domingo, 31 de dezembro de 2023

Pants dry, trees die




Rodolfo Pamplona Filho




People live without thinking

‘cause thinking isn’t a life’s condition.

Why do we have to live

as the world won’t survive

after we perish?


Why do we have to use

all the water that we have acess?

Why do we have to use

all the light that we produce?

Why do we have to use

paper that destroys a florest?


Pants dry, trees die...

Better fight for a clean Sky...

There’s no way to get out

when life wants to shout!


San Francisco, 29 de setembro de 2010.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Silêncio!...

 



Florbela Espanca




No fadário que é meu, neste penar,

Noite alta, noite escura, noite morta,

Sou o vento que geme e quer entrar,

Sou o vento que vai bater-te à porta...



Vivo longe de ti, mas que me importa?

Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear

Em roda à tua casa, a procurar

Beber-te a voz, apaixonada, absorta!



Estou junto de ti, e não me vês...

Quantas vezes no livro que tu lês

Meu olhar se pousou e se perdeu!



Trago-te como um filho nos meus braços!

E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...

Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...



sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Conhecendo Pamplona

 



Rodolfo Pamplona Filho



Conhecer Pamplona

foi uma sensação indescritível

Senti-me voltando ao berço,

para conhecer o começo

de tudo que sou

ou que, um dia, quis ser...

Vim tomar a benção

para conseguir tomar a decisão

e, mais do que isso, implementá-la,

sabendo, finalmente, o que vou fazer

com o resto da minha vida...

Quero apenas viver...


Pamplona, 03 de outubro de 2012.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Ser poeta

 



Florbela Espanca



Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!



É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!



É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

é condensar o mundo num só grito!



E é amar-te, assim, perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!



quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

A Perda da Inocência II

 





Rodolfo Pamplona Filho




Hoje, eu matei uma criança...

atirei, à queima-roupa, sem dó, nem piedade

no seu corpo de inocência, uma bala de realidade

no seu coração de pureza, uma facada da verdade


Dos seus sonhos, fiz escárnio

Dos seus planos, fiz ridículo

E rasguei sua esperança como papel de embrulho


Arranquei os seus olhos

Cortei sua garganta

E calei sua voz como uma vela que se apaga


Uma mente violentada

Um desejo reprimido

Um brinquedo destruído,

essa criança não existe?


Não é fênix, pois não renasce das cinzas

Não é Deus, pois não acreditam nela

Não é Mito, pois, de algum modo existiu.


Essa criança...

Essa criança...

Essa criança sou eu!


(20.01.92)


terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Árvores do Alentejo

 



Florbela Espanca


Horas mortas... curvadas aos pés do Monte

A planície é um brasido... e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte!



E quando, manhã alta, o sol postonte

A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,

Esfíngicas, recortam desgrenhadas

Os trágicos perfis no horizonte!



Árvores! Corações, almas que choram,

Almas iguais à minha, almas que imploram

Em vão remédio para tanta mágoa!



Árvores! Não choreis! Olhai e vede:

-Também ando a gritar, morta de sede,

Pedindo a Deus a minha gota de água!



segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Prece de um Coração Solitário

 



Rodolfo Pamplona Filho





Oh, Deus, Destinatário

do meu louvor,

guarda o meu amor,

que está longe do meu olhar,

mas dentro do meu coração.


Oh, Deus, Senhor

de todo sentimento,

faça que, neste momento,

de saudade infinita,

eu sinta a sua presença

acalentando esta ausência

que gera tanta angústia...


Oh, Deus, Soberano

de toda a vida,

protege o meu amado

por onde quer que esteja

e traga-o de volta em dois passos

para descansar em meu colo

e se entregar aos meus braços.


Amém!


San Francisco, 30 de setembro de 2010.

domingo, 24 de dezembro de 2023

Vaidade

 




Florbela Espanca


                                           A um grande poeta de Portugal

 


Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,

Que reúne num verso a imensidade !


Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo ! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade !

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !


Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a Terra anda curvada !



E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,

Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...



