sábado, 17 de dezembro de 2011

PÔR-DO-SOL

PÔR-DO-SOL

Marta Torres


São cinco e quinze da tarde
É verão no hemisfério sul
Dia sem chuva, como a previsão do tempo anunciara
Dirijo-me à praia
Vai começar o espetáculo diário e irrepetível

Sento na areia clara, fina, acolhedora
Tão macia que parece uma almofada
Vejo as marcas deixadas por tantos peregrinos
Quantas histórias carregam aqueles pés!
Quantos caminhos passados ou fincados!

À minha direita jangadas regressando
Algumas carregam cestos repletos de peixes
ou vêm vazias, cheias da poluição
Outras trazem turistas deslumbrados com os corais
Piscinas de rochas e plantas que,
no meio do mar,
Atraem desde o quieto ouriço ao ouriçado estrangeiro.

Trabalhadores se ajudam a levantar a canoa
Numa solidariedade e cooperação utopianas
Semblantes de pessoas de bem
Simples, cansados de um dia de muito labor
Que curtem o relaxar de um cigarro
Cujo cheiro ilícito o policial fingiu não perceber


Voltei a prestar atenção ao bairro nobre, à minha esquerda
Protegido por uma barragem de pedras
que tenta conter o mar rebelde
(este adolescente revoltado com seu desvio de percurso natural)
Os bares da orla, cheios de conversa, risos anedotas
São também retratos de solidão e de um certo vácuo mental
Na pista carros
novos, velhos
Quase na hora de ascender seus faróis e chegar finalmente em casa.

Ouço os sons da feirinha de artesanato a minhas costas
Música brega, popular, barulhenta
Combinação de ritmos para entreter e distrair
ocupando a mente de quem tem tanto problema pra esquecer
(mas tem animação pra dar e vender, é verdade!)

Volto a observar o cenário
Só que o sol está do outro lado
Escondendo-se por trás da cidade
Se Colombo não tivesse me dito
Da Pajuçara eu advinharia que a Terra é redonda
E se eu fosse um planeta também passaria minha vida
procurando estar sempre girando em torno
dessa estrela radiante e candente.
Galileu estava certo. Certíssimo.

O céu está limpo
Em tonalidades de azul que se modificam e se mesclam
Numa regra que só os gênios poderiam tentar explicar
Mas nem Van Gogh poderia retratar tão singular combinação.

Seria um quadro até simples
Não fosse pelo detalhe logo acima do mar
O Pintor deixou escorregar o pincel
E traçou uma linha laranja, vermelha, amarelada
Uma mistura de cores saídas do nada
Colorindo uma nuvem que seria branca
No entanto, esse raio de sol teimoso apareceu
e, mesmo do outro lado de seu dono,
clareou o que já era pra estar escuro.

Levanto-me e vou sentir a água do mar
morna, de ondas calmas e preguiçosas
O brilho do céu refletindo no espelho cristalino
Uma magia de cores ainda mais perfeita e indescritível

Sinto a brisa fria em meu rosto
Solto os cabelos para que o vento os acaricie
Não escuto mais a música
Nem os carros
Nem os pescadores
Nem as pessoas do bar
Só o som do oceano e o vai-e-vem das ondas
Eu, a imensidão do horizonte à minha frente,
e meu pensamento em você.



(2005)

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