Todo afirmação peremptória,
que não admite a possibilidade
de eventualmente estar errada,
é manifestação de intolerância.
Ou simplesmente de burrice...
Abrantes, 27 de março de 2016.
Blog para ler e pensar... Um texto por dia... é a promessa... Ficarei muito feliz em ler e saber o que cada palavra despertou... Se você quiser compartilhar um texto, não hesite em mandar para rpf@rodolfopamplonafilho.com.br. Aqui, não compartilho apenas os meus textos, mas de poetas que eu já admiro e de todas as pessoas que queiram viajar comigo na poesia... Se quiser conhecer somente a minha poesia, acesse o blog rpf-poesia.blogspot.com.br. Espero que goste... Ficarei feliz com isso...
Todo afirmação peremptória,
que não admite a possibilidade
de eventualmente estar errada,
é manifestação de intolerância.
Ou simplesmente de burrice...
Abrantes, 27 de março de 2016.
Fernando Pessoa
LONGE DEMIM em mim existo
À parte de quem sou,
A sombra e o movimento em que consisto.
Há coisas pequenas que estragam
meu dia, meu humor, minha paz
Se soam como cães ladrando,
atingem-me como facada nas costas,
pois chegam quando menos se espera
e se originam de onde sequer
poderia eu imaginar...
Se a memória é um dom,
pode ser também uma maldição,
se gera o vício
na dependência difícil
do gosto do fel...
Quando começo a remoer,
preciso de algum tempo para assentar
e conseguir superar
a frustração
a decepção
a desilusão
e tudo mais que rima com ão...
pois condenado estou
a não ter mais salvação...
Salvador, 19 de dezembro de 2015, profundamente chateado com a pequenez de quem julga e condena sem responsabilidade...
Alberto Caeiro
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.
Fui detido
- não acredito! –
Em um Campo de Concentração,
Digo, um Centro de Detenção
Fui detido
Sem crime cometer
Sem matar, nem roubar
Ou a ninguém prejudicar
Fui detido
Sem direito de defesa
Como se estar sem documento
Fosse um bilhete direto para o inferno
Fui detido
Pelo crime de ter esperança
De buscar um novo horizonte
Para mim e minha família
Fui detido
Pelo pecado de sonhar
Por uma nova vida enfrentar
Com disposição para trabalhar
Diretiva
Diretriz
Direção
Que eu não quis...
Retorno
Resolvo
Revolto
Expulsão...
Ilegais são atos, não pessoas.
Indignos são preconceitos escondidos
Em um revival de tempos idos
Em que se separava as pessoas pela origem
Fui detido
- é certo! –
Não pelo que fiz ou faria
Mas pelo crime de SER HUMANO
Ciudad Real, 28 de setembro de 2009
Álvaro de Campos
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores ...
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.
Se, de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos,
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores.
Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
A força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.
Achar natural
que outros esperem,
ainda que alguns segundos,
fazer algo que
só interessa a você
é o cúmulo da cara-de-pau
com a falta de noção...
E o pior de tudo
é quando se pede
que tenham consciência
para respeitar
o que só lhe interessa,
seja o embarque
(ou desembarque)
de alguém
ou mesmo
que algo ocorra
como se fosse
a mais importante
de todo o universo.
Como não se irritar
com as desculpas
ou justificativas
para seu atraso?
Ver rostos contritos,
olhos de gato de botas
ou um ar indignado
de quem foi vítima,
e não a causa
do irritante atraso
que prejudica todo mundo,
até mesmo a si...
E quem ousa reclamar,
deixando o silêncio conveniente,
para ser descrito
como um sujeito paranóico,
estressado ou simplesmente chato,
que fica inventando caso
ou querendo aparecer...
Pontualidade é respeito
ao tempo alheio!
E ponto!
Atenas, 29 de setembro de 2012.