domingo, 30 de setembro de 2012

Soneto da Oração

Soneto da Oração

Rodolfo Pamplona Filho

Oração é o que se pode fazer,
quando não se pode fazer nada,
mas não é só o que se deve fazer,
quando não se sabe o que fazer

pois nem sempre somos quem faz
o que é preciso fazer na hora,
não sendo tolo quem clama por ajuda
a quem possa talvez trazer a cura

Não há problema em pedir socorro
ou não saber se mato ou morro
na hora que se perde o caminho.

Todo apoio que se tem é importante,
pois não existe um único instante
em que se queira estar sozinho.

No vôo de Salvador
para Imperatriz-MA (via Brasília),
09 de novembro de 2011.

sábado, 29 de setembro de 2012

Brisa

Brisa
Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.

Manuel Bandeira

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Soneto da Dor da Saudade

Soneto da Dor da Saudade

Rodolfo Pamplona Filho

Você sabe o quanto machuca
a sensação de ausência,
que espezinha e futuca
tanto quanto qualquer doença

A dor funda da saudade
dói mais que joelho ralado,
incomoda como maldade
e agonia que nem nariz constirpado.

Abusa mais que irmão mais novo,
que vírus no meio do povo
ou chuva forte sem guarida

Fere sem tirar pedaço,
Sufoca mais que o nó do laço,
Mata sem tirar a vida.

No vôo de Salvador
para Imperatriz-MA (via Brasília),
09 de novembro de 2011.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Você está em mim

Você está em mim
Eu em você
E mesmo que a distância
Arme o paradoxo
Como bote
Nós desviramos
O barco
E subimos
Cada um com o seu remo
Um de frente para o outro
Sorrindo!

Malu Calado

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Soneto da Mão Boba


Soneto da Mão Boba

Rodolfo Pamplona Filho

Quero esquecer minha mão
no toque de seu corpo
e ter a gostosa sensação
de que não estou morto

Fazer de conta que não percebe
que o contato, mesmo breve,
permite viajar, ainda que sozinho,
que se está trocando carinho.

É uma travessura amena,
não havendo qualquer problema
que você cole em meu fundo.

Então, pare com papagaiada:
Que mão boba, que nada!
É a melhor coisa do mundo!

No vôo de Salvador
para Imperatriz-MA (via Brasília),
09 de novembro de 2011.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Praia de Santos

Praia de Santos
Sei que todos, da praia,
querem: sol, luz e alegria.
Mas, é outono e não verão,
Assim, inviável o camarão.

Dia bonito, céu azul.
Crianças brincando na maré cheia.
Quantos castelos de areia
Neste lindo litoral sul.

É saudável a absorção desta energia
O caminhar na orla é pura sinergia
Entre o sentimento e a imensidão.

Mar e céu; verde e azul. Elos,
numa perfeita combinação
Para mim, sem paralelo!

(Paulo Basílio - 19/10/2011)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Soneto do Joelho

Soneto do Joelho

Rodolfo Pamplona Filho

Não importa qual seu estado,
seja novinho ou desgastado
bastante marcado ou machucado,
ou até totalmente esfolado!

O seu outro lado é uma obra-prima,
encontro perfeito em dobradiça,
e mesmo quando sente alguma dor
está sempre pronto para o que for

Não tenho receio de beijá-lo,
mostrando o quão puro e raro
é o carinho que demonstro, ao vê-lo!

pois ele é parte de quem me encanta
do fio do cabelo ao pé da planta...
Logo, eu amo o seu joelho 

Na madrugada, no vôo de São Paulo para Salvador,
depois de assistir o show do Pearl Jam,
em 05 de novembro de 2011.

domingo, 23 de setembro de 2012

LIGADURA E VASECTOMIA NO CORAÇÃO

LIGADURA E VASECTOMIA NO CORAÇÃO
Pintura de Philip Guston


Fabrício Carpinejar





Uma das explicações mais recorrentes para desistir ou enfraquecer um amor é que não se quer sofrer. Pelo receio de sofrer, a maioria deixa de se jogar, de se soltar, de acreditar na paz que vem com toda a tormenta. Pelo receio de sofrer, a maioria antecipa cobranças e insultos. Pelo receio de sofrer, casais se separam precocemente. Pelo receio de sofrer, somos mesquinhos, egoístas e primitivos. Não ampliamos a confiança. Somos juízes severos e implacáveis, prometendo o pior enquanto o melhor passa. Pelo receio de sofrer, favorecemos a desgraça, o mal-entendido e abolimos a esperança. Inventamos suspeitas, sob a alegação de prevenir a dor. Com receio de sofrer, falamos pelo tempo e o tempo nada tinha a dizer ainda, nem havia pensado no assunto. Com receio de sofrer, o vento mais forte já é tempestade. Pelo receio de sofrer, fazemos o outro sofrer mais do que sofreríamos na verdade sozinhos.


