domingo, 30 de abril de 2017

As Pombas


Raimundo Correia

Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada.

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.

sábado, 29 de abril de 2017

Desejos



Rodolfo Pamplona Filho 

Quero alguém
para junto envelhecer,
mas não quero
ficar velho.

Quero alguém
para me amarrar,
mas não quero
perder minha liberdade.

Quero alguém
para realizar o sonho
de viver
uma nova realidade.

Cusco, 13 de abril de 2017.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Vou-me Embora pra Pasárgada


Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Incompletudes e Idiossincrasias


Rodolfo Pamplona Filho 

Mulher sem ciúme
Homem sem barriga
Criança sem sorriso
Festa sem bebida
Férias sem viagem
Casamento sem DR
Menstruação sem TPM
Emprego sem patrão
Trabalho sem produção
Poeta sem musa
Poesia sem inspiração
Alegria sem você

Cusco, 15 de abril de 2017                
                   
                 

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Via Láctea



(Olavo Bilac)

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

terça-feira, 25 de abril de 2017

Maltratado



Rodolfo Pamplona Filho

Apanhar quando se espera carinho
Ser acusado quando se queria um beijo
Explicar o que já foi entendido
Desculpar-se pelo que não fez
Um choro calado
pela surpresa da reação
Uma tristeza profunda
pela incompreensão
Uma saudade incontida
de um simples abraço
Uma lembrança bendita
de que ainda existe esperança.



Cusco, 15 de abril de 2017.

domingo, 23 de abril de 2017

Trava-Línguas


Rodolfo Pamplona Filho


Quando contar contos, conte quantos contos conta
e pergunte qual é o doce mais doce que o doce de batata-doce,
pois se o rato roeu a roupa do rei de roma
e o sabiá não sabia que a sabiá sabia assobiar;
se a aranha arranha a rã
e a gaivota, voando em volta, voava e virava de volta;
se o tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem,
tendo o tempo respondido pro tempo que o tempo tem o todo tempo que o tempo tem;
se mesmo que três traças tracem três trajes sem trégua
e entreguem três pratos de trigo para três tigres tristes;
por que o único verdadeiro trava-línguas é Treblebes?

Salvador, 15 de agosto de 2010

sábado, 22 de abril de 2017

Timidez


Cecília Meireles 

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes…

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…

e um dia me acabarei.




sexta-feira, 21 de abril de 2017

Livre como um Pássaro


Rodolfo Pamplona Filho

Você sabe
que não estou acostumada
com regras ou ordens
Sempre fui livre
e se tentam
me impor algo,
reajo de forma rebelde...
Sou felizmente condenada
à minha própria liberdade,
em que o único sentido
da minha existência e vida
é simplesmente ser e viver...


Salvador, 02 de abril de 2017.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Eu escrevi um poema triste


Mario Quintana

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Hoje Eu Quero Sair Só



Lenine

Se você quer me seguir, não é seguro
Você não quer me trancar, num quarto escuro
Às vezes parece até, Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só

Você não vai me acertar, À queima-roupa
Vem cá, me deixa fugir, me beija a boca
Às vezes parece até que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só
Não demora eu tô de volta...

Vai ver se eu tô lá na esquina, devo estar...
Já deu minha hora e eu não posso ficar...
A lua me chama, Eu tenho que ir pra rua...
A lua me chama, Eu tenho que ir pra rua

Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só

Você não vai me acertar, À queima-roupa
Vem cá, me deixa fugir, me beija a boca
Às vezes parece até que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só
Não demora eu tô de volta...

Vai ver se eu tô lá na esquina, devo estar...
A lua me chama, Eu tenho que ir pra rua...
A lua me chama, Eu tenho que ir pra rua...

Vai ver se eu tô lá na esquina, devo estar...
Já deu minha hora e eu não posso ficar...
A lua me chama, Eu tenho que ir pra rua...
A lua me chama, chama

Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só


A lua me chama, Eu tenho que ir pra rua...
A lua me chama, Eu tenho que ir pra rua...
Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só
Hoje eu quero sair só

terça-feira, 18 de abril de 2017

Império Inca



Rodolfo Pamplona Filho 

O ouro já foi
o sangue
ou suor do sol
A prata seria
a lágrima da lua
em pleno dia
A riqueza de outrora
foi usurpada
como conquista
e a Glória do passado
somente ficará
na memória
dos livros de história.



