sexta-feira, 31 de março de 2023

Minha Parede

 



Rodolfo Pamplona Filho


Uma parede

pode ser

divisão

para garantir

separação

ou, então,

ser sustentação

para um abrigo

ou proteção.

 

Uma parede

pode ser

um paredão,

o local

onde se aniquila

a vida

ou ser o final

de um beco

sem saída

 

Minha parede,

porém,

é muito além:

a perfeita

tradução

metafórica

de meus dilemas,

um painel coberto,

paulatinamente,

pelos meus poemas.

 

Salvador, 01 de fevereiro de 2023.


quinta-feira, 30 de março de 2023

Para te ver é longa toda espera

 



Jaci Bezerra 


Há uma serra no teu peito

feita de sonho e de distância.

É nessa serra que me deito

com tua luminosa infância.



Ao te esfolhar, na tarde branca,

me extravio nas tuas ancas.



Habitando a paisagem branca

na curva dessa serra deito.



Assim, montando as tuas ancas,

cavalgo os sonhos do teu peito.



Depois, retido na distância,

na cama acendo a tua infância.



Nos veludos da tua infância

qualquer montanha é pura e branca,

claro verão que, na distância,

cintila sobre tuas ancas.



É minha a serra do teu peito

quando à sombra do teu corpo deito.



Sobre os lençóis, quando me deito,

meu coração é a tua infância.



Eu, pelas serras do teu peito,

sou um menino na distância,

cavalgando, na tarde branca,

os girassóis das tuas ancas.



Nos extremos das tuas ancas

cavalgo as serras do teu peito.



O teu corpo, na tarde branca,

é o meu lençol quando me deito.



Uma criança, na distância,

sou a serra da tua infância.



Quero galgar serra e distância

nas tuas mãos de nuvens brancas,

do mesmo modo quero a infância

e os girassóis das tuas ancas.



A mim me basta, se me deito,

morrer nas serras do teu peito.



quarta-feira, 29 de março de 2023

Alegria em Doses Homeopáticas


 


Rodolfo Pamplona Filho



É difícil sorrir

com receio de consequências

É difícil fluir

com medo das intermitências

É difícil respirar

com receio das armadilhas

É difícil se entregar

com certeza da desconfiança

É difícil amar

tendo perdido a esperança

É difícil sobreviver

com dificuldades burocráticas

É difícil viver

a alegria em doses homeopáticas

 

Praia do Forte, 31 de dezembro de 2022.


terça-feira, 28 de março de 2023

E não pode esperar o coração

 



Jaci Bezerra 



Toda a lua e claridade

assim te quero, assim te vejo

e se te vejo o amor invade

meu corpo inteiro e o deixa aceso

e se te vejo o amor em mim

é um cheiro morno de jardim

A tua dor doendo em mim

 é um rio latejando aceso

sou um cantareiro no jardim

do sonho em que te quero e vejo

primaveras de claridade

na primavera que me invade



Toda nua és um rio aceso

de primavera e claridade

mas quero mais do que o que vejo

sentindo a angústia que me invade

esse amor que doendo em mim

arde em silêncio no jardim


Extinta a angústia que me invade

te sinto perto e junto a mim

mais do que amar a claridade

amo teu cheiro de jardim

por isso à noite durmo aceso

no dia em que te sinto e vejo.


Teu coração é um jardim

tremulando na claridade

mesmo quando doendo em mim

também é a angústia que me invade

porque no dia em que te vejo

teu corpo dorme em mim aceso


No fundo dos teus olhos vejo

longe da angústia que me invade

 como o amor doendo aceso

é uma trança de claridade

o coração dentro de mim

dorme abrasado em teu jardim.


 


segunda-feira, 27 de março de 2023

Empréstimo

 



Rodolfo Pamplona Filho


 

Vou te emprestar

meus olhos

para veres

a coisa linda que vejo

quando sorris.

 

Vou deixar contigo

a minha pele

para sentires

a doçura

do teu toque.

 

Vou esquecer em tuas mãos

o meu coração

para teres a certeza

de que ele pulsa

por ti.

 

Salvador, 22 de janeiro de 2023.



domingo, 26 de março de 2023

As folhas do crepúsculo

 



Janete Fonseca



Cai a primeira folha, 


A segunda também. 