O amor é sempre sinônimo de martírio, de suplício, de disputa. É claro que o amor não é fácil, como andar de bicicleta sem rodinha para uma criança de quatro anos não será fácil, como aprender a dirigir a um adolescente de 15 anos não será fácil. Facilidade não nasceu nesta vida. Nem pescar é fácil.


Sofrimento se paga à vista. Não aceita crediário. Se surgir, arca-se com as despesas na hora. Nunca por antecipação, a dissipar o contentamento antes de se tornar memória e curva do corpo. O mundo não é limitado, reduzimos o mundo pela preguiça de enxergar.


Por que os amantes estão apagando a alegria do amor? Por que estão suspirando antes de sussurrar? Por que estão escondendo dos amigos o ímpeto de atravessar uma nudez como se fosse o próprio quarto? Por que não declarar que é simplesmente delicioso perder o prumo para se levantar com a espuma? Por que fazer da inveja uma religião? Por que não falar que um arrepio e um estremecimento significam mais do que uma noite de sono? Por que não desistir de dar conselhos pessimistas e avisos mórbidos? Por que dissuadir os apaixonados com conselhos ponderados e equilibrados? Por que se envaidecer com a tragédia? Por quê?


Com receio de sofrer, homens realizam vasectomia no coração. Com receio de sofrer, mulheres fazem ligadura no coração. Tornam-se indiferentes e descrentes. Ambos sacrificam a fertilidade, o inesperado, o porvir, a expectativa e a surpresa. São enterrados de pé.


Viver não é racionar o que se conhece. O que se conhece não basta. Os riscos fazem parte da euforia.


Como a dor, a alegria também pode ser insuportável.


Por receio da alegria, sofremos.

sábado, 22 de setembro de 2012

Soneto da Violência Contagiosa

Soneto da Violência Contagiosa

Rodolfo Pamplona Filho

A violência, como o suspiro
e o bocejo, são contagiosos,
pois, rápido como um espirro,
contagiam indivíduos numerosos

que, tal qual uma onda gigantesca,
reagem rapidamente à provocação,
agindo, de forma grotesca,
e causando dor e confusão.

É preciso cuidado com a massa,
pois, em um momento de desgraça,
tudo pode explodir

em um movimento infinito,
em que qualquer ato é motivo
para a agressividade fluir.

No vôo de Salvador para São Paulo,
para assistir o show do Pearl Jam,
em 04 de novembro de 2011.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Siiiiiiiiii

Siiiiiiiiii
Hoje eu tive um sonho
sonhei em um novo começo
sonhei com um paixão arrebatadora
com algo que fazia meu coração disparar
Sonhei com um alguém que me fazia sorrir
com alguém que eu não podia tocar
com alguém que eu não queria mais largar
sonhei que eu tive medo de você não estar lá
Sonhei sonhos difíceis de realizar
que só essa paixão podia alcançar
um sentimento de dentro pra fora
que não se sabe onde chegará
Sonhei que estava perdido
confuso procurando um lugar
insano a te esperar
estranho mas só nós
chegamos a lugares que ninguém mais está
vimos coisas que ninguém pode ver
acreditamos em sonhos que ninguém ousaria
sonhei com uma paixão diferente
sem regras nem amarras
com uma distancia que as vezes machuca
com uma força que alimenta
não sei mas em que sonhar
só sei que não quero parar
sofrer, viajar, sorrir, cantar
não sei, só sei que não parar
continuar um sonho imperfeito
que tem vida própria
que as vezes parece perfeito demais
que não sei onde vai me levar
o pouco que sei
é que seu pudesse
não queria acordar

Escrever á minha forma de falar com vc
a qualquer hora em qualquer lugar
acalma a falta que vc me faz
me ajuda  a não sufocar com tudo isso dentro de mim
escrever é minha arma, meu refúgio
me dá uma sensação de vitória quando fico triste

porque as minhas palavras ninguém pode tolir
beijos com lágrimas

Rafael Tonassi Souto

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Soneto da Dor Persistente

Soneto da Dor Persistente

Rodolfo Pamplona Filho

Sentir-se um inútil e quebrado,
completamente limitado.
Desesperar-se, ao menor toque,
parecer que está dando choque.