Livro de mágoas (1919)


 


sábado, 23 de dezembro de 2023

A Essência de Ser Professor

 



Rodolfo Pamplona Filho




O magistério é a parábola do semeador...

Nós não desperdiçamos sementes...

Nós apostamos que uma delas germinará...


O magistério é a consciência plena

de que se tem o futuro de alguém

em suas mãos e em seus ensinamentos...


O magistério é o sacerdócio verdadeiro

de se entregar a uma missão, com alma de criança,

mesmo quando os outros não têm sequer esperança...


E se, ao menos, um aluno,

um único aluno simplesmente,

sentir-se desta forma,

já terá valido a pena todo sacrifício...


Salvador, 15 de outubro de 2010.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

A maior Tortura





 Florbela Espanca


 

                                           A um grande poeta de Portugal



Na vida, para mim, não há deleite.

Ando a chorar convulsa noite e dia ...

E não tenho uma sombra fugidia

Onde poise a cabeça, onde me deite !



E nem flor de lilás tenho que enfeite

A minha atroz, imensa nostalgia ! ...

A minha pobre Mãe tão branca e fria

Deu-me a beber a Mágoa no seu leite !



Poeta, eu sou um cardo desprezado,

A urze que se pisa sob os pés.

Sou, como tu, um riso desgraçado !



Mas a minha tortura inda é maior:

Não ser poeta assim como tu és

Para gritar num verso a minha Dor ! ...



quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Consolo

 




Rodolfo Pamplona Filho


Hoje queria dormir no seu colo,

ouvindo o barulho do mar...

Mas a única coisa que me espera

é minha cama, uma aspirina e o protetor auricular......


San Francisco, 25 de setembro de 2010.


quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Fanatismo

 




Florbela Espanca


Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida

Meus olhos andam cegos de te ver !

Não és sequer a razão do meu viver,

Pois que tu és já toda a minha vida !


Não vejo nada assim enlouquecida ...

Passo no mundo, meu Amor, a ler

No misterioso livro do teu ser

A mesma história tantas vezes lida !


"Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."

Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina fala em mim !



E, olhos postos em ti, digo de rastros :

"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..."



Livro de Soror Saudade (1923)



terça-feira, 19 de dezembro de 2023

O Beijo




Rodolfo Pamplona Filho




O beijo é o marco

O beijo é um arco

que lança a flecha

que abre a brecha

de um coração que se quer entregar

para não ter medo de voltar a amar...


Poesia...

é a palavra que mais se assemelha

ao toque dos meus lábios nos seus...

sem pressa....

com cuidado...

com vontade...


Beijar...

Fez-me esquecer, por instantes,

qualquer papel social...

Tudo sumiu do meu pensamento e

nada me restou


Olhar...

o seu não me nega amor:

promete-me sonhos loucos

e me leva na bagagem

pra onde quer que você for...


Amar...

perco-me na fantasia

de uma vida eterna ao seu lado

....eu tenho muito a te dar:

vontade

desejo

motivos...


Sinto nosso amor consolidado

no beijo casto

no momento raro

que fez o mundo parar

que nos fez voltar a viver...


Salvador, 02 de outubro de 2010.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Os versos que te fiz

 




Florbela Espanca



Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que a minha boca tem pra te dizer !

São talhados em mármore de Paros

Cinzelados por mim pra te oferecer.


Têm dolência de veludos caros,

São como sedas pálidas a arder ...

Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que foram feitos pra te endoidecer !


Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...

Que a boca da mulher é sempre linda

Se dentro guarda um verso que não diz !


Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...

E nesse beijo, Amor, que eu te não dei

Guardo os versos mais lindos que te fiz!



domingo, 17 de dezembro de 2023

Fases e Faces da Vida




Rodolfo Pamplona Filho




Já passei por

diversas fases

em minha vida

e, por isso,

sempre corro riscos

de ser conhecido

ou estigmatizado

ou julgado

por valores que

nem mais cultivo

ou assumo

ou desejo...


Já passei por

diversas faces

em minha vida

e, por isso,

sempre corro riscos

de ser confundido

ou interpretado

ou condenado

por atos que

nem mais acredito

ou realizo

ou me orgulho...


