quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Depoimento de um Malandro (1950)



  “Seu doutor, o patuá é o seguinte: Depois de um gêlo da coitadinha resolvi esquinar e caçar uma outra cabrocha que preparasse a marmita e amarrotasse o meu linho no sabão. Quando bordejava pelas vias, abasteci a caveira e troquei por centavos um embrulhador. Quando então vi as novas do embrulhador, plantado com um poste bem na quebrada da rua, veio uma pára-quedas se abrindo, eu dei a dica, ela bolou, eu fiz a pista, colei; solei, ela aí bronqueou, eu chutei, bronqueou mas foi na despista, porque, muito vivaldina, tinha se adernado e visto que o cargueiro estava lhe comboiando.

Morando na jogada, o Zezinho aqui ficou ao largo e viu quando o cargueiro jogou a amarração dando a maior sugesta na recortada. Manobrei e procurei ingrupir o pagante, mas, sem esperar, recebi um cataplum no pé do ouvido. Aí dei-lhe um bico com o pisante na altura da dobradiça, uma muqueada nos mordedores e taquei-lhe os dois pés na caixa de mudança pondo-o por terra. Ele se coçou, sacou a máquina e queimou duas espoletas. Papai, muito esperto, virou pulga e fêz a duquerque, pois o vermelho não combina com a côr do meu linho. Durante o boogi, uns e outros me disseram que o sueco era tira e que iria me fechar o paletó. Não tenho vocação para presunto e corri.

Peguei uma borracha grande e saltei no fim do carretel, bem no vazio da Lapa, precisamente às 15 para a côr-da-rosa. Como desde a matina não tinha engolido a gordura, o roque do meu pandeiro estava sugerindo sarro. Entrei no china-pau e pedi um boi a mossoró com confeti de casamento e uma barriguda bem morta. Engoli a gororoba e como o meu era nenhum, pedi ao caixa prá botá na pindura que depois eu iria esquentar aquela fria.

Ia pirar quando o sueco apareceu. Dizendo que eu era produto do Mangue, foi direto ao médico-legal para me escolachar. Eu sou preto mas não sou Gato Félix, me queimei e puxei a solingea. Fiz uma avenida na epiderme do môço. Êle virou logo América. Aproveitei a confusa para me pirar mas um dedo-duro me apontou aos xifópagos e por isto estou aqui.


(Fonte: Correio da Manhã -. Rio de Janeiro - década de 1950)

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