Mais outra... e outras mais, 


Centenas delas caem 


Das árvores centenárias 


Apenas sopra o vento, 


No alaranjado crepúsculo 


 


E à tarde primaveril, 


Quando o olhar se embaça 


Ao sol da memória, 


Voltam todas, 


Molhando os caminhos 


Em longas cabeleiras 


Em galhos silentes, 


Pingando cores 


 




Também do coração, 


Onde brotam as ilusões, 


Uma por uma vai tombando, 


Descendo ladeiras 


Em fortes enxurradas 


Por esse mundo fora 


Como tombam as folhas das árvores


centenárias 


 




No mar azul da infância, 


Olhar suspiroso e 


Imaginação solta 


Voam...Mas às copas as folhas voltam, 


E elas ao coração não voltam jamais, 


Levadas pelas águas de março 




(PARÁFRASE DO POEMA DE RAIMUNDO CORREA  "AS POMBAS")


sábado, 25 de março de 2023

Olhares

 



Rodolfo Pamplona Filho


O que diz um olhar?

Mais do que palavras

O que ensina um olhar?

Mais do que muitas lições

O que mostra um olhar?

Mais do que mil exposições

O que prende um olhar?

Mais do que prisões

O que mata um olhar?

A dor fatal das repressões

 

Buzios, 13 de janeiro de 2023.


sexta-feira, 24 de março de 2023

É tempo de primavera

 





Janete Fonseca


Ar de primavera 

De fruta cheirosa 

Da beira da praia 



Vento na memória 

fareja a mulher 

recém descoberta. 

Passou muito tempo, 

Espelho reflete 

Anel de turquesa, 

soutien vermelho, 

Na boca desenho 

De coração grená 



No mundo mudado 

Dos mais avelhados 

Corações calados, 

Erga-se um brinde 

À mulher descoberta 

Só a ouvir estrelas 

Do homem ao lado, 

Cheio de desejos 

Da mulher ardente 

De olhar de fogo, 

Que vai olhando 

Quando o vê olhar 



Mulher incansável 

Toma pelas mãos 

retalhos do tempo 

Que se vão passando 

Antes que a tarde 

Primaveril 

morra, aberta, 

dentro de mim.


quinta-feira, 23 de março de 2023

Regime de Bens

 


Rodolfo Pamplona Filho

Comunhão

em família

Divisão

em Partilha

Acordo

da razão

em conforto

da emoção

Quando dois

se tornam um,

a convicção

da esperança

se sobrepõe

à incerteza

do futuro,

em que tudo

pode ser perfeito

ou o castelo

pode ruir

nas nuvens

e nos sonhos

de quem não

cogitou o fim.

 

Salvador, 16 de julho de 2022.


quarta-feira, 22 de março de 2023

Caminhante

 




Janete Fonseca


 Como peregrino de fé, sem adeptos, 

 Prossigo, 

 Sangrando os pés nas pedras do caminho 

 Sem fim, 

 Sem direção, 

 Buscador da trilha verde 

 Do regresso, 

 Um dia 


 

 Continuo na jornada 

 Solitária 

 Rotineira 

 Pelas veredas do acaso, 

 Sorrindo quase em prantos, 

 Filtrando velhas mágoas, 

 No remanso das águas 

 Do dourado amanhã 



 Alegro-me por nada 

 E nada me alegra. 

 Silencio com todos 

 E comparto tudo 

 Com todos. 


 Assim 

 Descanso o amargor 

 Do passado, 

 Na relva macia do esquecimento 

 Até confundir-me,

 Um dia,

 Na poeira atômica 

 Do rio principal. 



terça-feira, 21 de março de 2023

Aprendendo com as Ondas

 



Rodolfo Pamplona Filho


A onda passa

impassível

Nada que se faça

a torna flexível

e a grande graça

é enfrentar sozinho

a enorme massa

d’água no vazio

 

A onda permite

que se surfe nela

ou, indiferente, agride

quem se afoga por ela

A onda não muda,

quem tenta ser dela

que, inocente, se iluda

ou componha com ela

 

pois não há relação

onde não há movimento;

não há entrega,

onde não há sentimento;

não há emoção,

se não há bilateralidade;

a boa onda é sempre

a próxima, de verdade…

 