Fases e Faces da Vida


Salvador, 3 de outubro de 2010.

sábado, 16 de dezembro de 2023

Ambiciosa

 



Florbela Espanca


Para aqueles fantasmas que passaram,

Vagabundos a quem jurei amar,

Nunca os meus braços lânguidos traçaram

O voo dum gesto para os alcançar ...



Se as minhas mãos em garra se cravaram

Sobre um amor em sangue a palpitar ...

__Quantas panteras bárbaras mataram

Só pelo raro gosto de matar !



Minh’ alma é como a pedra funerária

Erguida na montanha solitária

Interrogando a vibração dos céus !



O amor dum homem ? __Terra tão pisada,

Gota de chuva ao vento baloiçada ...

Um homem ? __Quando eu sonho o amor de um Deus ! ...



Charneca em Flor (1930)


sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Confissão




Rodolfo Pamplona Filho




Meu corpo treme

Minha voz geme

Minha mente teme

que você não me alimente


Preciso de você

Tenho medo de perder

Tenho fé no anoitecer

para sonhar com prazer


E nos meus sonhos mais loucos,

você se mostra como poucos,

abraçando-me com segurança.

confiando-me suas lembranças


Tenho sede pelo contato

Tenho fome pelo abraço

Tenho desejo pelo cansaço

de uma noite nos seus braços


Não sei mais o que faço

Só sei que o que passo

atinge tudo que penso

aos devaneios mais extensos.


Você é minha companhia perfeita

que mistura amor e poesia

que me leva em toda fantasia

que não mitigará um dia


Confesso que vivi solto

Confesso que vivi louco

até o dia em que encontrei o calor

nos lábios de meu essencial amor


Confesso que somente quero viver

da forma que a gente puder e quiser

para estar ao seu lado eternamente

e nunca mais ser só novamente...


Salvador, 3 de outubro de 2010.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Reflexão n°.1

 



Murilo Mendes



Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho

Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio

Nem ama duas vezes a mesma mulher.

Deus de onde tudo deriva

E a circulação e o movimento infinito.



Ainda não estamos habituados com o mundo

Nascer é muito comprido.

 


quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Acordando

 




Rodolfo Pamplona Filho




Acordar e ter você ao lado

é a mais perfeita visão

que fascina meu coração


Sentir seu corpo próximo

e o meu entregue

a essa nova ilusão


Estar completamente indefesa

e deixar que você descubra

o prazer de minhas incertezas


E no capricho de suas mãos,

o tempo pára, o segundo aguarda

...o desejo transpassa


E o desvendar da espera

culmina no seu corpo suado

no abraço apertado

e no sono prolongado...


Salvador, 3 de outubro de 2010.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Gilda




Murilo Mendes


Não ponha o nome de Gilda

na sua filha, coitada,

Se tem filha pra nascer

Ou filha pra batisar.

Minha mãe se chama Gilda,

Não se casou com meu pai.

Sempre lhe sobra desgraça,

Não tem tempo de escolher.

Também eu me chamo Gilda,

E, pra dizer a verdade

Sou pouco mais infeliz.

Sou menos do que mulher,

Sou uma mulher qualquer.

Ando à-toa pelo mundo.

Sem força pra me matar.

Minha filha é também Gilda,

Pro costume não perder

É casada com o espelho

E amigada com o José.

Qualquer dia Gilda foge

Ou se mata em Paquetá

Com José ou sem José.

Já comprei lenço de renda

Pra chorar com mais apuro

E aos jornais telefonei.

Se Gilda enfim não morrer,

Se Gilda tiver uma filha

Não põe o nome de Gilda,

Na menina, que não deixo.

Quem ganha o nome de Gilda

Vira Gilda sem querer.

Não ponha o nome de Gilda

No corpo de uma mulher.

 


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

A Angústia do Silêncio

 





Rodolfo Pamplona Filho




O silêncio é terrível

pois significa tudo

e, ao mesmo tempo, nada,

como uma esfinge a decifrar...


