sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Grande Marquinhos!

 
Grande Marquinhos!

Por Antonio Prata

Fonte: http://vip.abril.com.br/blogs/saideira/2010/11/02/grande-marquinhos/

Agradeço à bebida, sobretudo, pela forma como ela facilita as relações sociais. Nesses 30 dias a seco, fui a um lançamento de livro e duas festas. Descobri como é difícil, sem o auxílio glorioso de duas doses,

estabelecer uma conversa minimamente sustentável com gente com quem você não tem intimidade.

Interagir socialmente sem álcool é como acender a churrasqueira sem álcool: o papo não pega, você tem que ficar assoprando e abanando a brasa, para ver se a coisa esquenta. Não esquenta. E por quê?

Porque a lucidez é maligna. Sóbrio, você tem o tempo todo a consciência de que aquela conversa é só fachada, de que nem você nem a pessoa diante de si têm interesse em saber nada um do outro, de que só estão perguntando como está o trabalho e se têm visto a Juliana ou o Marquinhos (Marquinhos? Você não se lembra de nenhum Marquinhos?) porque estudaram juntos em 1993 ou calharam de

estar na mesma praia, em Ubatuba, em algum réveillon do século 20. E o que o álcool faz, na conversa?

O mesmo que no carvão: cria chama sem calor, produz interesse genuíno onde, em sua ausência, haveria descaso. O cara te explica que se formou em veterinária e trabalha com zebu, em Uberlândia, você diz, ?Zebu, genial!?, e começa a fazer perguntas. Quando vê, estão conversando animadamente sobre a corcova do boi, e você fica felicíssimo ao descobrir que é dali que vem o cupim, e que a carne chama cupim porque o calombo parece um cupinzeiro. Dez minutos depois, está convencido de que o sujeito é uma pessoa maravilhosa, que vocês têm que se ver mais, talvez até realugar a casa de Ubatuba para o próximo réveillon. Vocês trocam telefones e e-mails, dizem que se verão novamente em breve, e farão um cupim com manteiga, no alumínio, ou uma paleta de cordeiro. Você fala para ele chamar a Juliana, ele diz que levará também o Marquinhos, que ficará feliz em saber do encontro.

(Quem diabos será o Marquinhos, meu Deus?!)

É claro que nada disso acontecerá. Toda aquela animação só existiu porque estavam meio bêbados, mas e daí? Pelo menos se divertiram, durante cinco ou dez minutos, batendo um papo numa varanda ou

na fila do banheiro. No final, a vida é isso: talvez haja meia dúzia de momentos retumbantes, um pódio, os braços de algumas mulheres, uns aplausos, mas 99% do tempo você estará numa varanda ou na fila do

banheiro, conversando com alguém com quem não escolheu conversar. Se não soubermos extrair graça desses momentos, vamos do berço ao túmulo de saco-cheio.


Nesta altura do texto, ouço uma voz distante. Não sei se é minha mãe, minha mulher, meu psicanalista ou a Organização Mundial da Saúde: ?Mas precisa necessariamente de álcool para se divertir??.  Coço a cabeça.

Deve haver pessoas que se sentem absolutamente confortáveis em seus próprios corpos, todo o tempo, e são capazes de falar sobre zebus e se despir diante de desconhecidas sem  nenhuma ajuda do etanol. Dalai

Lama talvez consiga. Sr. Myiagi, quem sabe? Eu não. Eu preciso das duas doses dessa substância que algum ancestral iluminado inventou, num momento de lucidez ? talvez seu último ?, ao fermentar trigo, batata, uva, mandioca ou o que estivesse à mão e, num ato de indômita curiosidade, beber o líquido resultante.


Claro, é bom ter sempre em mente a lição adaptada da sacola da padaria: beber bem para beber sempre. (Por ?bem?, entenda: com parcimônia.) Por isso, um mês a seco. Por isso, algumas noites por semana, em

casa, só na Coca light, assistindo a um seriado ou lendo um livro. Para que aos 78 eu ainda possa falar empolgado, numa varanda ou na fila do banheiro: Zebu, genial!  e mande abraço para o Marquinhos, grande Marquinhos!,  quem quer que ele seja.

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