sábado, 30 de junho de 2018

Dever Cumprido

Rodolfo Pamplona Filho

Como é boa
a sensação de alívio,
que vem naturalmente
quando a tarefa é cumprida,
o dever é entregue
ou o trabalho é terminado!

Ver-se devedor
de obrigações pendentes
incomoda mais do que
uma goteira na cabeça,
uma ferida que não fecha
ou uma pressão que não cessa.

Enfrentar o desafio
é encontrar coragem
em si mesmo, como a buscar
um tesouro escondido,
uma luz a ser acesa
ou um foco a ser direcionado.

Para alcançar o resultado,
não se deve depender da inspiração,
mas, sim, só da transpiração,
como o peixe vive na água,
o ser vivo precisa de ar
e o mundo carece de amar.




sexta-feira, 29 de junho de 2018

Adultos



Vladímir Maiakóvski

Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto,
com as mãos metidas nos bolsos rasgados,
vagava assombrado.
À noite
vestis os melhores trajes
e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim
Moscou me sufocava de abraços
com seus infinitos anéis de praças.
Nos corações, nos relógios
bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor!
Eu, que sou a Praça da Paixão,
surpreendo o pulsar selvagem
do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora,
abria-me ao sol e aos jatos de água.
Entrai com vossas paixões!
Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais — eu sei,
qualquer um o sabe —
O coração tem domicílio
no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração —
em todas as partes palpita.
Oh! Quantas são as primaveras
em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga
acumulada
torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável
não para o verso
de veras.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Verdades




Rodolfo Pamplona Filho

Quando estiver triste
e se sentindo só,
lembre que eu existo
só por você

Saber que você existe
é poder ter esperança
de viver um amor
e nunca mais ser triste.

Salvador, 20 de março de 2018.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Clarão do Amor



Sempre e sempre aprendiz eu serei,

Não olho o amor como morte latente

Nem semelhante à vida aparente,

Mas, bem vivo e cheio de calor intenso,

Em ti de labaredas todas efervescentes

Vistas no teu âmago, tais pedras preciosas,

Cheias de esplendor, brilho extenso e forte,

Clarão do amor surgido, fonte nascente,

Luz fulgurante da minha existência

Então, eu ouvi sem explicação o estrondo,

Do amor mais forte que tudo,

Nele os raios de meiguice coloridos

São um claro incomparável e belo

A emanar de teu interior calmo brotado,

Formato de rio de felicidades a encher

De arrojo minha alma em festa no barco

Navegante no teu leito a mim estendido

E de ti um presente inteiro e perfeito recebi

O teu amor puro e inigualável.



Hermes, - 09/06/2018.

terça-feira, 26 de junho de 2018

A Essência de Ser Professor

Rodolfo Pamplona Filho

O magistério é a parábola do semeador...
Nós não desperdiçamos sementes...
Nós apostamos que uma delas germinará...

O magistério é a consciência plena
de que se tem o futuro de alguém
em suas mãos e em seus ensinamentos...

O magistério é o sacerdócio verdadeiro
de se entregar a uma missão, com alma de criança,
mesmo quando os outros não têm sequer esperança...

E se, ao menos, um aluno,
um único aluno simplesmente,
sentir-se desta forma,
já terá valido a pena todo sacrifício..



segunda-feira, 25 de junho de 2018

Amar e ser amado



Castro Alves

Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento:
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano —,
Beijar teus dedos em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante — amado —
Como um anjo feliz… que pensamento!

domingo, 24 de junho de 2018

Dependência da Melancolia



Rodolfo Pamplona Filho


Como poeta,
sou dependente
da minha melancolia.
Vivo buscando
constantemente
um motivo para a alegria.
Mas é na tristeza
que minha natureza
consegue se desenvolver:
é com a lágrima
e com a palavra
que amenizo meu sofrer.

Salvador, 16 de junho de 2018.

sábado, 23 de junho de 2018

Soneto LXVI


Pablo Neruda

Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Quero-te apenas porque a ti eu quero,
a ti odeio sem fim e, odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego.

