sábado, 1 de abril de 2023

Soletrando no escuro a tua voz

 



 Jaci Bezerra 


O amor, por vezes, causa dano

enquanto a noite acesa passa

deixando atrás o desengano

brisa que dorme e que se esgarça

ainda assim, dentro do inverno,

sempre abrasado amor eterno.


Na noite longa, quando passas,

é luminoso todo o inverno

e o coração que não se esgarça

mais do que luminoso, é terno.


Ramo de luz, meu desengano

foi te causar um dia dano.


 É meu o luminoso inverno

e o passageiro desengano.


O teu rosto, dourado e terno,

acima paira desse dano,

pois tua mão serena esgarça

minha ternura quando passas.



 Ao escutar meu desengano

deixas à margem, quando passas,

o lodo e o limo desse dano

que o vendaval do tempo esgarça

e traz, lavado pelo inverno,

um rastro de ternura eterno.


A tua voz doída esgarça

palavras no abrasado inverno,

doendo, inteira, quando passas

escondendo os teus olhos ternos.



Dói, meu amor, o desengano

que mágoa te causou, e dano.


Sinto que é longo e que é eterno

meu sofrimento quando passas

na correnteza desse inverno

que o vendaval do tempo esgarça,

por isso dói meu desengano

quando te causo mágoa e dano.


 


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sexta-feira, 31 de março de 2023

Minha Parede

 



Rodolfo Pamplona Filho


Uma parede

pode ser

divisão

para garantir

separação

ou, então,

ser sustentação

para um abrigo

ou proteção.

 

Uma parede

pode ser

um paredão,

o local

onde se aniquila

a vida

ou ser o final

de um beco

sem saída

 

Minha parede,

porém,

é muito além:

a perfeita

tradução

metafórica

de meus dilemas,

um painel coberto,

paulatinamente,

pelos meus poemas.

 

Salvador, 01 de fevereiro de 2023.


quinta-feira, 30 de março de 2023

Para te ver é longa toda espera

 



Jaci Bezerra 


Há uma serra no teu peito

feita de sonho e de distância.

É nessa serra que me deito

com tua luminosa infância.



Ao te esfolhar, na tarde branca,

me extravio nas tuas ancas.



Habitando a paisagem branca

na curva dessa serra deito.



Assim, montando as tuas ancas,

cavalgo os sonhos do teu peito.



Depois, retido na distância,

na cama acendo a tua infância.



Nos veludos da tua infância

qualquer montanha é pura e branca,

claro verão que, na distância,

cintila sobre tuas ancas.



É minha a serra do teu peito

quando à sombra do teu corpo deito.



Sobre os lençóis, quando me deito,

meu coração é a tua infância.



Eu, pelas serras do teu peito,

sou um menino na distância,

cavalgando, na tarde branca,

os girassóis das tuas ancas.



Nos extremos das tuas ancas

cavalgo as serras do teu peito.



O teu corpo, na tarde branca,

é o meu lençol quando me deito.



Uma criança, na distância,

sou a serra da tua infância.



Quero galgar serra e distância

nas tuas mãos de nuvens brancas,

do mesmo modo quero a infância

e os girassóis das tuas ancas.



A mim me basta, se me deito,

morrer nas serras do teu peito.



quarta-feira, 29 de março de 2023

Alegria em Doses Homeopáticas


 


Rodolfo Pamplona Filho



É difícil sorrir

com receio de consequências

É difícil fluir

com medo das intermitências

É difícil respirar

com receio das armadilhas

É difícil se entregar

com certeza da desconfiança

É difícil amar

tendo perdido a esperança

É difícil sobreviver

com dificuldades burocráticas

É difícil viver

a alegria em doses homeopáticas

 

Praia do Forte, 31 de dezembro de 2022.


terça-feira, 28 de março de 2023

E não pode esperar o coração

 



Jaci Bezerra 



Toda a lua e claridade

assim te quero, assim te vejo

e se te vejo o amor invade

meu corpo inteiro e o deixa aceso

e se te vejo o amor em mim

é um cheiro morno de jardim

A tua dor doendo em mim

 é um rio latejando aceso

sou um cantareiro no jardim

do sonho em que te quero e vejo

primaveras de claridade

na primavera que me invade



Toda nua és um rio aceso

de primavera e claridade

mas quero mais do que o que vejo

sentindo a angústia que me invade

esse amor que doendo em mim

arde em silêncio no jardim


Extinta a angústia que me invade

te sinto perto e junto a mim

mais do que amar a claridade

amo teu cheiro de jardim

por isso à noite durmo aceso

no dia em que te sinto e vejo.


Teu coração é um jardim

tremulando na claridade

mesmo quando doendo em mim

também é a angústia que me invade

porque no dia em que te vejo

teu corpo dorme em mim aceso


No fundo dos teus olhos vejo

longe da angústia que me invade

 como o amor doendo aceso

é uma trança de claridade

o coração dentro de mim

dorme abrasado em teu jardim.


 


segunda-feira, 27 de março de 2023

Empréstimo

 



Rodolfo Pamplona Filho


 

Vou te emprestar

meus olhos

para veres

a coisa linda que vejo

quando sorris.

 

Vou deixar contigo

a minha pele

para sentires

a doçura

do teu toque.

 

Vou esquecer em tuas mãos

o meu coração

para teres a certeza

de que ele pulsa

por ti.

 

Salvador, 22 de janeiro de 2023.



domingo, 26 de março de 2023

As folhas do crepúsculo

 



Janete Fonseca



Cai a primeira folha, 


A segunda também. 


Mais outra... e outras mais, 


Centenas delas caem 


Das árvores centenárias 


Apenas sopra o vento, 


No alaranjado crepúsculo 


 


E à tarde primaveril, 


Quando o olhar se embaça 


Ao sol da memória, 


Voltam todas, 


Molhando os caminhos 


Em longas cabeleiras 


Em galhos silentes, 


Pingando cores 


 




Também do coração, 


Onde brotam as ilusões, 


Uma por uma vai tombando, 


Descendo ladeiras 


Em fortes enxurradas 


Por esse mundo fora 


Como tombam as folhas das árvores


centenárias 


 




No mar azul da infância, 


Olhar suspiroso e 


Imaginação solta 


Voam...Mas às copas as folhas voltam, 


E elas ao coração não voltam jamais, 


Levadas pelas águas de março 




(PARÁFRASE DO POEMA DE RAIMUNDO CORREA  "AS POMBAS")