Quero te ver várias vezes

e aproveitar toda oportunidade

em que isso possa ocorrer,

ainda que seja raro...


pois raro é o sentimento

que une duas almas gêmeas,

que nada tem a ver uma com a outra,

mas são iguais no coração.


A vida está em nosso desejo,

que não é necessariamente físico,

mas que estará sempre conosco

onde quer que estejamos.


Eu me contentarei somente

com a lembrança de um beijo,

como prova de que não quero só a casca,

embora ela também seja adorável.


“Posso te ver agora?”

é a pergunta mais feita

nos tempos de segredo

e nos momentos de aperto


A angústia da espera

torna o tempo por inteiro:

segundos parecem dias,

minutos são um desespero...


e toda essa ânsia

e toda esperança

sempre será um queimor

para alimentar tamanho amor


Salvador, 3 de outubro de 2010.

domingo, 10 de dezembro de 2023

O utopista




Murilo Mendes


Ele acredita que o chão é duro

Que todos os homens estão presos

Que há limites para a poesia

Que não há sorrisos nas crianças

Nem amor nas mulheres

Que só de pão vive o homem

Que não há um outro mundo.



sábado, 9 de dezembro de 2023

Diálogo de um Amor Platônico

 





Rodolfo Pamplona Filho


Amada...


Desde que você apareceu,

meu mundo mudou

e hoje é fácil enxergar

como eu sou...


A riqueza do nosso beijo

vai além do desejo compreensível e quente

já que, mesmo aparente,

ele não é suficiente...


Não quero pressa

...nem medo e receio

não quero um desvario,

nem loucuras de adolescente


Eu quero que você me veja com sono,

cochilando em seus braços,

e sentir me levar para cama

e me cobrir de abraços


Amada...

renuncie ao que te ensinaram

como um único caminho

e ouça o que tenho a dizer...


Vivamos um amor único

herde o tempo de forma eterna

construa comigo fantasias etéreas

apenas com belezas e suspiros


Não me importo com sexo...

Não quero te pressionar a nada...

Quero apenas a certeza

de que você é meu porto seguro...


Cale-me com seu beijo,

sinta meu cheiro e pense no desejo,

olhe fundo nos meu olhos

e me deite em seu colo


Amado...


Encontrar você foi um presente

que a vida reservou de forma surpreendente

para trazer luz ao que estava apagado,

para trazer poesia ao que estava fechado


Um beijo é somente um marco

do início de uma história,

que não precisa ser um parto

de uma apressada vitória.


Eu também não quero pressa,

não quero quebrar o que é mágico...

Prefiro a delicadeza da promessa

do que forçar algo e ser trágico.


Quero ter sono ao seu lado

e, simplesmente, dormir,

para ter a beleza do cuidado

e não deixar o outro partir...


Amado...

Renuncio a tudo que aprendi

e não quero qualquer contato,

se isso importar em nos cindir.


Viverei, sim, este amor único,

sem necessidade de carnalizar,

herdando este tempo lúdico

de fantasiar e somente suspirar...


Também não me importo com sexo

e não me frustrarei em viver assim,

pois ser o seu porto é o meu nexo

de viver em um ritmo afim...


Prefiro sentir seu cheiro e ouvir sua voz

a calá-lo somente com um beijo.

Prefiro nunca mais viver só,

pois meu colo é seu travesseiro.


Salvador, 3 de outubro de 2010.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A mãe do primeiro filho

 




Murilo Mendes


 

Carmem fica matutando

no seu corpo já passado.



— Até à volta, meu seio

De mil novecentos e doze.

Adeus, minha perna linda

De mil novecentos e quinze.

Quando eu estava no colégio

Meu corpo era bem diferente.

Quando acabei o namoro

Meu corpo era bem diferente.

Quando um dia me casei

Meu corpo era bem diferente.

Nunca mais eu hei de ver

Meus quadris do ano passado...



A tarde já madurou

E Carmem fica pensando.

 


quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

É melhor não irmos além disso

 





Rodolfo Pamplona Filho


É melhor não irmos além disso,

antes que não seja possível

manter nossa sanidade mental.