Consumirá talvez a luz de Janeiro,
o seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história apenas eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Constatação



Rodolfo Pamplona Filho


Nativos de uma juventude
da qual somos migrantes,
dirigimo-nos juntos rumo
à inevitável decadência
em que se luta a cada dia
por uma fugaz sobrevivência,
iludindo-se singelamente
da única certeza inexorável,
que é a consciência da finitude.

Salvador, 16 de junho de 2018.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Agonizante silêncio



Antônio lafayette

Há muito busca-se compreender o silêncio
Será o silêncio harmonia da tristeza ou da alegria
O que significa o silêncio da voz que grita mudo
E que faz o coração e a razão sangrarem?

A face chora sendo sorriso
Cala-se a dor e engana-se o acontecimento
A dor vive e a sua razão permanece

Melhor viver no mundo que não-somos
Mas que mostra-se ser
A repressão simbólica nos fornece o silêncio que grita indomável.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Canção da Partida sem Despedida

Canção da Partida sem Despedida
Letra e Música: Rodolfo Pamplona Filho

Você não pensa em sua vida,
mas sabe que o tempo
corre como um louco
e está contra você!
Você se perde em si mesmo,
pensando que o prazer
dura para sempre
no gozo do poder...
Cara limpa é uma bobagem
quando o corpo não reclama
e o bom é curtir
o aqui e o agora
Trinta anos não é tarde
para começar a vida,
mas é cedo demais
para ir embora
Mas outros já foram há
mais tempo do que isso...
Há formas dolorosas
de descobrir...
toda a verdade!

Será que vale a pena
Viver intensamente?
Será que vale a pena
Partir sem despedir?
Se viver já é um risco,
todo instante é precioso,
mas isso é sem sentido
quando não se teve medo
de viver cada momento
como se esse fosse último
E a decadência ajuda
A pensar o impensável...
Será que realmente
mortes são precoces? 
Ou a nossa história
já está limitada?
Que jeito de terminar
quando mal se começou
se o vazio faz sofrer
Sua sina, então, é...
... sobreviver...

Não há o que julgar
Não há o que condenar
Há apenas a saudade
e a lembrança de um tempo
em que as Jam´s e as piadas
venciam a madrugada
e o sonho era o gás
para por o pé na estrada...
Quando o riff é uma lágrima
e o solo a depressão,
parece até gostoso
morrer como um rock star...
Tudo isso para não ver
a terrível frustração
de não realizar
o que se ama fazer...
A angústia invade o peito...
A dor vem aquecer...
o nó que toma a garganta
Quem sabe se vou...
... sobreviver...



terça-feira, 19 de junho de 2018

Casamento




Adélia Prado

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou no ar dando rabanadas’
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Saindo do Armário

Rodolfo Pamplona Filho

Não é fácil
assumir o que se é,
o que se pensa
e o que se quer.
É preciso
ter coragem
para saber a abordagem
a se fazer a cada momento.
Desnudar-se,
mostrar ao mundo
a sua efetiva proposta,
não escondendo sua resposta.
É muito mais
do que um gosto,
um desejo
ou uma opção:
é descobrir sua essência,
sua alma ou
sua vocação.
Sair do armário
é mais que uma metáfora:
é tirar a sua máscara
e revelar qual a canção
que embala seu coração.





domingo, 17 de junho de 2018

Luiz Vaz de Camões



Carlos Nejar

Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de santos filhos.

sábado, 16 de junho de 2018

Espírito Livre

Rodolfo Pamplona Filho

Depois de muito tempo,
descobri o gosto da liberdade,
mesmo já tendo passado da idade
em que isso normalmente é vivido.

Aprendi que, em essência,
sou um espirito livre,
que só tem, de próprio,
o seu livre-pensar

Não tente me aprisionar,
nem em um laço amarrar,
pois isso somente me fará
sentir tristeza e chorar...

O amor vai me resgatar
da viagem que me propus
de nunca desistir
de viver e de ser feliz

Se você ama alguém,
deixe-o livre para ser quem é...
Se ele ficar, é porque quer;
se for embora, é porque nunca quis

Se amar é a liberdade
para se aprisionar a ninguém,
eu quero aprender, de verdade,
se, na realidade,
é possível amar
sem se tornar de alguém...