Acupuntura, Quiropraxia
Ultrassom, Anestesia,
Analgésico, Fisioterapia
Pilates, Massoterapia

Tudo que possível for
para superar a dor
que insiste e persiste,

mas, por mais que eu chore
e, em vão, clame e ore,
há sofrimento que resiste.

No vôo de Salvador para São Paulo,
para assistir o show do Pearl Jam,
em 04 de novembro de 2011.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O GOSTO DA LIBERDADE NUMA TARDE DE SEGUNDA-FEIRA

O GOSTO DA LIBERDADE NUMA TARDE DE SEGUNDA-FEIRA

Diante da notícia que tinha acabado de receber, não havia mais nada a ser feito. E, como sempre acontece quando temos que tomar decisões radicais com base naquela cartilha de conduta ética que carregamos por aí, tratava-se de uma escolha bastante simples. Mas, antes de pedir demissão em solidariedade a um amigo querido, um telefonema se fazia necessário; era para o meu objeto de obsessão, que ficaria com o fardo de ter que arcar solitariamente, por um período indeterminado, com as contas da casa. E a depositária de minha libido precisou que eu dissesse apenas duas palavras para determinar: "Vá agora mesmo fazer o que tem que ser feito. Ficaremos bem".
Como a prudência sempre me visitou com a regularidade com que técnicos da Net aparecem em nossas casas no dia e na hora marcados, o salário razoavelmente bom para padrões jornalísticos não flertou diabolicamente com minha moralidade, e lá fui eu para o RH de um conhecido portal seminacional comunicar que iria sair.
Embora não tenham ficado surpresos com a atitude, tentaram me convencer a permanecer trabalhando para a oponente empresa de tecnologia - ainda que preferissem que eu tivesse escrito aqui empresa de comunicação -, ao que eu respondi impulsivamente: "Nem se quadruplicarem o meu salário", o que era provavelmente uma mentira porque, convenhamos, ganhar quatro vezes mais da noite para o dia faz você querer abrir o tal livrinho da conduta moral e reescrever algumas partes ali mesmo.
Ao descer os 12 andares que me levariam pela última vez para o térreo e, escrachadamente, passar pela catraca pela derradeira vez, olhei para cima, vi um céu surpreendentemente azul para março e entendi perfeitamente o que estava sentindo.
Tinha 16 anos quando, ao beijar a boca de uma outra mulher, experimentei esse mesmo gosto. Naquela tarde de dezembro em 1982, dentro de um pequeno quarto na alameda Joaquim Eugênio de Lima, percebi que liberdade e segurança são conceitos opostos. A possibilidade de ver minha mãe entrar no quarto e me flagrar em ato transgressor e de enlouquecimento total era nítida como uma manhã de verão. Ainda assim, queria que aquele beijo nunca mais terminasse. Com ele, estava aprendendo a ser livre e, com ele, começava a entender que a verdadeira liberdade só existe quando teimamos em respeitar quem somos e o que sentimos.
O encontro
Vinte e oito anos depois, andando por uma dessas ruas lotadas de engravatados correndo para cumprir os 60 minutos de almoço impostos pelo contratante, sentia outra vez o gosto da liberdade que pinta quando nos deixamos guiar pelo instinto e pela paixão. Ao pedir demissão de forma tão impulsiva, eu tinha aberto mão de uma boa dose de segurança por um punhado de liberdade e, agora, no meio de uma segunda-feira de março, estava voltando para casa.
Antes, parei para comprar flores porque sei como você gosta de flores, e como eu gosto de ver seus olhinhos sorrirem quando você entra em casa e vê flores. Aí, fui colocando as flores nos vasinhos que pude encontrar pelo caminho - meio desajeitadamente porque essa é minha marca registrada -, preparei o jantar - macarrão, porque não me resta outro artifício culinário -, coloquei a mesa, algumas flores ao centro, abri uma garrafa de vinho e, com o coração batendo rápido demais - condição cardíaca que é meu estado natural desde que te conheci -, esperei você chegar.
Você então entrou e, como faz todos os dias, me abraçou, me beijou a testa, as bochechas, a boca e depois, olhando dentro dos meus olhos, disse que estava orgulhosa de mim antes de me abraçar outra vez.
Mas foi apenas quando você me tirou para dançar no meio da sala, foi apenas quando você me conduziu bem devagar para lá e para cá, corpo colado ao meu, que entendi o que talvez seja, entre todas as coisas, a mais essencial; em você, e em mais lugar nenhum, liberdade e segurança conseguiram, finalmente, se encontrar.
Dançando bem no meio da nossa sala, agarrada a você como quem se agarra à vida, fechei os olhos, respirei fundo e sorri.