É melhor não irmos além disso,

antes que os que nos amam

machuquem-se mais do que o normal.


É melhor não irmos além disso,

antes que alguém reaja

com violência animal.


É melhor não irmos além disso,

antes que nosso sofrimento

seja maior que o habitual.


É melhor não irmos além disso,

antes que um lindo romance

vire atração fatal.


É melhor não irmos além disso,

antes que nosso amor casto

torne-se meramente carnal.


É melhor não irmos além disso,

antes que o gosto doce da sua boca

vire amargo fel e sal.


É melhor não irmos além disso,

antes que o que só nos faz bem,

de repente, nos faça só mal...


É melhor não irmos além disso,

pois continuarei te amando sempre,

independentemente de qualquer final.


É melhor não irmos além disso...

É melhor não irmos além disso...


Salvador, 04 de outubro de 2010.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O filho do século

 




Murilo Mendes



Nunca mais andarei de bicicleta

Nem conversarei no portão

Com meninas de cabelos cacheados

Adeus valsa "Danúbio Azul"

Adeus tardes preguiçosas

Adeus cheiros do mundo sambas

Adeus puro amor

Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem

Não tenho forças para gritar um grande grito

Cairei no chão do século vinte

Aguardem-me lá fora

As multidões famintas justiceiras

Sujeitos com gases venenosos

É a hora das barricadas

É a hora da fuzilamento, da raiva maior

Os vivos pedem vingança

Os mortos minerais vegetais pedem vingança

É a hora do protesto geral

É a hora dos vôos destruidores

É a hora das barricadas, dos fuzilamentos

Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,

Misérias de todos os países uni-vos

Fogem a galope os anjos-aviões

Carregando o cálice da esperança

Tempo espaço firmes porque me abandonastes.


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Do Riso ao Pranto


Rodolfo Pamplona Filho


Do riso ao pranto,

procuro o meu canto,

onde possa viver,

onde possa chorar,

onde possa ser eu mesmo...

buscando algum lugar aonde eu possa fugir, me sentindo em casa..

buscando algum lugar onde eu possa estar em casa, fugindo do mundo...


Salvador, 05 de outubro de 2010.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Cantiga de Malazarte




Murilo Mendes


Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,

ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.

Não desprezo nada que tenha visto,

todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.

Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,

destelho as casas penduradas na terra,

tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.

Desloco as consciências,

a rua estala com os meus passos,

e ando nos quatro cantos da vida.

Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,

não posso amar ninguém porque sou o amor,

tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos

e a pedir desculpas ao mendigo.

Sou o espírito que assiste à Criação

e que bole em todas as almas que encontra.

Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.

Nada me fixa nos caminhos do mundo.



domingo, 3 de dezembro de 2023

(Re)Início



Rodolfo Pamplona Filho


Jamais vou deixar de te sonhar

(im)perfeito quando eu bem quiser

E essa inocência no olhar

Conquistei ao perder o medo em acreditar...


Que tudo se pode

Que tudo se deve

Quando o pensamento comove

E a alma agradece


Talvez não penses em mim assim

Talvez penses como todos os outros,

que, com gestos tolos,

sucumbiram em meus desgostos


Prefiro não acreditar

e que, ao acordar,

eu possa vislumbrar

um sorriso em meu olhar


de prazer,

de temer

que essa magia não se vá

pois eu a quero perpetuar.


Salvador, 10 de setembro de 2010.

sábado, 2 de dezembro de 2023

Modinha do empregado de banco



Murilo Mendes



Eu sou triste como um prático de farmácia,

sou quase tão triste como um homem que usa costeletas.

Passo o dia inteiro pensando nuns carinhos de mulher

mas só ouço o tectec das máquinas de escrever.


Lá fora chove e a estátua de Floriano fica linda.

Quantas meninas pela vida afora!

E eu alinhando no papel as fortunas dos outros.

Se eu tivesse estes contos punha a andar

a roda da imaginação nos caminhos do mundo.

E os fregueses do Banco

que não fazem nada com estes contos!