Por que é preciso ter alguém
para chamar de seu?
Por que se tem de ser
de alguém para ser feliz?

Será que se tem de ser
possuído ou possuir
para se sentir
verdadeiramente amado?

Eu não posso ser eu
e somente meu
deve ser o desejo
de viver com e para,
mas não só para isso...

Eu sou uma alma livre...
Livre como toda alma deve ser
para nunca se arrepender
de ter buscado viver
cada momento de prazer
que se renova a cada amanhecer.

Eu sou uma alma livre...


sexta-feira, 15 de junho de 2018

Divisamos assim o adolescente



Mário Faustino

Divisamos assim o adolescente,
A rir, desnudo, em praias impolutas.
Amado por um fauno sem presente
E sem passado, eternas prostitutas
Velam por seu sono. Assim, pendente
O rosto sobre um ombro, pelas grutas
Do tempo o contemplamos, refulgente
Segredo de uma concha sem volutas.
Infância e madureza o cortejavam,
Velhice vigilante o protegia.
E loucos e ladrões acalentavam
Seu sonho suave, até que um deus fendia
O céu, buscando arrebata-lo, enquanto
Durasse ainda aquele breve encanto.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Durante Muito Tempo




Rodolfo Pamplona Filho

Durante muito tempo,
troquei a felicidade
pela paz
e isso me fez capaz
de fazer muito mais
do que os outros conseguiam.

Durante muito tempo,
troquei a paixão
pelo amor maduro
e isso me tornou duro
para enfrentar os desafios
de não ter medo do desconhecido.

Durante muito tempo,
troquei a aventura
por uma vida de doçura
e isso me deixou crente
de que era diferente
e não sentiria falta de nada.

Mas o tempo passou...
e nada mais faço...
e tenho medo de tudo...
e sinto falta da vida.

Salvador, 07 de março de 2018.


quarta-feira, 13 de junho de 2018

Emergência




Mario Quintana

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

terça-feira, 12 de junho de 2018

O que se quer de um amor?




Rodolfo Pamplona Filho

O que se quer de um amor!

O que se quer de um amor?
Sonho na infância
Parceria na juventude
Compreensão na maturidade
Solidariedade na solidão da velhice...


Salvador, 25 de março de 2018.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Amores Necessários



Simone de Beauvoir


Vivemos amores necessários e contingentes

Embora o primeiro seja o caminho, o repouso

E o segundo vibração e êxtase;

Ao louvar os amores necessários que tive,

Não posso esquecer dos outros,

Que passaram na sombra,

Mas que nunca deixaram de viver em mim.

domingo, 10 de junho de 2018

Um Dia Após o Outro

Rodolfo Pamplona Filho

Quando bate o desespero
e nada parece dar certo,
lembre que sempre teremos
um dia após o outro...

Quando a tristeza toma conta
e a depressão está perto,
lembre que sempre teremos
um dia após o outro...

Quando nada parece ter jeito
e que não existe solução,
lembre que sempre teremos
um dia após o outro...

Só um dia após o outro...
Acolher, ruminar e refletir
Só um dia após o outro...
Aguardar, levantar e reagir...

Por tudo que se fez, faz
ou, um dia, ainda se fará...
Teremos sempre
um dia após o outro...



sábado, 9 de junho de 2018

Que Este Amor não Me Cegue



Hilda Hilst

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Direito Skinhead

Rodolfo Pamplona Filho

Princípio da Truculência Máxima:
In dubio, pau no réu..
Tal qual em “O Pequeno Príncipe”,
você se torna eternamente responsável
pelas empresas que cria...
Afinal de contas,
o processo judicial não pode
ter sensação de coito interrompido...

Quebra de sigilo fiscal,
bancário, telefônico e pessoal:
tudo isso é fichinha
para o que se está
disposto a fazer,
para, em seu entender,
cumprir o seu dever...

Bloquear suas contas,
restringir o seu crédito,
mandar prendê-lo,
se deixassem...
Não há limites
para a sede de justiça,
ainda que seja para beber
todo o seu sangue e seu suor...

Quando o Direito 
não é respeitado,
tanto na vida,
quanto no processo...

