sábado, 7 de janeiro de 2012

Somos desonestos - João Ubaldo

João Ubaldo Ribeiro - O Estado de S.Paulo

Sempre se tem cuidado com generalizações, para não atingir os que não se enquadram nelas. Às vezes o sujeito odeia indiscriminadamente toda uma categoria, mas, ao falar nela e, principalmente, ao escrever, abre lugar para as exceções, os "não-são-todos" e ressalvas hipócritas sortidas. Outros recorrem a gracinhas, como na frase do antigamente famoso escritor Pitigrilli, segundo a qual "as únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor". No caso presente, decidi que as generalizações feitas hoje excluem todos os leitores, a não ser, evidentemente, os que desejem incluir-se - longe de mim contribuir para aumentar nossa tão falada legião de excluídos.

Antigamente, era muito comum ler ensaios e artigos escritos por brasileiros em que nós éramos tratados na terceira pessoa: o brasileiro é assim ou assado, gosta disso e não gosta daquilo. Em relação a maus hábitos então, a terceira pessoa era a única empregada. O autor do artigo escrevia como se ele mesmo não fizesse parte do povo cuja conduta lamentava. Até mesmo nas conversas de botequim, durante as habituais análises da conjuntura nacional, o comum era (ainda é um pouco, acho que o boteco é mais conservador que a academia) o brasileiro ser descrito como uma espécie de ser à parte, um fenômeno do qual éramos apenas espectadores ou vítimas. Eu não. Talvez, há muito tempo, eu tenha escrito dessa forma, mas devo ter logo compreendido sua falsidade e passei a me ver como parte da realidade criticada. Individualmente, posso não fazer muitas coisas que outros fazem, mas não serei arrogante ou pretensioso, vendo os brasileiros como "eles". Não são "eles", somos nós.
Creio que, feita a exceção dos leitores e esclarecido que estou falando em nós e não em inexistentes "eles", posso expor a opinião de que fica cada vez mais difícil não reconhecer, vamos e venhamos, que somos um povo desonesto. Não conheço as estatísticas de países comparáveis ao nosso e, além disso, nossas estatísticas são muito pouco dignas de confiança. Mas não estou preparando uma tese de mestrado sobre o problema e não tenho obrigação metodológica nenhuma, a não ser a de não falsear intencionalmente os fatos a que aludo e que vem das informações e impressões a que praticamente todos nós estamos expostos.
Claro, choverão explicações para a desonestidade que vemos, principalmente nos tempos que atravessamos, em que a impressão que se tem é de que ninguém é mais culpado ou responsável por nada. Há sempre fatores exógenos que determinaram uma ação desonesta ou delituosa. E, de fato, se é assim, não se pode fazer nada quanto à má conduta, a não ser dedicar todo o tempo a combater suas "causas". Essas causas são todas discutíveis e mais ainda o determinismo de quem as invoca, que praticamente exclui a responsabilidade individual. E, causa ou não causa, não se pode deixar de observar como, além de desonestos, ficamos cínicos e apáticos. Contanto que algo não nos atinja diretamente, pior para quem foi atingido.
Ninguém se espanta ou discute, quando se fala que determinado político é ladrão. Já nos acostumamos, faz parte de nossa realidade, não tem jeito. Alguns desses ladrões são até simpáticos e tratados de uma forma que não vemos como cúmplice, mas como, talvez, brasileiramente afetuosa. Votamos nele e perdoamos alegremente seus pecados, pois, afinal, ele rouba, mas tem suas qualidades. E quem não rouba? Por que todo mundo já se acostumou a que, depois de uma carreira política de uns dez anos, todos estão mais gordinhos e com o patrimônio às vezes consideravelmente ampliado? Como é que isso acontece rotineiramente com prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, ministros e quem mais ocupe cargo público?
Os políticos, já dissemos eu e outros, não são marcianos, não vieram de outra galáxia. São como nós, têm a mesma história comum, vieram, enfim, do mesmo lugar que os outros brasileiros. Por conseguinte, somos nós. Assim como o policial safado que toma dinheiro para não multar - safado ele que toma, safados nós, que damos. Assim como o parlamentar que, ao empossar-se, cobre-se de privilégios nababescos, sem comparação a país algum.
Em todos os órgãos públicos, ao que parece aos olhos já entorpecidos dos que leem ou assistem às notícias, se desencavam, todo dia, escândalos de corrupção, prevaricação, desvio de verbas, estelionato, tráfico de influência, negligência criminosa e o que mais se possa imaginar de trambique ou falcatrua. E em seguida assistimos à ridícula, com perdão da má palavra, microprisão até de "suspeitos" confessos ou flagrados. A esse ritual da microprisão (ou nanoprisão, talvez, considerando a duração de algumas delas) segue-se o ritual de soltura, até mesmo de "suspeitos" confessos ou flagrados. E que fim levam esses inquéritos e processos ninguém sabe, até porque tanto abundam que sufocam a memória e desafiam a enumeração.
Manda a experiência achar que não levam fim nenhum, fica tudo por isso mesmo, porque faz parte do padrão com que nos domesticaram (taí, povo domesticado, gostei, somos também um povo muito bem domesticado) saber que poderoso nenhum vai em cana. E é claro que, por mais que negue isso com lindas manifestações de intenção e garantias de sigilo (como se aqui, de contas bancárias de caseiros a declarações de imposto de renda, algo do interesse de quem pode ficasse mesmo sigiloso), essa ideia de esconder os preços das obras da Copa tem toda a pinta de que é mais uma armação para meter a mão em mais dinheiro, com mais tranquilidade. Ou seja, é para roubar mesmo e não há o que fazer, tanto assim que não fazemos. Acho que é uma questão cultural, nós somos desse jeito mesmo, ladravazes por formação e tradição.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

