sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Por que Poesia?






Rodolfo Pamplona Filho


Não se vive sem ar,

água e comida.

Mas andar sem poesia

é manter o corpo aquecido

de forma artificial.


A poesia é o que nos difere

de um animal irracional,

embora ele também possa

inspirar poesia,

ainda que sem saber.


A poesia transforma

o efêmero em eterno,

o instante em contínuo

e o fugaz em imortal.


Não me deseje o mal,

nem queira me tolher:

privar-me da poesia

é assassinar silenciosamente

meu desejo de viver.


No vôo para Orlando, 01 de janeiro de 2019.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Certeza

 






Octavio Paz


Se é real a luz branca

desta lâmpada, real

a mão que escreve, são reais

os olhos que olham o escrito?


Duma palavra à outra

o que digo desvanece-se.

Sei que estou vivo

entre dois parênteses.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Egoísta ou Altruísta






Rodolfo Pamplona Filho


Ser altruísta é bom,

pois pensar no outro ajuda

a resolver os problemas do coletivo


Ser altruísta é importante,

pois tratar somente em si

pode destruir a humanidade


Ser altruísta é valoroso,

pois achar quem cuida de outrem

traz exemplos que edificam


Mas não dá para ser só altruísta,

pois esquecer de sua felicidade

é condenar-se ao sofrimento.


Mas não dá para ser só altruísta,

pois não realizar seus desejos

é chafurdar na frustração.


Mas não dá para ser só altruísta,

pois não se preocupar também consigo

é o início de sua própria anulação.


Salvador, 20 de julho de 2018.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A Flor e a Náusea

 





Carlos Drummond de Andrade


Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias, espreitam-me.

Devo seguir até o enjoo?

Posso, sem armas, revoltar-me?


Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.


Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.


Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem.


Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.


Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.


Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.


Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.


Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Tudo de mim

 





Rodolfo Pamplona Filho


Quero viver com você!

Se já vivo,

quero viver mais:

Mais perto

Mais tempo

Mais quente

Mais vivo


Você merece o que há de bom!

Se já tem,

Quero dar tudo:

Tudo de vivo

Tudo de delicado

Tudo de romântico

Tudo de intenso

Tudo de mim!


Salvador, 10 de março de 2018.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Uma certa arte

 






Elizabeth Bishop


(tradução de Nelson Ascher)


A arte da perda é fácil de estudar:

a perda, a tantas coisas, é latente

que perdê-las nem chega a ser azar.


Perde algo a cada dia. Deixa estar:

percam-se a chave, o tempo inutilmente.

A arte da perda é fácil de abarcar.


Perde-se mais e melhor. Nome ou lugar,

destino que talvez tinhas em mente

para a viagem. Nem isto é mesmo azar.


Perdi o relógio de mamãe. E um lar

dos três que tive, o (quase) mais recente.

A arte da perda é fácil de apurar.


Duas cidades lindas. Mais: um par

de rios, uns reinos meus, um continente.

Perdi-os, mas não foi um grande azar.


Mesmo perder-te (a voz jocosa, um ar

que eu amo), isso tampouco me desmente.

A arte da perda é fácil, apesar

de parecer (Anota!) um grande azar.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Ego e Alma

 





Rodolfo Pamplona Filho


Ser importante é do Ego

Ser feliz é da alma

Ser valorizado é do Ego

Realizar-se é da alma

Ter títulos é do Ego

Saber é da alma

Ser lembrado é do Ego

Fazer é da alma

Ser reconhecido é do Ego

Ter amigos é da alma

Ser casca é do Ego

Ser essência é da alma


Salvador, 21 de julho de 2018.