Salvador, 20 de janeiro de 2023.


segunda-feira, 20 de março de 2023

No fundo do mar

 



Janete Fonseca



Molhadas areias brancas 

Teu rastro de silêncio apagam, 

Levando-te para o fundo do mar, 

Vestido de vento e sal 

 



Entre folhagens de algas 

de emaranhadas cabeleiras, 

Guerreiro do mar repousa, 

Nessa floresta marinha 

 



Canto para o meu amado, 

Entre os habitantes marinhos 

por trilhas de corais 

e caracóis dançarinos 

 



Conquistador de mares, 

Dorme teu sono eterno, 

Pois da sedutora sereia 

a voz não mais ouvirás 

 



Brinca com os habitantes d'água 

E quando o pranto da saudade 

Tu'alma dormida buscar, 

Foge em cavalos marinhos 

 



E nas estrelas do mar, 

Olvida teus sonhos

De amor, 

em paz 




Uma voz amiga me diz 

que não te verei jamais, 

mas meu amor te recorda sempre, 

vestido de vento e sal. 





domingo, 19 de março de 2023

Amor para o Resto da Vida

 



Rodolfo Pamplona Filho


Eu quero um amor

para o resto da vida!

Um amor que

não seja ferida,

nem trauma.

Um amor que

seja guarida

e afago na alma.

Um amor que

não seja breve,

nem zangado.

Um amor que

seja leve e

bem humorado.

Um amor que

goste de sorrir

e se divertir.

Um amor que

atenda ao que

o destino convida.

Um amor para

o resto da vida.

 

Salvador, 23 de outubro de 2022.


sábado, 18 de março de 2023

Dilema

 



Janete Fonseca



Como duas paralelas em busca infinita,

Perto estamos distantes, 

Longe ficamos tão perto.

Separa-nos rio límpido mas revolto, 

Rola os seixos, lapida reentrâncias, 

Num dia de muita borrasca, 

noutro só de flores. 

Nunca nos encontramos 

no azul do céu infinito, 

mas sempre juntos estamos, 

encurtando a distância 

de nosso eterno dilema. 









sexta-feira, 17 de março de 2023

As Vozes da Minha Cabeça

 



Rodolfo Pamplona Filho


Não preciso de estudo

Não preciso de história

Não preciso de lógica

Não preciso de ciência

Não preciso de fontes

Não preciso de provas

Só preciso da minha convicção

e das vozes da minha cabeça.

 

Oceano Atlântico, 12 de janeiro de 2023.


quinta-feira, 16 de março de 2023

Madrugada em Meu Jardim

 




Jansen Filho


Um divino clarão vem do nascente

E sobre o meu jardim calmo resvala!

Na graça deste quadro reluzente,

A aragem fria os meus rosais embala! 



Tudo desperta misteriosamente!

E a luz cresce e se expande em doce escala,

Avivando o lençol resplandecente

Da brancura dos lírios cor de opala! 


E o sol, doirando as franjas do horizonte,

Celebra a missa do romper da aurora

Na doce Eucaristia do levante! 



Da passarada escuta-se o clarim !

E a madrugada estende-se sonora,

Na aleluia de luz do meu jardim ! 







quarta-feira, 15 de março de 2023

Meus Cachorros

 


Rodolfo Pamplona Filho

Meus cachorros têm marcas

decorrentes das pauladas

e das porradas

que a vida proporcionou

 

Meus cachorros têm traumas

potencialmente insuperáveis,

frutos amargos da árvore

de mal-tratos que sofreram

 

Meus cachorros têm Cicatrizes

no corpo e na alma,

marcas do que passaram

nas mãos cruéis do destino

 

Meus cachorros têm um Amor

simplesmente inexplicável,

potencialmente infindável

e naturalmente adorável

 

Meus cachorros me representam

Eles são meu espelho,

meu esteio e meu sentido

Eles são eu e

Eu sou eles

 

Salvador, 10 de dezembro de 2022


terça-feira, 14 de março de 2023

Canção

 


Cecília Meireles


Pus o meu sonho num navio

e o navio em cima do mar;

- depois, abri o mar com as mãos,

para o meu sonho naufragar





Minhas mãos ainda estão molhadas

do azul das ondas entreabertas,

e a cor que escorre de meus dedos

colore as areias desertas.





