sábado, 30 de dezembro de 2023

Silêncio!...

 



Florbela Espanca




No fadário que é meu, neste penar,

Noite alta, noite escura, noite morta,

Sou o vento que geme e quer entrar,

Sou o vento que vai bater-te à porta...



Vivo longe de ti, mas que me importa?

Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear

Em roda à tua casa, a procurar

Beber-te a voz, apaixonada, absorta!



Estou junto de ti, e não me vês...

Quantas vezes no livro que tu lês

Meu olhar se pousou e se perdeu!



Trago-te como um filho nos meus braços!

E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...

Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...



sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Conhecendo Pamplona

 



Rodolfo Pamplona Filho



Conhecer Pamplona

foi uma sensação indescritível

Senti-me voltando ao berço,

para conhecer o começo

de tudo que sou

ou que, um dia, quis ser...

Vim tomar a benção

para conseguir tomar a decisão

e, mais do que isso, implementá-la,

sabendo, finalmente, o que vou fazer

com o resto da minha vida...

Quero apenas viver...


Pamplona, 03 de outubro de 2012.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Ser poeta

 



Florbela Espanca



Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!



É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!



É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

é condensar o mundo num só grito!



E é amar-te, assim, perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!



quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

A Perda da Inocência II

 





Rodolfo Pamplona Filho




Hoje, eu matei uma criança...

atirei, à queima-roupa, sem dó, nem piedade

no seu corpo de inocência, uma bala de realidade

no seu coração de pureza, uma facada da verdade


Dos seus sonhos, fiz escárnio

Dos seus planos, fiz ridículo

E rasguei sua esperança como papel de embrulho


Arranquei os seus olhos

Cortei sua garganta

E calei sua voz como uma vela que se apaga


Uma mente violentada

Um desejo reprimido

Um brinquedo destruído,

essa criança não existe?


Não é fênix, pois não renasce das cinzas

Não é Deus, pois não acreditam nela

Não é Mito, pois, de algum modo existiu.


Essa criança...

Essa criança...

Essa criança sou eu!


(20.01.92)


terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Árvores do Alentejo

 



Florbela Espanca


Horas mortas... curvadas aos pés do Monte

A planície é um brasido... e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte!



E quando, manhã alta, o sol postonte

A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,

Esfíngicas, recortam desgrenhadas

Os trágicos perfis no horizonte!



Árvores! Corações, almas que choram,

Almas iguais à minha, almas que imploram

Em vão remédio para tanta mágoa!



Árvores! Não choreis! Olhai e vede:

-Também ando a gritar, morta de sede,

Pedindo a Deus a minha gota de água!



segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Prece de um Coração Solitário

 



Rodolfo Pamplona Filho





Oh, Deus, Destinatário

do meu louvor,

guarda o meu amor,

que está longe do meu olhar,

mas dentro do meu coração.


Oh, Deus, Senhor

de todo sentimento,

faça que, neste momento,

de saudade infinita,

eu sinta a sua presença

acalentando esta ausência

que gera tanta angústia...


Oh, Deus, Soberano

de toda a vida,

protege o meu amado

por onde quer que esteja

e traga-o de volta em dois passos

para descansar em meu colo

e se entregar aos meus braços.


Amém!


San Francisco, 30 de setembro de 2010.

domingo, 24 de dezembro de 2023

Vaidade

 




Florbela Espanca


                                           A um grande poeta de Portugal

 


Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,

Que reúne num verso a imensidade !


Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo ! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade !

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !


Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a Terra anda curvada !



E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,

Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...



Livro de mágoas (1919)