quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Eduardo e Mônica



Legião Urbana

Quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
No outro canto da cidade, como eles disseram

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Um carinha do cursinho do Eduardo que disse
Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir

Festa estranha, com gente esquisita
Eu não tô legal, não aguento mais birita
E a Mônica riu, e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
É quase duas, eu vou me ferrar

Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard

Se encontraram, então, no parque da cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo

Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol de botão com seu avô

Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema
Escola, cinema, clube, televisão

E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia, como tinha de ser

Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia
Teatro, artesanato, e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar

Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar (não!)
E ela se formou no mesmo mês
Que ele passou no vestibular

E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela
E vice-versa, que nem feijão com arroz

Construíram uma casa há uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana, seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram

Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias, não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação

E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Equiparação (a Buck)



Rodolfo Pamplona Filho

Eu não me contento
com as sobras
da sua refeição

Eu não me acerto
nas dobras
de seu coração

Eu não me acabo
em ciúme corrosivo
da relação

Eu não me mato
de inveja, emotivo
sem qualquer razão

Eu não quero muito:
apenas sua atenção!
No final de tudo,
somente equiparação.

Salvador, 16 de setembro de 2018.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Como Nossos Pais



Elis Regina

Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa

Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens

Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração

Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem

Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais

domingo, 28 de outubro de 2018

Sina de Injustiçado




Rodolfo Pamplona Filho

Minha sina parece ser
nunca ser ouvido por você...
Pelo menos, não na primeira ouvida,
no início da partida
ou na compreensão de minha vida...

Salvador, 05 de setembro de 2018.

sábado, 27 de outubro de 2018

Meu Abrigo



Melim

Uh, uh, uh, uh
Uh, uh

Desejo a você
O que há de melhor
A minha companhia
Pra não se sentir só

O Sol, a Lua e o mar
Passagem pra viajar
Pra gente se perder
E se encontrar

Vida boa, brisa e paz
Nossas brincadeiras ao entardecer
Rir à toa é bom demais
O meu melhor lugar sempre é você

Você é a razão da minha felicidade
Não vá dizer que eu não sou sua cara-metade
Meu amor, por favor, vem viver comigo
O seu colo é o meu abrigo

Uh, uh, uh, uh
Uh, uh

Quero presentear
Com flores Iemanjá
Pedir um paraíso
Pra gente se encostar

Uma viola a tocar
Melodias pra gente dançar
A bênção das estrelas
A nos iluminar

Vida boa, brisa e paz
Trocando olhares ao anoitecer
Rir à toa é bom demais
Olhar pro céu, sorrir e agradecer

Você é a razão da minha felicidade
Não vá dizer que eu não sou sua cara-metade
Meu amor por favor, vem viver comigo
O seu colo é o meu abrigo

Meu abrigo
O seu colo é o meu abrigo
O meu abrigo

Uh, uh, uh, ah
Ah

Você é a razão da minha felicidade
Não vá dizer que eu não sou sua cara-metade
Meu amor por favor, vem viver comigo
O seu colo é o meu abrigo

Meu abrigo
O seu colo é o meu abrigo

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Resumo da vida



Rodolfo Pamplona Filho

Meu caminho foi repleto
de presentes nunca abertos
que só foram descobertos
no momento da separação

Minha vida é uma sequência
de perdas da inocência,
pois não há inteligência
que impeça a frustração

Minha tristeza é uma constante,
que está presente a todo instante,
não por medo do que está adiante,
mas pela opressão da solidão.

Salvador, 02 de setembro de 2018.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

O Mundo É Bão, Sebastião


Nando Reis

Por que o Sol saiu?
Por que seu dente caiu?
Por que essa flor se abriu?
Por que iremos viajar no verão?
Por que aqui o mundo não será cão?