Lima, 9 de abril de 2017.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Olhos Nos Olhos


Chico Buarque

Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mas nem porque
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim
'Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz

domingo, 16 de abril de 2017

sábado, 15 de abril de 2017

Para quê?!


Florbela Espanca 

Tudo é vaidade neste mundo vão…
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, esta canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!…

Beijos de amor! Pra quê?! … Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!…

sexta-feira, 14 de abril de 2017

O Som do Silêncio



Rodolfo Pamplona Filho

Há diálogos que tem
mais reticências
do que palavras...

Salvador, 06 de abril de 2017.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Paciência


Lenine 

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para

Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara

Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
E o mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência

Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (Tão rara)

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para (a vida não para não)

Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida é tão rara (a vida não para não... a vida não para)

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Pessoas Procuradas



Rodolfo Pamplona Filho

Pessoas
hoje procuradas
já foram
em algum momento
apenas
pessoas perdidas



Lima, 10 de abril de 2017.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Ausência



Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Corrupção é inevitável?


Rodolfo Pamplona Filho 

Desde Cabral,
algo vai muito mal
no território nacional.

É a sensação
de que toda ação
precisa de um empurrão...

Não de impulso,
mas de um recurso
que nem todos têm...

É a decadência
que enfraquece a crença
e esgota a paciência...

Achar que é normal
ganhar algo a mais
para fazer o que faz...

Onde ser honesto
deixa de ser virtude
para virar defeito...

Onde fazer o certo
deixa de ser correto,
por achar não ter jeito.

Pare com isso
e grite bem alto:
eu não sou assim!

Pois viver de verdade
é saber que a esperança
nunca terá fim!

31 de março de 2017, no vôo para Recife...

domingo, 9 de abril de 2017

Epílogos



Gregório de Matos

Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.

Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha

Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.

E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.

O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.

A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.

sábado, 8 de abril de 2017

Passarinho Preso


Rodolfo Pamplona Filho
Passarinho Preso
Luta por liberdade
mesmo sem saber
de verdade
Contra o que
está lutando

Não consegue perceber
que o vidro impede
ultrapassar o limite
imposto pelas circunstâncias,
mas, mesmo assim,
ele se joga adiante...

E se machuca...
E se fere...
E se extenua...
Mas não desiste...

E, por vezes, o olhar do monstro
ou o susto do terror
não é um sinal da morte,
mas, sim, da renovação
da esperança da saída,
em que a dor e o medo
são o que nos impelem
a continuar tentando...
até o fim...
... qualquer que seja ele...


Salvador, 24 de novembro de 2013, na rede da varanda da casa...

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Contando Histórias: E Nem Verão Era


Ney Pimenta

Ao ver o filho no chão
Tanta juventude perdida
As pernas não aguentaram o próprio peso e se dobraram
Joelhos no asfalto, braços abertos, olhos escancarados, fitava o nada.
A boca se abriu como antes nenhuma outra
Nenhuma outra jamais
E dela saiu um grito que não se descreve
Porque quem criou as palavras não imaginou um sofrimento assim
E foi tão alto que nenhum pássaro cantou
Nenhum homem falou
Nenhum cão latiu
Apenas uma cigarra
Num canto tão triste...
E nem verão era.

Fonte: http://neypimenta.blogspot.com.br/

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Brigadeiro de Colher

Brigadeiro de Colher (soneto)

Rodolfo Pamplona Filho
Como é bom se sentir criança
lambendo os beiços para aproveitar
o gosto que traz a lembrança
de quando nada havia a preocupar...

A sensação gustativa da memória
que o sabor do doce lança
faz acender a própria história
que é maior que encher a pança,

pois significa simplesmente reviver
a primeira manifestação de prazer,
muito antes de ser homem ou mulher,

pois, antes de qualquer orgasmo,
o seu primeiro grande espasmo
foi provar um brigadeiro de colher.


São Paulo, 09 de junho de 2013.