E Rufam os Tambores...

E Rufam os Tambores...

Tum-tum, tum-tum, tum-tum
Não consigo dormir
Tum-tum-tum-tum-tum-tum
Aguenta coração!!!!

Não, não tenho medo de voar
Tudo pode acontecer.
C'est la vie.

Eu tenho medo de chorar.
Muito medo de chorar.
Por isso sempre tenho lenços em meus bolsos...
Dinheiro? Não. Lembretes? Não.
Lenços. Muitos lenços.
Para que ninguém se entristeça ao ver correr lágrimas de meus olhos.

Até hoje (amanhã, com certeza aprenderei) não soube explicar a niguém que as lágrimas são causadas por outro medo
Que não é de voar. Não, não é de voar.
É o medo de ser eternamente feliz
Ainda que por um único instante
E chorando. Sorrindo e chorando.
Só consigo ser feliz se eu chorar,
Compulsiva e apaixonadamente.

A vida é feita de segundos preciosos...
Amanhã, o meu tempo vai parar. Stop. Senhoras e senhores, bem-vindo a BH...
E a minha lágrima ficará suspensa no ar, esperando o medo escoar, lentamente, v-a-g-a-r-o-s-a-m-e-n-t-e.


José Antonio, 17.3.2011
Em terra, mas voando (sorrindo e chorando)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

dois dedinhu di prosa

 Tardi, Dotô.
Boa tarde. Sente-se.
- Careci não. Ficu di pé, memo.
- Sente-se para eu poder examinar.
- O Dotô é quem manda.
- Mas fale-me. O que está acontecendo?
- Ai, Dotô! Mi dá umas dor di veiz in quandu.
- Que dor?
- Aqui, óia. Nu estromagu. Beeem lá nu fundinhu.
- Forte?
- As veiz. Trasveiz é anssim ó, di mansinhu.
- E o que você faz?
- Tem veiz que eu cantu. Trasveiz eu vô pra cunzinha fazê um bolu.
- Tem outra dor?
- Tenhu, sim, Dotô. Aqui, ó. Pertu dus óio.
- E essa é forte?
- Também é forte não. Quandu ela dá eu cunversu cas vizinhas I passa.
- Outra?
- Tenho sim senhô. Aqui. Anssim, nu meio das custela, pareci nu coração. Dá uns apertu aqui, ó.
- E você faz o que?
- Tem veiz qui eu choru. Trasveiz eu ficu anssim, muitu da queta pra vê si passa.
- E passa?
- As veiz. Trasveiz eu vô pra pracinha. Lá eu sentu num bancu vê as criança brincá prá esperá passá.
- Você mora com alguém?
- Moru não, Dotô. Sô sunzinha nessi mundão di Deus.
- Não tem família?
- Aqui tenhu não. Minha famia é todinha du interiô du sertão, pertinhu de Urandi, lá quasi Im Minas. I vim sunzinha pra Sum Paulu tentá a vida.
- E você faz o que?
- Óia, Dotô. Eu já fiz um cadinhu di tudu nessa vida.
Já trabaiei numa firma di limpeza, já cuidei di criança. Já trabaiei numa casa di genti rica.
Agora eu trabaio cuma mocinha qui mais viaja qui fica Im casa.
Ela avua num avião di dia I di noiti. Aí eu ficu sunzinha.
- Você mora com ela?
- Moru sim, Dotô. Ela dexa eu drumi num quartinhu lá nus fundu da casa.
- Sabe cozinhar?
- Oxa is não! Cunzinhu muitu du bem! Coisa mais simpres anssim I
Coisa mais di genti chiqui.
- Gosta de crianças?
- Ô, seu Dotô. É as criaturinha mais anjinha qui Deus botô nu mundu!
- Qual o seu nome mesmo?
- Óia, Dotô. Eu num gostu muitu, mas a modi agrada a santa, minha mainha botô Crara.
- Dona Clara. Eu sei o que a senhora tem.
- Comu anssim, si o Dotô nem incostô im mim?
- O QUE A SENHORA TEM DONA CLARA, CHAMA-SE SOLIDÃO E É A CAUSADORA DE TODA ESSA TRISTEZA.
- I issu mata, Dotô?
- Ás vezes, sim. Mas, no seu caso bastam amigos, alguns remédios e um pouco de carinho. Dona Clara. Vai parecer estranho e nem eu mesmo entendo porque estou fazendo isso, Mas minha esposa está grávida e nosso segundo filho é para o mês que vem. Já temos uma menina. E até hoje é minha esposa que cuida de tudo. Porém, com o bebê pequeno precisamos de alguém que cuide da casa.
Que tal ficar conosco?
- Oxa si não! Óia, Dotô. Nunca fizeram issu pur mim não. Vixe!
Vai sê coisa muitu da boa ficá cum oceis. I careci di morá lá, Dotô?
- Sim. Temos um quarto vago, no apartamento. Podemos tentar por uns meses.O que acha?
- Dotô. É Anssim como tê famia, né?
- Quase.
- Dotô. Eu num vô mais sê sunzinha. Vixe! Deus lhi pague, Dotô, a modi qui carinhu anssim, nem mainha mi dava.
- Vamos testar. Combinado?
- Cumbinadu. Dotô. Careci di eu fazê uma pregunta. Eu num vô mais senti essas dor?
- Vamos combinar uma coisa ? O dia que sentir essa dor você me procura.
- Prá modi Du senhô mi inxaminá?
- Não. Prá modi nóis trocá " dois dedinhu di prosa."
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MAIS DE 400 MILHÕES DE PESSOAS NO MUNDO SOFREM DE DEPRESSÃO.
A MAIORIA DOS PACIENTES DEPRIMIDOS QUE NÃO É TRATADA IRÁ TENTAR SUICÍDIO
PELO MENOS UMA VEZ E 17% DELES CONSEGUEM SE MATAR.
COM O TRATAMENTO CORRETO, 70% A 90% DOS PACIENTES RECUPERAM-SE DA DEPRESSÃO.
APROXIMADAMENTE 2/3 DAS PESSOAS COM DEPRESSÃO NÃO FAZEM TRATAMENTO E DOS PACIENTES QUE PROCURAM O CLÍNICO GERAL APENAS 50% SÃO DIAGNOSTICADOS CORRETAMENTE.
SEGUNDO O ÚLTIMO RELATÓRIO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE A DEPRESSÃO É MAIS COMUM NO SEXO FEMININO

