sábado, 15 de fevereiro de 2020

O mau samaritano

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Murilo Mendes




 Quantas vezes tenho passado perto de um doente,
Perto de um louco, de um triste, de um miserável,
Sem lhes dar uma palavra de consolo.
Eu bem sei que minha vida é ligada à dos outros,
Que outros precisam de mim que preciso de Deus
Quantas criaturas terão esperado de mim
Apenas um olhar – que eu recusei.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Ocipodídeos


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Rodolfo Pamplona Filho

Grauçá
Guaiamu
Caranguejo
Siri
Ocypode quadrata
papa-defunto
maria-farinha
caranguejo-fantasma
espia-maré
vaza-maré
aguarauçá
guaruçá
grauça
guriçá
Sempre perigoso
Mas sempre uma delicia!

Morro de São Paulo, 31 de dezembro de 2019.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Dos milagres

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Mário Quintana



O milagre não é dar vida ao corpo extinto,


Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...


Nem mudar água pura em vinho tinto...


Milagre é acreditarem nisso tudo!

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O Vazamento da Libido


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Rodolfo Pamplona Filho


Libido vaza
Escapa
Acaba
como água do bebedouro,
gás do ar condicionado
ou combustível de um motor.

Libido não volta
por vontade,
aposta
ou autoridade,
mas, sim, com o renovar
dos motivos que a fizeram nascer
e o fim do que a fez cessar...

Salvador, 08 de janeiro de 2020.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Caranguejola


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Mário de Sá Carneiro




Ah, que me metam entre cobertores,

E não me façam mais nada!...

Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,

Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!



Lã vermelha, leito fofo.  Tudo bem calafetado...

Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira ...

Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado

Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.



Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.

Pra quê?  Até se mos dessem não saberia brincar...

Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?

Não fui feito pra festas.  Larguem-me!  Deixem-me sossegar!...



Noite sempre plo meu quarto.  As cortinas corridas,

E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor!...

Sim:  ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor—

Plo menos era o sossego completo...  História!  Era a melhor das vidas...



Se me doem os pés e não sei andar direito,

Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?

Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde

Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...



De que me vale sair, se me constipo logo?

E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...

Deixa-te de ilusões, Mário!  Bom edrédon, bom fogo —

E não penses no resto.  É já bastante, com franqueza....



Desistamos.  A nenhuma parte a minha ânsia me levará.

Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?

Tenham dó de mim. Co’a breca!  levem-me prà enfermaria!—

Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.

Justo.  Um quarto de hospital, higiénico, todo branco, moderno e tranqüilo;

Em Paris, é preferível, por causa da legenda...

De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;

E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...



Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,

Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.

Agora, no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...

Nada a fazer, minha rica.  O menino dorme.  Tudo o mais acabou.










segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

O momento



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Rodolfo Pamplona Filho


O Momento em que os pais descobrem em que os filhos mentem para si
O Momento em que se toma
consciência da finitude
O momento em que os sonhos
se desfazem como açúcar
O momento da perda
definitiva da inocência
O momento em que se descobre
o que significa estar vivo

Salvador, 18 de dezembro de 2019, assistindo “Stranger Things”.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

O menino doente


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Manuel Bandeira


O menino dorme.


Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
— "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."


Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
— "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . . "


E o menino dorme.