sábado, 1 de setembro de 2012

Leia trecho do livro O Amor Esquece de Começar, de Fabrício Carpinejar


Leia trecho do livro O Amor Esquece de Começar, de Fabrício Carpinejar
Não conheço algo mais irritante do que dar um tempo, para quem pede e para quem recebe. O casal lembra um amontoado de papéis colados. Papéis presos.

Tentar desdobrar uma carta molhada é difícil. Ela rasga nos vincos. Tentar sair de um passado sem arranhar é tão difícil quanto. Vai rasgar de qualquer jeito, porque envolve expectativa e uma boa dose de suspense.

Os pratos vão quebrar, haverá choro, dor de cotovelo, ciúme, inveja, ódio. É natural explodir. Não é possível arrumar a gravata ou pintar o rosto quando se briga. Não se fica bonito, o rosto incha com ou sem lágrimas.

Dar um tempo é se reprimir, supor que se sai e se entra em uma vida com indiferença, sem levar ou deixar algo.

Dar um tempo é uma invenção fácil para não sofrer. Mas dar um tempo faz sofrer, pois não se diz a verdade.

Dar um tempo é igual a praguejar "desapareça da minha frente". É despejar, escorraçar, dispensar. Nã o há delicadeza. Aspira ao cinismo. É um jeito educado de faltar com a educação.

Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes.

Quando se dá um tempo é que não há mais tempo para dar, já se gastou o tempo com a possibilidade de um novo romance. Só se dá um tempo para avisar que o tempo acabou. E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo.

Quem conta beijos e olha o relógio insistentemente não está vivo para dar tempo. Deveria dar distância; tempo, não. Tempo se consome, acaba, não é mercadoria, não é corpo. Tempo esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que sobrou de seu vôo.
Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola. Odeia ser enganado com sinônimos e atenuantes. Odeia ser abafado, sonegado, traído por um termo. Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo.

Dar um tempo é uma ilusão que não será promovida a esperança. Dar um tempo é tirar o tempo.

Dar um tempo é fingido. Melhor a clareza do que os modos.

Dar um tempo é covardia, é para quem não tem coragem de se despedir.

Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus.

Dar um tempo não significa nada e é justamente o nada que dói.

Resumir a relação a um ato mecânico dói. Todos dão um tempo e ninguém pretende ser igual a todos nessa hora. Espera-se algo que escape do lugar-comum. Uma frase honesta, autêntica, sublime, ainda que triste.

Não se pode dar um tempo, não existe mais convergência de tempo entre os dois.
Dar um tempo é roubar o tempo que foi. Convencionou-se como forma de sair da relação limpo e de banho lavado, sem sinais de violência.

Ora, não há maior violência do que dar um tempo. É mandar matar e acreditar que não se sujou as mãos. É compatível em maldade com "quero continuar sendo seu amigo".

O que se adia não será cumprido depois.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Quebra-Cabeça da Vida

Quebra-Cabeça da Vida

Rodolfo Pamplona Filho

Sabe quando sua vida quer seguir
e parece continuar sempre igual,
mas você não para de sentir
que o ambiente está mal?

Você já se pegou pensando
que alguma coisa se quebrou,
que um pedaço está faltando
ou o ânimo o abandonou?

Sabe quando você tem
um grande quebra-cabeça
e, um dia, resolve montá-lo,
mas percebe que, infelizmente,
uma peça se perdeu?

Você fica triste,
mas, mesmo assim,
continua a guardá-lo,
na esperança de lembrar
onde está a peça ausente...

Até o dia em que,
depois de algum tempo,
você o pega novamente
para monta-lo inteiramente.

Só que sua visão,
quando reparar na parte omissa,
será completamente diferente,
nesta nova tentativa!

Por que não dá-lo a outra pessoa,
não para se livrar dele,
mas porque há quem
não se afete com a falta?

Sim, pois o desafio de montar
tudo aquilo que sobrou
(e sobrou muito mesmo...)
ainda vale a pena para alguém...
Salvador, 11 de outubro de 2011.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

LUTO DA FAMÍLIA SILVA

 
LUTO DA FAMÍLIA SILVA
 
Assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos" do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise.

João da Silva - Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os Joões da silva. Nós somos os populares Joões da Silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome de Tal". A família Silva e a família “de Tal" são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família. Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva.

João da Silva - Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho - vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mata, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz as bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.

Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política...
 
in 50 Crônicas Escolhidas, Rubem Braga.
 

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ritmos do Amor

Ritmos do Amor

Rodolfo Pamplona Filho

Um coração elegante e maduro
parece chorar em silêncio...
como um violino antigo e duro
que se calou em um momento tenso,

mas também pode ser latino,
doendo ruidoso, aos gritos,
ao som de um bolero argentino
ou de um tango de gardel, infinito...

a tristeza pode vir mansinha,
meio bossa nova ou rock and roll...
pode nem saber onde estou

mas vai procurar sua casinha,
batucando para superar toda dor
nos múltiplos ritmos do amor...

Congonhas, na conexão de Cuiabá para Salvador, 30 de outubro de 2011.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Fígado

Fígado



Memórias de um presente que não passa
Tento seguir em linha reta para o outro ponto
mas me perco nos labirintos que criei

Monstros do meu próprio ser acompanham-me em todo amanhecer
Convivas desocupados!
Por que não se perdem no caminho que me encontro

Gostaria que
nas penas do poeta
a tinta fosse cor de nuvem
Moldando-se como o vento de novos tempos
Formando figuras geométricas
capazes de professar
de ensinar
Como caminhar

Vento
Minha esperança é que tu venhas
Que passe e mova as penugens do sofrimento
Que leve a dor e traga
E traga …



                                                                 Salvador, 17 de outubro de 2011

                                                                                                                 Felipe de Queiro Villarroel

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Soneto da Falta de Inspiração

Soneto da Falta de Inspiração

Rodolfo Pamplona Filho

Algumas vezes, tenho vontade,
quase uma visceral necessidade
de colocar no papel ou no teclado
idéias que pululam em meu telhado,

mas, por alguma  inexplicável,
fico completamente instável
e não consigo realmente traduzir
em palavras o que quero exprimir...

talvez seja uma crise temporária
ou mesmo o inicio da decadência,
mas o certo é que toda essência,

independentemente da faixa etária,
precisa exercitar firme a razão
para superar a falta de Inspiração.

Congonhas, na conexão de Cuiabá para Salvador, 30 de outubro de 2011.

domingo, 26 de agosto de 2012

Encaixe

Encaixe
Beatriz A.M.

O corpo dele encaixa no meu à perfeição, enamorado.
E contra o que namora, todas as argumentações são vãs.

O corpo dele no meu, bem junto, pesado,
em cima, lá dentro, no fundo, afãs

de mãos e bocas e línguas, enrolados
de gostos, líquidos, cheiros e avelãs

E quando a gente termina e se abraça, saciados
Eu só desejo com ele muito, muito mais amanhãs...