Chocam outros contos para não fazerem nada com eles.


Também se o diretor tivesse a minha imaginação

o Banco já não existiria mais

e eu estaria noutro lugar.


sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Sempre estarei aqui...

 


Rodolfo Pamplona Filho


Sempre estarei aqui...

mesmo que nosso futuro seja incerto,

talvez sem ver a chuva cair

ou sem lugar para dormir


Sempre estarei aqui...

mesmo quando tivermos que fugir

e esperar que a vida

possa novamente nos reunir


Sempre estarei aqui...

mesmo que os olhos nunca mais se cruzem

que nossos lábios não se juntem

e que a vida trate de cumprir

o inevitável momento do partir.


Sempre estarei aqui...

mesmo que não receba o seu OK

mesmo que o mundo mude sua lei

mesmo que o destino nos afaste de uma vez...


Sempre estarei aqui...

mesmo quando não haja pôr-do-sol

mesmo quando não vejamos o amanhecer

mesmo quando o mundo me tomar você...


Sempre estarei aqui...

ainda que tudo conspire

para que a gente se separe,

meu amor não quer que acabe...


Sempre estarei aqui...

em toda e qualquer ocasião,

em que possa ter a sua atenção

para me entregar na mais louca sensação...


Sempre estarei aqui...

mesmo que você deixe de me amar...

mesmo que você nunca mais queira me ver...

eu nunca descumprirei a promessa

de viver eternamente para seu prazer.


Salvador, 10 de outubro de 2010.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Pré-história




Murilo Mendes



Mamãe vestida de rendas

Tocava piano no caos.

Uma noite abriu as asas

Cansada de tanto som,

Equilibrou-se no azul,

De tonta não mais olhou

Para mim, para ninguém!

Cai no álbum de retratos.

 


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Sozinho na Multidão




Rodolfo Pamplona Filho


A pior solidão é

ficar sozinho na multidão,

esperando em pé

um pouco de atenção

de quem compartilha a fé

ou a promessa do coração.


Não sei se é trágico

ou simplesmente irônico,

mas é quase mágico,

diria icônico,

quando sua presença é reclamada,

mas, na verdade, ignorada...


Um dia, eu gritarei

e ouça quem quiser.

Direi tudo que sei

sobre a tristeza que vier:

não há dor maior ou lama

que ser ignorado por quem se ama.


Salvador, 06 de outubro de 2010.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Canção do Exílio

 



Murilo Mendes


Minha terra tem macieiras da Califórnia

onde cantam gaturamos de Veneza.

Os poetas da minha terra

são pretos que vivem em torres de ametista,

os sargentos do exército são monistas, cubistas,

os filósofos são polacos vendendo a prestações.

A gente não pode dormir

com os oradores e os pernilongos.

Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.

Eu morro sufocado

em terra estrangeira.

Nossas flores são mais bonitas

nossas frutas mais gostosas

mas custam cem mil réis a dúzia.

 

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade

e ouvir um sabiá com certidão de idade!



In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Nudez



Rodolfo Pamplona Filho


Sabe o que descobri?

Você é o único que

consegue me enxergar...

O amor verdadeiro remove as

membranas que fecham os olhos

e apenas você...

consegue me ver nua...

e que nada mais pode me quebrar...


E me viu nua...

sem tirar uma peça sequer de roupa...

E me viu nua...

sem expor parte alguma de meu corpo...

E me viu nua...

no dia em que olhou em meus olhos...

e viu além de qualquer casca...

E me viu nua...

no dia em que conheceu minha alma

e soube exatamente quem eu era...

e permiti tão íntima ligação

por não carecer de resistência...

por não precisar mais me esconder...

por acreditar em nós...


E eu descubro em você

o que pensei

somente existir em sonhos...

mas sonhos somente são possíveis

se estamos vivos...

sonhos somente existem

se há vida e desejo...

sonhos somente se realizam

na nudez da alma...