Milly Lacombe, 42 anos, é jornalista
http://revistatpm.uol.com.br/revista/101/colunas/o-gosto-da-liberdade-numa-tarde-de-segunda-feira.html

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Soneto da Prole Dupla

Soneto da Prole Dupla

Rodolfo Pamplona Filho

É um privilégio ser agraciado
com a dádiva da paternidade,
mas, quando isso é multiplicado,
nem parece ser verdade...

Não é qualquer pessoa
que tem o enorme prestígio
de receber, na boa,
um dobrado beneficio.

Receber, de uma só vez,
uma presente de tal jaez
é para ser feliz, sim, sem culpa,

pois o sorriso se amplia,
alegrando a casa outrora vazia,
mais ainda quando a benção é dupla.
No vôo de Salvador para São Paulo,
para assistir o show do Pearl Jam,
em 04 de novembro de 2011.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

AO LUAR *

AO LUAR *


REINA SILÊNCIO LÁ NO RIO-MAR...
RIO AMAZONAS VAI... CONTINUA...
PAIRA NO CÉU, RINDO, A BRILHAR,
A LUA...

OUVE-SE CANTOS DE UM PESCADOR...
ORA MAIS PERTO, ORA RECUA...
VAI PROMETENDO JURAS DE AMOR
À LUA...

NOITE TRANQÜILA, PAISAGEM BELA,
QUE A SERENATA MAIS ACENTUA...
NO CÉU, SINISTRA, BRILHA A DONZELA:
A LUA...

...E O VENTO CHEGA, RUGINDO FORTE,
ENCRESPA AS ÁGUAS EM FÚRIA CRUA..
ENTÃO SE OCULTA, PRESSENTE A MORTE,
A LUA.

TANTO ESTAMPIDO, TANTOS LAMENTOS,
TEMOR DE MORTE, TREMOR DE FRIO...
QUANTAS DESGRAÇAS E AFOGAMENTOS
NO RIO.

NOITE FUNESTA, HORA DE HORROR,
ALMAS PENADAS VÊM ASSOMBRAR.
...E A MÃE, CHORANDO, GRITOU DE DOR:
-RIO MAR!

CADÊ MEU FILHO, QUE NÃO ME ENTREGAS?
ONDE ESTÁ ELE, NA ESCURIDÃO?
PORQUE SONEGAS?... PORQUE ME NEGAS?
OH! NÃO!

RIO AMAZONAS, PORQUE MATASTE
O MEU MENINO, FILHO QUERIDO?
ONDE O PUSESTE? ONDE O DEIXASTE?
BANDIDO!

.......................................................................
.......................................................................

...E O AMAZONAS, CONVULSIONADO,
PULA DO LEITO, SALTA DO TRILHO,
JOGA-LHE AOS PÉS, ESTRANGULADO,
O FILHO!

........................................................................
........................................................................

...A TEMPESTADE JÁ SOSSEGOU...
NOVAS BONANÇAS O VENTO TROUXE.
O RIO IMENSO JÁ SE ACALMOU:
CALOU-SE...

AGORA É CALMO, SEM UMA ONDA...
NA MADRUGADA, SOZINHA E NUA,
VAGA SORRINDO, FAZENDO A RONDA,
A LUA...


*  Texto e Musica por José Wilson Malheiros em 2001, gravado em CD do Projeto Uirapuru (Pará), vol. 12., edição do Governo do Estado.

domingo, 16 de setembro de 2012

Cuidado para não ser o próximo palitinho!


Cuidado para não ser o próximo palitinho!

Eram duas amigas que há muito tempo não se encontravam. Resolveram marcar um almoço na segunda. Quase uma hora depois do combinado as duas finalmente se reconhecem. Joana havia terminado o noivado e passou a achar que o bolo de chocolate era companhia muito melhor. Um piscar de olhos e já eram vinte quilos a mais. Tinha certeza que era praga do Juvenal.