Quando o Godzilla atacar
Quando essa febre baixar
Quando o mamute voltar
Descongelado a caminhar na Sibéria
Quando invento, o mundo é feito de ideias

O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é teu, Sebastião

Como escrever certo o seu nome?
Como comer se der fome?
Como sonhar pra quem dorme?
E deixa o cansaço acalmar lá em casa
Como soltar o mundo inteiro com asas

Tiranossauro Rex Tião
Dentro dos seus olhos virão
Monstros imaginários ou não
Tão forte somos todos Os Infernais
E agora eu vivo em paz

O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é teu, Sebastião

O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é bão, Sebastião
O mundo é teu, Sebastião

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Toda dor passa



Rodolfo Pamplona Filho

Toda dor passa
A única coisa que fica na vida
são as lembranças de bons momentos
Então tente ter
mais momentos bons
do que ruins

Salvador, 18 de julho de 2018.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Por Onde Andei



Nando Reis

Desculpe
Estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado
E eu entendo

As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias
Até pra uma criança

Por onde andei
Enquanto você me procurava?
Será que eu sei
Que você é mesmo
Tudo aquilo que me faltava?

Amor, eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram o seu carro
Deixou uma lembrança

Que a vida é mesmo
Coisa muito frágil
Uma bobagem
Uma irrelevância
Diante da eternidade
Do amor de quem se ama

Por onde andei
Enquanto você me procurava?
E o que eu te dei?
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei?
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei
Que você é mesmo
Tudo aquilo que me faltava?

Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Uh! Uh! Uh!
Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Uh! Uh! Uh!

Amor, eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram o seu carro
Deixou uma lembrança

Que a vida é mesmo
Coisa muito frágil
Uma bobagem
Uma irrelevância
Diante da eternidade
Do amor de quem se ama

Por onde andei
Enquanto você me procurava?
E o que eu te dei?
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei?
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei
Que você é mesmo
Tudo aquilo que me faltava?

Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Uh! Uh! Uh!
Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Uh! Uh! Uh!

Por onde andei
Enquanto você me procurava?
E o que eu te dei?
Foi muito pouco ou quase nada
E o que eu deixei?
Algumas roupas penduradas
Será que eu sei
Que você é mesmo
Tudo aquilo que me faltava?

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Eu queria...



Rodolfo Pamplona Filho


Eu queria ter um pai,
que fosse presente e alegre,
que conversasse comigo
e me explicasse sobre a vida,
que respeitasse minha visão
e meus sentimentos,
mesmo quando
não concordasse com eles

Eu queria ter uma mãe,
que fosse sensível e empolgada,
que me colocasse no colo
e me fizesse cafuné,
que me abraçasse com carinho,
quando as palavras sumissem,
mesmo quando
nada parecesse fazer sentido.

Eu queria uma mulher,
que estivesse ao meu lado,
em cada momento de vida;
que levantasse minha bola
nos momentos de tristeza
e transpirasse alegria
nas horas de animação;
que me ouvisse
e me entendesse
na hora da depressão.

Mas hoje é hoje
e nem sempre
se pode ter
o que se quer...
e estou sozinho...
chorando pelo que não vivi
e pelo que nunca tive...

Brasília, 09 de outubro de 2018.

domingo, 21 de outubro de 2018

Agora eu quero ir



Anavitória

Encontrei descanso em você
Me arquitetei, me desmontei
Enxerguei verdade em você
Me encaixei, verdade eu dei

Fui inteira e só pra você
Eu confiei, nem despertei
Silenciei meus olhos por você
Me atirei, precipitei
Agora

Agora eu quero ir
Pra me reconhecer de volta
Pra me reaprender e me apreender de novo
Quero não desmanchar com teu sorriso bobo
Quero me refazer longe de você

Fiz de mim descanso pra você
Te decorei, te precisei
Tanto que esqueci de me querer
Testemunhei o fim do que era
Agora

Agora eu quero ir
Pra me reconhecer de volta
Pra me reaprender e me apreender de novo
Quero não desmanchar com teu sorriso bobo
Quero me refazer

Eu que sempre quis acreditar
Que sempre acreditei que tudo volta
Nem me perguntei como voltar, nem por quê
Agora eu quero ir, quero ir

Agora eu quero ir
Pra me reconhecer de volta
Pra me reaprender e me apreender de novo
Quero não desmanchar com teu sorriso bobo
Quero não desmanchar com teu sorriso bobo
Quero não desmanchar
Quero me refazer longe de você

sábado, 20 de outubro de 2018

Conclusão Natural



Rodolfo Pamplona Filho


Por que quem ama briga?
Por que quem deseja reclama?
Por que quem acaricia bate?
Por que quem adora grita?
Porque se não pudermos
contar as verdades difíceis,
o que finalmente estaremos
realmente fazendo aqui?

