sábado, 12 de novembro de 2022

As coisas, de Jorge Luis Borges

 





A bengala, as moedas, o chaveiro,

A dócil fechadura, as tardias

Notas que não lerão os poucos dias

Que me restam, os naipes e o tabuleiro.

Um livro e em suas páginas  a desvanecida

Violeta, monumento de uma tarde

Sem dúvida inesquecível e já esquecida,

O rubro espelho ocidental em que arde

Uma ilusória aurora. Quantas coisas,

Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,

Nos servem como tácitos escravos,

Cegas e estranhamente sigilosas!

Durarão para além de nosso esquecimento;

Nunca saberão que  partimos em um momento.


Jorge Luis Borges  (Obras Completas Volume II-página  394)

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

A louca

 



Augusto dos Anjos


A Dias Paredes


Quando ela passa: - a veste desgrenhada,

O cabelo revolto em desalinho,

No seu olhar feroz eu adivinho

O mistério da dor que a traz penada.


Moça, tão moça e já desventurada;

Da desdita ferida pelo espinho,

Vai morta em vida assim pelo caminho,

No sudário de mágoa sepultada.


Eu sei a sua história. - Em seu passado

Houve um drama d’amor misterioso

- O segredo d’um peito torturado -


E hoje, para guardar a mágoa oculta,

Canta, soluça - coração saudoso,

Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

Fundamentalismo

 



Rodolfo Pamplona Filho


É preciso ter clareza


de qual é a sua bandeira


e o perfil do mundo


que se quer.


Quem adota uma causa


como missão de vida


passa tanto tempo,


discutindo a si mesmo


e suas mazelas,


que passa a enxergar


problemas e defeitos


em tudo que não se enquadre


em seu critério de seleção.


Seja com religião,


ideologia, política


torcida esportiva


ou qualquer outro campo


de interesse humano,


o fundamentalismo surge


quando seu filtro


é o único critério


de fé e de prática


e somente são salvos


os que você assim considerar...


E, mesmo que aparentemente,


usando os mesmos baremas,


haja um resultado diferente,


o erro estará no outro,


nunca em seu próprio olhar...




Quarta-feira, 17 de agosto de 2016,  literalmente no voo para Vitoria/ES.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Igualdade

 



Rodolfo Pamplona Filho




A Igualdade é a utopia mais utópica, 

verdadeiramente irrealizável...

A Igualdade é horizonte: não se alcança!

A igualdade é matematicamente inviável

A Igualdade é ideológica manipulação 

Ou loucura...Ou simples ilusão...

A Igualdade é uma mentira deslavada

de quem não consegue mudar nada...

Com o discurso da igualdade, 

ganha-se o entusiasmo e o coração, 

mesmo somente ficando no palavrório...

Com o discurso da igualdade, 

prega-se uma mensagem do paraíso,

enquanto se padece no purgatório...



Salvador, 19 de dezembro de 2015, frustrado com a vida, às vésperas do Natal.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Amar, nunca me coube




Mas sempre transbordou

O rio de lembranças

Que um dia me afogou


E nesta correnteza

Fiquei a navegar

Embora, com certeza,

Não possa me salvar


Amar nunca me trouxe

Completo esquecimento

Mas antes me somou

Ao antigo tormento


E assim, cada vez mais,

Me prendo neste nó

E cada grito meu

Parece ser maior


(Mario Quintana)

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Enganos

 





Rodolfo Pamplona Filho


Ele queria ser seu Porto Seguro

mas ela era onda a vagar

Ele queria ser a âncora

para um barco em águas profundas,

mas ela era sereia e queria nadar

Não era falta de amor,

nem falta de calor…

Era desencontro, desengano

no encontro e no engano

de quem não sabia

como se entregar

 

Salvador, 16 de outubro de 2022.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Amor





Amemos! Quero de amor

Viver no teu coração!

Sofrer e amar essa dor

Que desmaia de paixão!

Na tu'alma, em teus encantos

E na tua palidez

E nos teus ardentes prantos

Suspirar de languidez!

Quero em teus lábio beber

Os teus amores do céu,

Quero em teu seio morrer

No enlevo do seio teu!

Quero viver d'esperança,

Quero tremer e sentir!

Na tua cheirosa trança

Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,

Minha'alma, meu coração!

Que noite, que noite bela!

Como é doce a viração!

E entre os suspiros do vento

Da noite ao mole frescor,

Quero viver um momento,

Morrer contigo de amor!


(Álvares de Azevedo)

domingo, 6 de novembro de 2022

Valoração da Prova

 




Rodolfo Pamplona Filho


O que se prova com a prova?

Prova-se que é possível provar

o que se acha provado!

Mas quem precisa provar

tem de saber

que, para o destinatário da prova,

nada ainda está provado,

pois, se não, o provar seria inútil

ou uma pantomima para o público,

que ficaria na torcida,

apenas para o que se diz que é prova

seja reconhecido da mesma forma

por quem não partilha da sua visão.

No final das contas,

é no conflito

entre o descritivo e o prescritivo,

com a influência de vieses cognitivos,

que reside

a solução

para a mais adequada valoração

 

Salvador, 25 de setembro de 2022.