Quando o Direito
parece ser apenas 
um conto de fadas
ou uma história de Carochinha...

Quando o Direito
reconhece que não há 
limites para a criatividade humana
quando se quer manobrar para não honrar,
fugir ou fraudar direitos...

Quando o Direito
definitivamente
precisa ser reinventado
para ser efetivado,
não há mais salvação:
É o tempo e lugar
do Direito Skinhead!

Salvador, 04 de setembro de 2010, estressado em um sábado...




quinta-feira, 7 de junho de 2018

A VIAGEM


Manaiá Oliveira

Queria poder fotografar o céu dessa noite. Um cobertor de constelações aqueceu meus pensamentos. Mesmo com todo o frio desejei estar  na boleia de um caminhão, só pra o meu olhar não ter pausa, só pra o meu corpo ter descanso, só pra ter a sensação de que essa viagem ao universo não iria acabar. A cada curva, embaralhavam-se com minha imaginação e eu só esperando a chuva, pra que ela levasse todo o excesso e deixasse só a leveza.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

De repente, a vida acaba




Rodolfo Pamplona Filho

De repente, a vida acaba
quando tudo começa a dar certo
De repente, a vida acaba
quando menos se espera
De repente, a vida acaba
quando não havia sinal disso
De repente, a vida acaba
e não há mais o que fazer.

Salvador, 27 de fevereiro de 2017.

terça-feira, 5 de junho de 2018

NO CAMINHO



Manaiá Oliveira

É no caminho que eu me distraio 
É no caminho que ouço os pássaros
É no caminho que eu sinto a falta
É no caminho que me falta a fala
É no caminho que bate o cansaço 
É no caminho que sinto o mormaço 
É no caminho que passa a multidão
É no caminho que enxergo a solidão
É no caminho que sopra o vento
É no caminho que me esbarro com o desalento
É no caminho que penso em tudo,mas vejo o mundo com tanta grandeza que a minha tristeza se envergonha de existir.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Proposta de Amor Possível



Rodolfo Pamplona Filho

Quando a tristeza, a solidão
e a angústia chegarem,
tente pensar na seguinte mensagem:
você não é só privação,
imobilidade, interdição,
frustração, impossibilidade.
Você é responsabilidade,
é amor pela família que formou,
mas é também coragem,
inspiração, amor,
desejo, explosão,
aventura e paixão.

E encontrou alguém
que ama seu ser
de um jeito tão forte também...
alguém que, como você,
quer pulsar, quer luzir,
quer vibrar, quer florir,
quer acariciar, quer beijar,
não quer machucar,
não quer ferir,
mesmo quando não sabe onde ir,
pois quer apenas viver,
de preferência, para você!

As contradições não me causam susto!
O que realmente me espantaria
é se você aceitasse, de forma fria,
tudo aquilo que repulso,
como a burrice, a preguiça,
a mediocridade da pura cobiça,
a pasteurização do não pensar,
do não duvidar, do achar
que o caminho do berço ao túmulo
pode ser reto, alvo, não acidentado,
de achar normal, e não um cúmulo,
andar sem uma marca ou pecado.

A gente é feito de dia e de noite,
luz e sombra, beijo e açoite,
de prazer e dor, sim e não,
de paz e de convulsão...
Eu admiro quem assume isso!
Por isso, deixa eu assumir o compromisso
de ser o seu amor possível, sua vontade,
a sua moça do sonho, a sua essência,
a sua parceira nas diversas realidades,
a musa do seu Poema da adolescência,
o seu fogo, o seu sexo, o seu tesâo,
seu porto seguro, sua loucura, a sua mansidão.

Salvador, 08 de dezembro de 2011.

domingo, 3 de junho de 2018

Estrela da manhã


Manuel Bandeira

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã

sábado, 2 de junho de 2018

Oportunidades



Rodolfo Pamplona Filho 

Oportunidades surgem
e despreza-las
é sintoma de empáfia

Oportunidades passam
e não aproveitá-las
é o início da depressão

Oportunidades vão embora
e perdê-las
é arrepender-se pelo resto da vida.

São Paulo, 20 de novembro de 2016.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Poema em linha reta


Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
(…)
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.