O vento vem vindo de longe,

a noite se curva de frio;

debaixo da água vai morrendo

meu sonho, dentro de um navio...





Chorarei quanto for preciso,

para fazer com que o mar cresça,

e o meu navio chegue ao fundo

e o meu sonho desapareça.





Depois, tudo estará perfeito;

praia lisa, águas ordenadas,

meus olhos secos como pedras

e as minhas duas mãos quebradas.





segunda-feira, 13 de março de 2023

Aceitando o que é possível

 



Rodolfo Pamplona Filho


Sonhar não custa nada,

mas alcançar o que se deseja

não é fácil

e, muitas vezes,

só se pode

se confirmar com o que se tem,

suspirar pelo que não vem,

lamentar o irrealizável

e aceitar o que é possível.

 

Salvador, 16 de dezembro de 2022.


domingo, 12 de março de 2023

O Depósito

 


Clivia Filgueiras


Do contrato sou um tipo

Me assento na confiança plena

Referente a custódia ou guarda de coisa alheia

Pode ser ela grande ou pequena.


Duas pessoas de mim fazem parte

Uma entrega e a outra guarda o montante

Há uma relação de confiança

Entre o depositário e o depositante.


Quando entrego a coisa

Espero deveras a restituição – sigo confiante...

Se na ocasião ajustada dela não me fizer novamente dono

Uma Ação de Depósito proponho

Afinal, sou o depositante!


Eu recebo a coisa

Restituí-la-ei conforme o ajustado

Não sou o seu dono

Apenas depositário!


Como depositário tenho algumas obrigações:

Guardo a coisa alheia recebida mas dela não posso me servir...

Respondo por dolo ou culpa se a coisa perecer...

Ao depositante sou obrigado a restituir.


Se da coisa me apossar sem autorização

Receberei a devida sanção

O juiz decretará uma pena

Irei parar na prisão.


Como depositante as minhas obrigações vão além

Remunero quando sou oneroso

Mas posso ser gratuito também!


Posso também ter obrigações de fato real:

Reembolsar as despesas de meu interesse

Indenizar os prejuízos de vício real.


Contrato Irregular também posso ser

Posso usar e dispor da coisa depositada...

Restituir coisa de igual valor e quantidade...

Devolver não exatamente a que me foi confiada.


Posso ser Necessário, Legal, Hospedeiro ou Miserável

Os três primeiros com fundamento ou exigência legal

O último quando em guerra...terremoto e coisa e tal.


Para concluir:

Antes da coisa entregar

É preciso no depositário confiar

Pois sou baseado numa relação de boa-fé

De Depósito devem me chamar.





sábado, 11 de março de 2023

Amor de Pandemia

 



Rodolfo Pamplona Filho


A pandemia maltratou

e fez ruir

castelos e sonhos

mas fez surgir

amores escondidos

no meio do isolamento

e falta de contato pessoal.

Será que o universo

encontrará novo alento?

Ou é esperança vazia

sonhar em reviver

um amor de pandemia?

 

Salvador, 18 de dezembro de 2022

sexta-feira, 10 de março de 2023

Crime poético

 


Fabiano Oliveira


Quais os elementos do crime?

Típicos são os versos do poeta,

Por transcrever sua ilicitude emotiva,

Tornando por isto culpável,

Aos olhos alheios?...


Por tanto assim ele deve buscar seu excludente,

Defendendo sua inspiração,

Tendo como arma do delito,

Papel e caneta...


Deve suprir a necessidade,

Que eclode de seu âmago,

Ainda que o mundo desaprove,

A artística faceta...


O cumprimento do dever legal,

Exercendo seu direito de expressão,

Ainda que aparentemente seja tido como imoral,

Pela opinião alheia estreita...


Diante de tantas críticas a arte jurídica,

Proferidas tantas condenações em sentenças subtendidas,

Poetar é um ato punitivo,

E só resta ao estudante da lei altivo,

Buscar o êxito bom e justo...


... na contenda.

