágoas

Deixo que as águas invadam meu rosto

Gosto de me ver chorar

Finjo que estão me vendo

Eu preciso me mostrar



Bonita...

Pra que os olhos do meu bem

Não olhem mais ninguém

Quando eu me revelar

Da forma mais bonita...

Pra saber como levar

Todos os desejos que ele tem

Ao me ver passar



Bonita...

Hoje eu arrasei na casa de espelhos

Espalho os meus rostos

E finjo que finjo que finjo

Que não sei

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Panta Rhei



Rodolfo Pamplona Filho

No mundo, tudo muda,

menos a mudança...

Não se banha duas vezes

nas mesmas águas...

Mudar é difícil,

Não mudar é fatal.


Fuja do que impõe

ser seu caminho:

o determinismo

só determina

o que se quer

determinar.


Fuja do que impõe

seu destino:

karma, astros e signos

só aumentam
a barriga vazia

de quem não se mexe.



Você é sócio

amplamente majoritário

da sua existência.

Esteja sempre

no controle

dos seus projetos.


Seja protagonista

da sua vida

e veja além

do que está

defronte

aos seus olhos




Praia do Forte, 11 de dezembro de 2016.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Metade



Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
A outra metade é silêncio
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Pois metade de mim é partida
A outra metade é saudade
Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas como a única coisa
Que resta a um homem inundado de sentimentos
Pois metade de mim é o que ouço
A outra metade é o que calo
Que a minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que mereço
Que a tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
A outra metade um vulcão
Que o medo da solidão se afaste
E o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
Que me lembro ter dado na infância
Pois metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade não sei
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o seu silêncio me fale cada vez mais
Pois metade de mim é abrigo
A outra metade é cansaço
Que a arte me aponte uma resposta
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Pois metade de mim é plateia
A outra metade é canção
Que a minha loucura seja perdoada
Pois metade de mim é amor
E a outra metade também

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Tudo ou Nada


Rodolfo Pamplona Filho

Tudo que tenho

Nada me foi dado

Tudo que tenho

Tudo foi conquistado

Tudo que não tenho

Eu tenho com ela
Como abrir mão de tudo

para ser completo?


01 de janeiro de 2017, nas águas do Oceano



Atlântico.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Igual-Desigual



Carlos Drummond de Andrade, in 'A Paixão Medida'

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as acções, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
[coisa.
Ninguém é igual a ninguém.
Todo o ser humano é um estranho
ímpar.


segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Depois do mar

Joana Ferraz

A carne molhada, bem água
É aquela que mais grita fundo

Lá de onde vem e fica o espaço
Dentro do corpo do mundo

Essa carne
É aquela mais vermelha
Parelha com o sol no rosto
Depois da manhã
Depois do mar

O corpo de fogo e de sal vai ficar
Nesse sofá cama de beijo comigo.


https://trazumverso.com/2016/12/15/depois-do-mar/

domingo, 29 de janeiro de 2017

Uma canção


Rodolfo Pamplona Filho


A melodia é o consolo

para a dureza da poesia

A harmonia dita regras

onde se deita a anarquia

O ritmo quer por ordem

na liberdade do caos

A métrica é a disciplina

de um quadro parnasiano

A rima é a esperança

de colorir o horizonte

A canção é o esconderijo

da alma do poeta.





Salvador, 23 de dezembro de 2016.