Salvador, 11 de agosto de 2018.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Cordel da Advocacia




Tiago Silva de Freitas

Que seria do mundo
Sem a advocacia
Dona Maria
E até Seu Raimundo

Viveriam com frio
Sedentos por justiça
Em areia movediça
A ver navio...

Que seria do mundo
Sem a advocacia
Maior seria a agonia
Coitado do Seu Raimundo

Sem aposentadoria
Filho preso injustamente
Passa noite entra dia
Não há mesmo quem aguente

Que seria do mundo
Sem a advocacia
Oh, querida Maria
De sentimento profundo

Vendo o rebento faminto
Furtou dois pães
No mais lídimo instinto
Presa, apelos vãs

Mas eis que surge o causídico
Humano, de fé e abnegado
Sem cobrar nenhum centavo
Era seu Advogado!

E então fez-se a justiça
Nessa terra de mutretas
Onde rei mama nas tetas
Mas ao pobre, a sarjeta

Para quem quisesse ouvir
Em alto som repetia
Maria em alegria
Passado, Presente, Porvir...
Que o mote desse cordel
Oxalá alcance o céu
Todo santo, santo dia
“Que seria desse mundo
Sem a advocacia!”

Roma Negra, 25 de Setembro de 2018.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Companhia ou Companheiro




Rodolfo Pamplona Filho

Companhia
é estar do lado,
preenchendo
um espaço
Companheiro
é viver ao lado,
mesmo quando
não se está presente

Companhia
é ir ao cinema,
ao bar ou
às compras
Companheiro
é não importar o lugar,
pois, em todos,
se deve estar.

Companhia
é presenciar momentos
especiais ou do dia-a-dia.
Companheiro
é dividir o prato,
o choro ou a alegria.

Companhia
é estar junto
Companheiro
é estar junto
para o que der e vier

Salvador, 04 de julho de 2018.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Ouvi Dizer



Melim

Ah, se eu acordasse todo dia com o seu bom dia
De tanto café na cama, faltariam xícaras
Me atrasaria só pra ficar de preguiça
Se toda arte se inspirasse em seus traços
Então qualquer esboço viraria um quadro
Monalisa

Com você, tudo fica tão leve
Que até te levo na garupa da bicicleta
O preto e branco têm cor
A vida tem mais humor
E pouco a pouco, o vazio se completa

O errado se acerta, o quebrado conserta
E assim, tudo muda, mesmo sem mudar
A paz se multiplicou
Que bom que você chegou
Pra somar

Ouvi dizer
Que existe paraíso na Terra
E coisas que eu nunca entendi
Coisas que eu nunca entendi
Só ouvi dizer
Que quando arrepia, já era
Coisas que eu só entendi
Quando eu te conheci

Com você, tudo fica tão leve
Que até te levo na garupa da bicicleta
O preto e branco têm cor
A vida tem mais humor
E pouco a pouco, o vazio se completa

O errado se acerta, o quebrado conserta
E assim, tudo muda, mesmo sem mudar
A paz se multiplicou
Que bom que você chegou
Pra somar

Ouvi dizer
Que existe paraíso na Terra
E coisas que eu nunca entendi
Coisas que eu nunca entendi
Só ouvi dizer
Que quando arrepia, já era
Coisas que eu só entendi
Quando eu te conheci

Ouvi dizer
Que existe paraíso na Terra
E coisas que eu nunca entendi
Coisas que eu nunca entendi
Só ouvi dizer
Que quando arrepia, já era
Coisas que eu só entendi
Quando eu te conheci

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Amar não é suficiente




Rodolfo Pamplona Filho

Amar não é suficiente,
se falta compreensão,
se falta atenção,
se falta audição.

Amar não é suficiente,
se falta empatia,
se falta poesia,
se falta harmonia

Amar não é suficiente,
se falta presença,
se falta crença,
se falta diferença

Amar pode ser tudo,
mas não é suficiente,
se não for tudo
para a gente.