 24/06/2011

quinta-feira, 9 de março de 2023

Dificuldades de Cognição


 


Rodolfo Pamplona Filho


Não é atenção

Não é comunicação

Não é proposital

Não é baixo astral

Não é de propósito

Não é despropósito

Não é revolução

é mesmo Dificuldade de Cognição

 

Salvador, 08 de dezembro de 2022.


quarta-feira, 8 de março de 2023

Escolhas

 



Malu Calado


Escolhas ruins...

Consequências

A dor pode surgir

Responsabilize- se

Então

Olhe o mundo de outra maneira

Tentando afastar- se da repetição.

Dê um tempo

Olhe o mar

Acalme-se

E saiba construir-se

Observe quem é você

E tome as suas decisões

Sabendo que tudo depende

Da sua escolha

Já é hora de para de culpar o mundo

Transforme o seu mundo

E logo verá que uma alma bonita

Fará escolhas...

Mas sem causar dor para si

Tampouco para o outro.






terça-feira, 7 de março de 2023

Coisar

 




 Rodolfo Pamplona Filho


Coisa as coisas

para não deixar de coisar

o que precisa ser coisado.

 

Oceano Atlântico, 12 de janeiro de 2023.


segunda-feira, 6 de março de 2023

Valentina

 


Ney Pimenta


Valentina acordou cedo, o que não era qualquer novidade. Diferente era aquela sensação de angústia. Levou um tempo para compreender e, só depois do café reforçado que fez para Valteir é que se deu conta... Nove meses. "Dava um filho", pensou. Estava sem receber seu salário há tanto tempo que já se acostumara. Mas naquele dia, não. Pensou no marido, se esforçando nas vendas da concessionária, pensou no casal de filhos cujas roupas começavam a puir pela falta de novas e resolveu que ia tomar uma atitude, Ah! se não ia! Era o fim e ela tinha cabelo nas ventas. Não deixava nada barato. 


Correu para a escola em que trabalhava e começou a conversar com todos. Tinham de fazer algo. 


Ao longe, alguém a observava sem que ela percebesse. Meia hora depois, um milico todo engalanado entrou e acabou com tudo... "olhem, moças, vocês vão ter que parar com essa reunião, senão, infelizmente, vou ter que prender todo mundo". Ficou com raiva. Olhou fundo nos olhos dele, mas enxergou, como sempre, mais longe na alma do sujeito. Fazia o que lhe mandavam, não era por vontade própria...


Se apiedou do homem. 


E foi lutar em outra frente.





domingo, 5 de março de 2023

O Melhor Amigo

 




Rodolfo Pamplona Filho


O melhor amigo

que a vida me proporcionou

não foi um ilustre doutor,

nem um circunspecto senhor.

 

O melhor amigo

que o tempo me mostrou

não foi um romântico amor,

nem algum colega de voo.

 

O melhor amigo

que o sofrimento me revelou

não foi um padre ou pastor,

nem um médico salvador.

 

O melhor amigo

que a vida me deu

foi o único que sempre me entendeu,

aquele que nunca esmoreceu,

a verdadeira força do coração,

o meu cachorro Tchuchucão.

 

Salvador, 11 de janeiro de 2023.


sábado, 4 de março de 2023

Poesia e vida

 



Vinicius de Moraes



A lua projetava o seu perfil azul

Sobre os velhos arabescos das flores calmas

A pequena varanda era como o ninho futuro

E as ramadas escorriam gotas que não havia.

Na rua ignorada anjos brincavam de roda…

- Ninguém sabia, mas nós estávamos ali.

Só os perfumes teciam a renda da tristeza

Porque as corolas eram alegres como frutos

E uma inocente pintura brotava do desenho das cores

Eu me pus a sonhar o poema da hora.

E, talvez ao olhar meu rosto exasperado

Pela ânsia de te ter tão vagamente amiga

Talvez ao pressentir na carne misteriosa

A germinação estranha do meu indizível apelo

Ouvi bruscamente a claridade do teu riso

Num gorjeio de gorgulhos de água enluarada.

E ele era tão belo, tão mais belo do que a noite

Tão mais doce que o mel dourado dos teus olhos

Que ao vê-lo trilar sobre os teus dentes como um címbalo

E se escorrer sobre os teus lábios como um suco

E marulhar entre os teus seios como uma onda

Eu chorei docemente na concha de minhas mãos vazias

De que me tivesses possuído antes do amor.


sexta-feira, 3 de março de 2023

Santa Ceia

 




Comunhão é comer junto

Companheiro é quem

compartilha o pão

A mais linda missão

de toda a humanidade

é aprender a viver

a solidariedade!

