sexta-feira, 30 de março de 2012

Assunto: Ruy Castro, 'Folha de São Paulo'.


Assunto: Ruy Castro, 'Folha de São Paulo'.
O mundo do esporte tem histórias maravilhosas como esta.
O São Paulo tem um ex-goleiro do time de Juniores que sofreu
um acidente de carro e ficou tetraplégico. O clube, até hoje, paga
o salário dele. É o que sustenta a família, junto com a aposentadoria
do pai. Um domingo por mês, todos os meses, desde o acidente
(ocorreu há mais de 10 anos), o Rogério Ceni, a esposa e as duas
filhas vão almoçar com o rapaz e a família. O Muricy, quando era
técnico do São Paulo, ia junto.
O grande piloto Fangio, argentino, cinco vezes campeão da Fórmula 1,
deu uma demonstração de companheirismo numa prova de F1 por
volta do ano 1955. O inglês Stirling Moss, vice-campeão do ano
anterior, que estava na mesma escuderia que Fangio, o acompanhava
na 2ª posição da corrida. Tentava de tudo, mas não conseguia se
aproximar do colega de escuderia, apesar de ter o mesmo carro, com
o mesmo motor. De repente ele viu Fangio fazer sinais com a mão
no carro da frente. A cada entrada de curva Fangio gesticulava e mostrava
um determinado número de dedos. Ora três, ora quatro, ora dois dedos.
Até que ele percebeu que Fangio mostrava a ele onde frear e qual marcha
engatar para ter melhor rendimento. E curva a curva ele se aproximou
de Fangio, mas não o suficiente para ultrapassá-lo. Fangio já era veterano,
mas Moss era novato. Stirling Moss ainda vive, comenta a F1 para canais de
TV ingleses e contou essa história. Ele a repete a quem quiser ouvir.
Você consegue imaginar Schumacker, Senna, Barrichelo, tendo uma atitude
dessas? Eu não consigo pensar nesses narcisistas egoístas dessa forma.
Joe Louis, o Demolidor de Detroit, três vezes campeão mundial dos pesos
pesados, tem uma história bem bonita. No auge do nazismo houve uma
luta entre ele e o campeão alemão Max Schmeling. O alemão venceu por
nocaute. Hitler fez a maior propaganda da superioridade do ariano puro
sobre o negro operário americano. Foi marcada uma revanche para meses
depois. Joe Louis venceu por nocaute fulminante ainda no 1º round.
Os dois lutadores, por incrível que pareça, tornaram-se grandes amigos,
sem dar pelota para a questão racial tão idiota.
Max Schmeling passou a representar a Coca Cola na Alemanha.
Ficou milionário, e já era muito rico pois sua esposa era filha de nobres.
Quando ficou velho, Joe Louis perdeu tudo que ganhara como lutador.
Precisou fazer ponta, fingindo ser “leão-de-chácara” de cassinos em
Atlantic City, exposto ao ridículo para atrair público ao jogo.
Quando soube disso, Max Schmeling fez contato com a esposa do
americano e avisou que enviaria, todos os meses, uma quantia em dinheiro
suficiente para garantir a vida de aposentados de ambos. Mas pediu que
o amigo nunca soubesse disso, que ela dissesse que era uma pensão do
governo americano ou algo assim. Quando Louis morreu, Max ligou para
a viúva e garantiu que continuaria enviando a mesma quantia para ela.
E o grande ser humano Max Schmeling, viveu até os 100 anos, cercado
do carinho do seu povo, mas só depois de morto essa história apareceu.
A viúva de Joe Louis contou isso ao público.
Quando da convocação dos jogadores para a Copa do Mundo de
1958, o treinador Feola ainda não decidira quem seria o goleiro
titular. Os convocados eram Carlos Castilho, lendário goleiro do
Fluminense, titular na Copa anterior, em 1954; e o jovem Gilmar
dos Santos Neves, goleiro do Santos (ex-Corinthians).
Na época não havia a figura do treinador de goleiros, e os dois
treinavam como os outros jogadores. Um dia Feola se reuniu
com os dois e decidiu, o titular seria Gilmar, mais jovem.
Imediatamente Castilho cumprimentou Gilmar e disse “vamos
para o campo, eu vou treinar você”. Você imagina um egoísta
como o goleiro Leão tendo uma atitude desprendida desse
feitio? Isso foi contado pelo próprio Gilmar, em entrevista à
ESPN, há cerca de uns cinco anos. Perguntaram a ele se no
mundo do futebol havia alguém desprendido de vaidade,
digno, parceiro e bom caráter. Ele respondeu sem pensar
“Carlos Castilho”, e contou essa história.
RUY CASTRO – FSP de 20-08

Bellini e a menina

RIO DE JANEIRO - Em julho de 1958, uma menina de 10 anos, sofrendo de poliomielite desde bebê, fez sua primeira cirurgia na perna. Enquanto convalescia, montou um álbum de recortes sobre seu ídolo, o homem mais bonito do Brasil, o xodó de todas as mulheres, crianças e até avós: Bellini, zagueiro do Vasco e capitão da seleção brasileira recém-campeã do mundo na Suécia. Certo dia, a porta da casa onde ela morava com sua família no Leblon se abriu, e uma visita de surpresa disse: "Boa-noite". Era Bellini.
Como? Simples. Alguém que conhecia alguém que conhecia Bellini falou-lhe da menina. Bellini tinha 28 anos e não chegava para as encomendas. Quando não estava treinando ou jogando pelo Vasco, tinha de viajar com a Copa do Mundo pelo país e levantar o caneco em festas e banquetes. Mas ele achou tempo para ver a garota, que ficou muda de emoção enquanto ele lhe contava histórias da Suécia.
Dois anos depois, em 1960, a menina encontrou Bellini na rua, em Copacabana. Ele a reconheceu e ela lhe disse que, no dia seguinte, iria fazer sua segunda (e última) cirurgia. Bellini se interessou. Dali a dias, ligou para o hospital para perguntar como estava. Ao saber que brevemente ela iria para casa, deu um tempinho e foi visitá-la de novo, desta vez levando bombons. Era assim que ele era.
Passaram-se anos. Celia se tornou a violonista, arranjadora e maestrina Celia Vaz, uma das musicistas mais completas do Brasil e com sólida reputação no Japão, na Europa e nos EUA, muito maior do que em seu país.
Sábado último, após intermediação de amigos, Celia foi a São Paulo para encontrar Bellini e sua esposa Giselda, dar-lhe um beijo e retribuir os bombons. O intervalo de mais de 50 anos -o próprio Bellini tem hoje 81- não impediu que a emoção desandasse e as lágrimas de todos descessem pelos rostos e sobre o estojo da Kopenhagen.

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