terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Caranguejola


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Mário de Sá Carneiro




Ah, que me metam entre cobertores,

E não me façam mais nada!...

Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,

Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!



Lã vermelha, leito fofo.  Tudo bem calafetado...

Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira ...

Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado

Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.



Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.

Pra quê?  Até se mos dessem não saberia brincar...

Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?

Não fui feito pra festas.  Larguem-me!  Deixem-me sossegar!...



Noite sempre plo meu quarto.  As cortinas corridas,

E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor!...

Sim:  ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor—

Plo menos era o sossego completo...  História!  Era a melhor das vidas...



Se me doem os pés e não sei andar direito,

Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?

Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde

Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...



De que me vale sair, se me constipo logo?

E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...

Deixa-te de ilusões, Mário!  Bom edrédon, bom fogo —

E não penses no resto.  É já bastante, com franqueza....



Desistamos.  A nenhuma parte a minha ânsia me levará.

Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?

Tenham dó de mim. Co’a breca!  levem-me prà enfermaria!—

Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.

Justo.  Um quarto de hospital, higiénico, todo branco, moderno e tranqüilo;

Em Paris, é preferível, por causa da legenda...

De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;

E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...



Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,

Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.

Agora, no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...

Nada a fazer, minha rica.  O menino dorme.  Tudo o mais acabou.










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