quarta-feira, 25 de outubro de 2023

XXVIII - Li Hoje




 Alberto Caeiro

 


 

 

     Li hoje quase duas páginas

     Do livro dum poeta místico,

     E ri como quem tem chorado muito.

     Os poetas místicos são filósofos doentes, 

     E os filósofos são homens doidos.


     Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem 

     E dizem que as pedras têm alma

     E que os rios têm êxtases ao luar.


     Mas flores, se sentissem, não eram flores, 

     Eram gente;

     E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;

     E se os rios tivessem êxtases ao luar,

     Os rios seriam homens doentes.


     É preciso não saber o que são flores e pedras e rios 

     Para falar dos sentimentos deles.

     Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,

     É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.  

     Graças a Deus que as pedras são só pedras, 

     E que os rios não são senão rios,

     E que as flores são apenas flores.


     Por mim, escrevo a prosa dos meus versos 

     E fico contente,

     Porque sei que compreendo a Natureza por fora;

     E não a compreendo por dentro

     Porque a Natureza não tem dentro;

     Senão não era a Natureza.


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