São Paulo, 07 de outubro de 2010.

domingo, 26 de novembro de 2023

4o. Motivo da rosa

 



Cecília Meireles



Não te aflijas com a pétala que voa:

também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,

mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos

ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,

por desfolhar-me é que não tenho fim.

sábado, 25 de novembro de 2023

Medo dos Homens Justos

 




Rodolfo Pamplona Filho


O melhor mármore não faz

a mais bela estátua,

se for lapidado

por um escultor medíocre.


As melhores intenções

não se tornam boas obras,

se feitas sem provas,

mas só com convicções.


Quem ponderará

contra a truculência palpável

dos que se acham justos?


Quem nos salvará

do fascismo inevitável

dos homens bons?



12 de outubro de 2016, no voo para São Paulo.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

 



Cecília Meireles



No desequilíbrio dos mares,

as proas giram sozinhas...

Numa das naves que afundaram

é que certamente tu vinhas.


Eu te esperei todos os séculos

sem desespero e sem desgosto,

e morri de infinitas mortes

guardando sempre o mesmo rosto


Quando as ondas te carregaram

meu olhos, entre águas e areias,

cegaram como os das estátuas,

a tudo quanto existe alheias.


Minhas mãos pararam sobre o ar

e endureceram junto ao vento,

e perderam a cor que tinham

e a lembrança do movimento.


E o sorriso que eu te levava

desprendeu-se e caiu de mim:

e só talvez ele ainda viva

dentro destas águas sem fim.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Bênçãos e Maldições

 


 Rodolfo Pamplona Filho


Nem tudo permanece...

Na verdade, tudo muda

nem sempre para melhor!

Assim, o que é criado para libertar 

pode ser usado para escravizar.

Quando se esquece 

o sentido de cada ato,

todo importante ritual

apenas massifica 

o que devia ser individual...

Quando não se particulariza,

todos se tornam 

rostos sem nome 

e sem história,

invisibilizando 

em vez de simplesmente ver,

compactua-se

com a coadjuvância,

em vez de tornar protagonista...

Com isso, impessoaliza-se,

reiifica-se, coisifica-se,

mas nunca se envolve.

Sem saber, 

ver ou tocar,

o toque

não há como

não se degenerar...

pois até Bençãos 

podem se transformar

em Maldições


Salvador, 13 de maio de 2018.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Murmúrio

 



Cecília Meireles



Traze-me um pouco das sombras serenas

que as nuvens transportam por cima do dia!

Um pouco de sombra, apenas,

- vê que nem te peço alegria.



Traze-me um pouco da alvura dos luares

que a noite sustenta no teu coração!

A alvura, apenas, dos ares:

- vê que nem te peço ilusão.



Traze-me um pouco da tua lembrança,

aroma perdido, saudade da flor!

- Vê que nem te digo - esperança!

- Vê que nem sequer sonho - amor!

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Afinidade

 


 

Rodolfo Pamplona Filho


Afinidade é uma palavra que define

o sentimento de proximidade

entre quem nem sequer se conhece direito,

mas tem a sensação de que, no peito,

já acolheu quem recebeu,

abraçou quem se perdeu

e revelou seu verdadeiro eu.


 


Salvador, 22 de outubro de 2023, papeando com Chico Gomes

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Sou Negro

 



Solano Trindade



Sou negro

meus avós foram queimados

pelo sol da África

minh`alma recebeu o batismo dos tambores

atabaques, gongôs e agogôs


Contaram-me que meus avós

vieram de Loanda

como mercadoria de baixo preço

plantaram cana pro senhor de engenho novo

e fundaram o primeiro Maracatu

Depois meu avô brigou como um danado

nas terras de Zumbi

Era valente como quê

Na capoeira ou na faca

escreveu não leu

o pau comeu

Não foi um pai João

humilde e manso


Mesmo vovó

não foi de brincadeira

Na guerra dos Malês

ela se destacou

Na minh`alma ficou

o samba

o batuque

o bamboleio

e o desejo de libertação

domingo, 19 de novembro de 2023

Boas-Vindas




 Boas-Vindas


 de Rodolfo Pamplona Filho


 


Mi casa, Su Casa

Minha casa é sua casa

Este é um espaço

para sair do quadrado!