Salvador, 08 de outubro de 2018.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Do amoroso esquecimento



Mário Quintana

Eu agora — que desfecho!
Já nem penso mais em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

domingo, 14 de outubro de 2018

A Única Certeza é a Esperança




Rodolfo Pamplona Filho

Não dá para saber
o que o futuro me reserva
Não adianta sofrer
pelo que não se enxerga
Só há sentido em viver
o dia em que se levanta
Há muito o que fazer
até chegar a sua dança.
Apenas não quero que
desvaneça minha esperança
enquanto espero pela certeza.

Salvador, 07 de setembro de 2018.

sábado, 13 de outubro de 2018

A Rua dos Cataventos



Mário Quintana

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Filho




Rodolfo Pamplona Filho

Filho,
quando você surgiu
um mundo novo se abriu
para quem achava que sabia tudo
e viu que tinha muito a aprender.

Filho,
quantas vezes chorei calado
só para poder estar ao seu lado
e dizer algo para você,
mesmo que não fosse entender.

Filho,
quantas coisas eu quis ensinar
o que achava ser a verdade
para você não ter que penar
como eu quando tinha sua idade.

Filho,
quantas vezes quis que a dor
que você sentia em temor
passasse toda para mim
para você não sofrer tanto assim.

Filho,
o tempo se esgota para todos,
inclusive para quem cuida da gente
e não dá viver novamente
os momentos que se perde só.

Filho,
há muito quero contar
que nunca deixarei de amar
cada instante da nossa história
e o que ficar na memória.

Filho,
peço sincero perdão
pela minha imperfeição
de não ser o melhor, enfim,
para você ter orgulho de mim.

Filho
Hoje eu só quero um abraço
e que você descanse em meus braços
para saber que conta comigo
e que serei sempre seu melhor amigo.

Praia do Forte, 03 de junho de 2018.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Precisão


Clarice Lispector

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Perdão


Rodolfo Pamplona Filho

Desculpe por não ter imaginado sua dor
Desculpe por ter te causado horror
Desculpe por ter sido tão insensível
Desculpe por ter sido tão horrível
Desculpe por pensar que atos somem
Desculpe por ter sido tão homem

terça-feira, 9 de outubro de 2018

MEU DEUS, ME DÊ A CORAGEM



Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

domingo, 7 de outubro de 2018

Dor elegante



Paulo Leminski

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Bem no fundo



Paulo Leminski

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Alienação Parental




Rodolfo Pamplona Filho

Qual é o sentido de ser deixado só?
Qual é o significado de
virar joguete de quem o criou?
O que faz alguém transformar
o fruto do amor
em uma forma para torturar
alguém a quem já se entregou?
Como imputar tamanha dor
a quem não pediu sequer
para vir ao mundo viver
ou provar o seu sabor?

Quando filhos viram massa,
só se construi um muro de tristeza;
Quando filhos viram moeda,
só se paga o preço do rancor;
Quando filhos viram brinquedos,
só se joga o jogo do ódio;
Quando filhos viram propriedade,
só se é dono do seu próprio veneno...

Morte, tragédia, culpa,
homicídio doloso da inocência
isolamento, depressão,
raiva convertida em manipulação
roubo, furto, perda,
em pungente sede de não,
vítima que é assassina
também de seu próprio eu,
em uma Medéia que ensina
o avesso de amar o seu
para, ao mesmo tempo,
nunca mais ser de ninguém...

Não seja algoz de quem te ama.
Não seja cúmplice da frustração.
A vida vai além da lei e da cama
e o mundo não é só comiseração.
Se relacionamentos terminam,
filhos são para sempre...
Se partir é doloroso,
mais ainda é deixar de ser gente...


Porto Alegre, 12 de abril de 2013.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Eu sou trezentos...



Mário de Andrade

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

O Martelo e o Tacape



Rodolfo Pamplona Filho

Qual é a diferença
entre o martelo e o tacape?
Qual é a distinção
entre autoridade e ditadura?
Qual é a crença
da importância da postura?
Qual é a sensação
de fazer algo de livre vontade?
Qual é a consequência
de assumir sua liberdade?
Qual é a vantagem
de encarar a realidade?
Qual é a diferença
entre o martelo e o tacape?

Salvador, 08 de novembro de 2013

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Solitário



Augusto dos Anjos

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta…
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
-Velho caixão a carregar destroços-

Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!