sábado, 24 de setembro de 2022

SONETO


Rubem Braga





E quando nós saímos era a Lua,

Era o vento caído e o mar sereno

Azul e cinza-azul anoitecendo

A tarde ruiva das amendoeiras.


E respiramos, livres das ardências

Do sol, que nos levara à sombra cauta

Tangidos pelo canto das cigarras

Dentro e fora de nós exasperadas.


Andamos em silêncio pela praia.

Nos corpos leves e lavados ia

O sentimento do prazer cumprido.


Se mágoa me ficou na despedida

Não fez mal que ficasse, nem doesse –

Era bem doce, perto das antigas.

(1947)

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Má Vontade


 Rodolfo Pamplona Filho




Má vontade é tudo de ruim!

É muito difícil lidar 

com quem se acha com razão 

e não dá espaço 

para fazer outra programação




Má vontade é uma droga!

Não há como conversar 

com quem não admite repensar 

a atitude tempestuosa

que somente tem o dom de perturbar 




Má vontade é uma praga!

Só dá mesmo para lamentar 

a empáfia de quem tem certeza 

de que todo erro é alheio

e todo mau resultado não é sua culpa.




Má vontade é uma merda, viu? 




Salvador, 05  de novembro de 2020 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

RETROSPECTO

Humberto de Campos




Vinte e seis anos, trinta amores: trinta

vezes a alma de sonhos fatigada.

e, ao fim de tudo, como ao fim de cada

amor, a alma de amor sempre faminta!

 

Ó mocidade que foges! brada

aos  meus ouvidos teu futuro, e pinta

aos meus olhos mortais, com toda a tinta,

os remorsos da vida dissipada!

 

Derramo os olhos por mim mesmo... 

E, nesta muda consulta ao coração cansado,

que é que vejo? que sinto?  que me resta?

 

Nada: ao fim do caminho percorrido,

o ódio de trinta vezes ter jurado

e o horror de trinta vezes ter mentido!

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O Ocaso


 Rodolfo Pamplona Filho


Dos dias

Do calor

Das vidas

Do amor

De nada

De tudo

Do nada

Do mundo






Bogotá, 05 de outubro de 2013, em conexão para o Brasil, olhando o entardecer...


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Lembrança

 Oswald Barroso





A lua te recordará

a branca noite

em que ela se despiu

e, vermelha,

se fez cúmplice

do nosso amor.


O mar te lembrará

nosso costume

de caminhar nas tardes

até o horizonte,

pois que o mar

também é cúmplice

dos namorados distantes.




E quando vires, amor,

num vão de céu

uma estrela,

tu não chorarás,

porque, então,

aprenderás o meu caminho.




Mas, quando o povo

andar triste pelos becos,

tu saberás do meu luto

e sentirás a dor

da dura separação.



Porém, se a multidão

ensaiar um canto,

tu saberás do meu riso

e nela me encontrarás.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Muzuá, Puçá e Caçuá


 Rodolfo Pamplona Filho




Muzuá é a armadilha,

que espera sua vítima 

ou decora uma casa;


Puçá é a rede 

que impede o siri 

de se desvencilhar;


Caçuá é o cesto

que transporta a cangalha 

no lombo de um jegue:


Muzuá, Puçá e Caçuá,

três formas de entrelaçar 

o que o destino proporcionar.




Salvador, 02  de novembro de 2020

domingo, 18 de setembro de 2022

Cinzas


Heitor Lima



A última brasa ardeu na cinza adusta:

Tudo passou, tudo se fez em poeira...

E na minha alma, que o abandono assusta,

Morre a luz da esperança derradeira.


O amor mais casto, a aspiração mais justa

Têm a desilusão para fronteira...

Um momento de sonho às vezes custa

O sacrifício da existência inteira!



Chama efêmera, o amor! Baldado surto,

A glória! Ah! coração mesquinho e raso...

Ah! pensamento presumido e curto...



E o amor, que arrasta, e a glória, que fascina,

— Tudo se perderá no mesmo ocaso

E se confundirá na mesma ruína.