Deixe do lado de fora

tudo que é pesado

Levante a cabeça

Abra um sorriso

Esqueça o juízo

e seja feliz!


 Sente-se à mesa

Sirva-se de uma taça

Repita a sobremesa

Mostre a sua raça

Divida o prato com alguém


Pense adiante (e além!)

Brinde a vida com alegria

Não deixe para outro dia

Aqui é o lugar da felicidade

para ser quem se é de verdade

O momento é agora

e o caminho é para frente!

 


Salvador, hoje e sempre!

sábado, 18 de novembro de 2023

Retrato


 



Cecília Meireles


Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,

nem estes olhos tão vazios,

nem o lábio amargo.



Eu não tinha estas mãos sem força,

tão paradas e frias e mortas;

eu não tinha este coração

que nem se mostra.



Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa, tão fácil:

— Em que espelho ficou perdida

a minha face?

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Julgando…




Rodolfo Pamplona Filho 


Quem julga quem julga

não sabe julgar

a solidão de quem reflete

sobre o que compromete

o fato do passado,

o reflexo no presente

e a potencialidade para o futuro.


Se não houver razão, morreria de inanição,

Se não houver poesia, enlouqueceria

Se não houver tensão, não haveria tesão

Se não houver paz, seria caro demais…


Conhecer a vida

Compreender as razões

Determinar destinos

é tarefa que exige responsabilidade,

mas decidir de verdade

importa na consciência

de nunca saber a essência

do que ocorreu na realidade.


 


Salvador, 22 de outubro de 2023, papeando com Chico Gomes.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Balada das dez bailarinas do cassino

 



Cecília Meireles



 


Dez bailarinas deslizam

por um chão de espelho.

Têm corpos egípcios com placas douradas,

pálpebras azuis e dedos vermelhos.

Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,

e dobram amarelos joelhos.



Andam as dez bailarinas

sem voz, em redor das mesas.

Há mãos sobre facas, dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas.

Entre a música e a dança escorre

uma sedosa escada de vileza.



As dez bailarinas avançam

como gafanhotos perdidos.

Avançam, recuam, na sala compacta,

empurrando olhares e arranhando o ruído.

Tão nuas se sentem que já vão cobertas

de imaginários, chorosos vestidos.



A dez bailarinas escondem

nos cílios verdes as pupilas.

Em seus quadris fosforescentes,

passa uma faixa de morte tranqüila.

Como quem leva para a terra um filho morto,

levam seu próprio corpo, que baila e cintila.



Os homens gordos olham com um tédio enorme

as dez bailarinas tão frias.

Pobres serpentes sem luxúria,

que são crianças, durante o dia.

Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,

embalsamados de melancolia.



Vão perpassando como dez múmias,

as bailarinas fatigadas.

Ramo de nardos inclinando flores

azuis, brancas, verdes, douradas.

Dez mães chorariam, se vissem

as bailarinas de mãos dadas.

 


(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Primeiro Contato





Rodolfo Pamplona Filho


A primeira vez

O primeiro olhar

A primeira palavra

A primeira conversa

O primeiro encantamento

O primeiro dia

do resto de nossas vidas...




Gramado, 18 de outubro de 2012, descobrindo uma nova amizade.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados

 



Álvaro de Campos


 

Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados 

O esplendor do sentido nenhum da vida... 

Toquem num arraial a marcha fúnebre minha! 

Quero cessar sem conseqüências... 

Quero ir para a morte como para uma festa ao crepúsculo.


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

domingo, 12 de novembro de 2023

Depus a Máscara

 



Álvaro de Campos

 


 

 

    Depus a máscara e vi-me ao espelho. — 

    Era a criança de há quantos anos. 

    Não tinha mudado nada... 

    É essa a vantagem de saber tirar a máscara. 

    É-se sempre a criança, 

    O passado que foi 

    A criança. 

    Depus a máscara, e tornei a pô-la. 

    Assim é melhor, 

    Assim sem a máscara. 

    E volto à personalidade como a um términus de linha.