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Saindo do Armário


Saindo do Armário

Rodolfo Pamplona Filho

Não é fácil
assumir o que se é,
o que se pensa
e o que se quer.
É preciso
ter coragem
para saber a abordagem
a se fazer a cada momento.
Desnudar-se,
mostrar ao mundo
a sua efetiva proposta,
não escondendo sua resposta.
É muito mais
do que um gosto,
um desejo
ou uma opção:
é descobrir sua essência,
sua alma ou
sua vocação.
Sair do armário
é mais que uma metáfora:
é tirar a sua máscara
e revelar qual a canção
que embala seu coração.

Salvador, 29 de julho de 2011.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Quino, o cartunista argentino autor da Mafalda

Quino, o cartunista argentino autor da Mafalda, desiludido com o rumo deste século no que diz respeito a valores e educação, deixou impresso no cartum o seu sentimento:
 

 
A genialidade do artista faz uma das melhores críticas sobre a criação de filhos (e educação) nos tempos atuais.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Despedida do trema

Despedida do trema
Despedida do trema
Criatividade da Língua Portuguesa!...
É uma tremenda aula de criatividade e bom humor, por sinal, com acentuada inteligência.
Despedida do TREMA
Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema.Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüiféros, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüentas anos.
Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!...
O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disse que  sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé.
Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K, o W "Kkk" pra cá, "www" pra lá.
Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!...
Nos vemos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história.
Adeus,
Trema.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Escapulindo para ser Feliz

Escapulindo para ser Feliz

Darci HF

Quero dirigir 400 quilômetros,
só para me sentir feliz...
Quero fazer novo cálculo
na rota da vida outrora infeliz...

Não me importo em conhecer
novas Mariazinha's no caminho...
Nem mesmo com T. a bordo,
eu me sentirei novamente sozinho...

Ainda que me advirtam:
Não vá se apaixonar!
Eu adorei tudo isto aí...
E jamais vou me cansar...

Na sensual maratona,
você me quebrou...
de tanto romper os recordes
de não parar de fazer amor...

Mudar sempre a programação,
pois não basta ser marido...
É preciso carregar nas costas,
como se não houvesse perigo..

Se o FBI e a CIA perdem
na produção para o encontro,
eu quero minha Artista Internacional,
para qual já estou pronto...

E aí?
O que fazer?
Dizer ok?
Se tem ensaio.
eu prefiro voar,
pois eu te amo!

Praia do Forte, 01 de janeiro de 2011.