E não há espaço melhor

para tratar o próximo como irmão

do que, no dividir a mesa,

em uma refeição,

na plenitude da certeza

de que o amor é a solução.

 

Salvador, 10 de janeiro de 2023.


quinta-feira, 2 de março de 2023

Lágrimas de gás

 




Jairo Vianna Ramos



Quando saí da Candelária, ao meio daqueles milhares de gente, eu não a havia notado. Nem sabia muito bem por que e o quê se protestava. Eu nunca apanho ônibus, moro no centro, perto do trabalho, e raramente saio das imediações. Quando o faço, pego um táxi. Mas havia uma gota d'água inexplicavelmente derramada na minha cabeça. Eu protestava contra a mentira. Deveria ser crime hediondo mentir, com reserva para ficcionistas, poetas, letristas e toda essa gente criativa, mentirosos do bem e do belo. Havia uma flagrante dissonância nos cartazes, faixas e dizeres à minha volta. Uma dissonância harmônica, contudo. Maldisse a falta de ideia de escrever um cartaz de "abaixo a mentira", ou mesmo "criminalizem a mentira". Segui a passeata gritando meu slogan inutilmente, decerto, porque outras muitas reivindicações eram feitas por grupos de forma mais contundente.

Entramos na Avenida Rio Branco, a grande reta, palco de muitos carnavais e protestos. Ali se deu, em 1968, em plena ditadura militar, nos anos de chumbo, uma passeata de cem mil pessoas. No ar daquele junho distante, o cheiro da morte de Edson Luiz, o estudante do calabouço. Agora, as balas são de borracha, pensei um pouco aliviado, ao menos por enquanto são diferentes do chumbo da época do meu pai. Passávamos pela esquina da Rua da Alfândega quando a avistei. Uma moça comum, vestida de camiseta com o logotipo da campanha do combate ao câncer de mama, calça jeans e tênis. Cabelos cortados na altura do início dos ombros. Ela dizia palavras de ordem e para isso cultivava duas rugas na testa, que pareciam acompanhar o desenho do nariz. Marcavam-se covinhas em suas bochechas. Achei-a magra. Mas no todo era bonita, embora longe dos estereótipos da modelo ou da gostosa. Irradiava uma energia que eu sentia naquela distância, a de um passo lateral, se muito. Pisávamos o asfalto. Por um momento, eu me esqueci do motivo da minha participação naquilo tudo, porque só pensava nela e, logo depois, era como se só ela existisse. Os milhares de manifestantes se desvaneceram. Passamos pela esquina da Rua do Rosário e depois a da Rua do Ouvidor, e eu surdo. Pensei que seria um péssimo ouvidor. Toda atenção à moça das rugas e covinhas. Ao passarmos pela Rua São José, ali perto da Praça Mario Lago, pensei no grande artista e me convenci de que ele estaria conosco, se vivo fosse. Mas também pensei no amor e olhei para a moça, e lhe segurei a mão. Ela me olhou assustada por um instante, mas logo sorriu com sumiço das rugas e aumento das covinhas. E nossas mãos ficaram coladas por alguma energia somente explicável na poesia. Chegamos à Cinelândia. Ocorreu um não se sabe o quê. O movimento agora estático. Qual seria o próximo passo? Cantavam-se músicas e gritavam-se palavras de ordem. Nossas mãos unidas. Nem sei quanto tempo ficamos assim, de mãos dadas e olhares perdidos. Súbito o estrondo. Outro. A fumaça. Apertei a mão da moça com mais vigor. Ela se virou e nos beijamos. Na bruma, o beijo infindável. Sugávamos a ternura e chorávamos lágrimas de gás.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Crise no Cruzeiro

 


Rodolfo Pamplona Filho


Onde se espera romance,

acha-se outro lance

Quando se espera curtir,

só se faz discutir

Quem consegue se estressar

no momento de relaxar

só acha razão

em sua convicção.

Quem consegue brigar

no meio do mar

vai a paz encontrar

em nenhum lugar.

 

Oceano Atlântico, 11 de janeiro de 2023.