Mas o incrível mesmo era como a Alice estava magra! Quem diria que seu apelido na escola era Priscila, numa homenagem carinhosa àquela cachorra gordinha que apresentava o programa TV Colosso. É preciso dizer que colossal mesmo era o tanto que ela comia. Os meninos faziam aposta para saber se ela gostava mais do Marquinhos ou do hambúrguer que ele pagava pra ela na hora do intervalo. Alguns ainda apresentavam o Seu Tadeu como uma terceira opção. Era dele a banquinha de doces que ficava na esquina da rua.

Enfim, não se sabe como e nem porquê. Poder-se-ia dizer que as respostas são muito simples. Mas para elas o fato de seus corpos terem se invertido como num passe de mágica era um mistério a ser desvendado. Conversavam animadamente nos momentos em que Joana parava de comer. Alice sentia que estava em meio à um monólogo, contando os trágicos acontecimentos de sua vida. Contou sobre tudo, desde os traumas da infância que lhe fizeram entrar num grupo conhecido como Filhos do Sol, que na condição de “seres superiores” acreditavam que só a luz solar era suficiente para lhes dar energia. A experiência lhe valeu quinze dias de coma e dez quilos a menos. Então, havia servido ao fim almejado.

Quando acordou do coma, Alice pensou que estava no céu. Não acreditava na beleza daquele anjo vestido de branco, cujo crachá estava escrito Lucas. Mas como nunca tinha ouvido dizer que anjo portava crachá, levantou-se de um sobressalto e perguntou há quantos dias estava sem tomar banho. Lucas deu um sorriso torto. Depois, poderia ter acontecido aquilo que todo mundo quer que aconteça quando dois seres predestinados se encontram. Mas Lucas era gay. E fim de papo.

Enfim, depois das dietas da lua, do queijo, da água, do xixi, do laxante, do limão, da luz, do amor (sim, porque tem quem acha que pode viver de amor, e Alice existe para provar que isso não é possível), Alice conseguiu finalmente ficar com o corpo da Gisele Bundchen, caso a modelo tivesse vinte centímetros a menos de altura.

Ela parou com todos os regimes no dia em que não precisou mais comprar suas roupas nas lojas com tamanhos especiais. Era especialmente ridículo ter de entrar alí, e se deparar com todas aquelas vendedoras magras que fingiam já terem sido gordas só para dizer que entendiam o que ela estava sentindo. Mas elas nunca vão entender como é triste pensarem que você é gótica só porque veste preto todos os dias. Nem todos os magros sabem que preto “emagrece”.

Quando Joana terminou de comer o bife à parmegiana, Alice já havia parado de falar, cedendo a vez à amiga. Mentalmente, ela começou a criar teorias para saber onde a amiga havia colocado o frango desossado que comeu sozinha antes da paella. Procurou na bolsa, olhou embaixo da mesa... nada! Chegou à conclusão de que a barriga da Joana havia criado mecanismos para armazenar toda aquela comida. Seria impossível mandar tudo embora de uma só vez.

Finalmente, depois de “experimentar” todas as sobremesas de chocolate disponíveis no restaurante Joana deu-se por satisfeita. E mais satisfeito ainda ficou o garçom que já estava duvidando que aquela freguesa realmente teria dinheiro para pagar a conta. A única coisa que ele sabia é que ela não tinha como ir embora correndo. Mas ia ficar de olho só por precaução.

Joana começou a contar sua vida. Alice atentou-se a cada detalhe, para saber qual foi o ingrediente causador daquele “inchaço” instantâneo. Por incrível que pareça o ingrediente era o Juvenal, e a dona Célia da padaria...

Tudo começou há aproxidamente dois anos, quando Juvenal convocou a família toda para o aniversário da Joana. Ela sabia que ele não dava ponto sem nó, e tinha certeza de que o malandro queria fazer uma média com a parentada porque no aniversário da Joana quem pagava a conta era ela. E no dele, era ela também.

Mas para sua surpresa, no meio do evento Juvenal bate com a colher na taça de chopp para pedir a palavra, quebrando-a no meio. Joana pediu desculpas a sí mesma por estar namorando aquele brutamontes, mas continuou ouvindo.

Meia hora depois, quando Joana já estava quase dormindo, eis que a Teca dá-lhe um cutucão e comunica, com muito pesar, que a amiga agora era noiva do Juvenal. E que deveria comprar as alianças.

Teve que mandar fazer o anel de noivado, porque seu dedo, de tão fininho, ficou sambando no dezesseis. Odiava as palavras fininho, palitinho, magrelinho... Morria de vergonha de colocar biquini e desfilar a moda caveira-verão.

Aos quinze anos, pesava quarenta e oito quilos. Dez anos depois, havia conseguido engordar quinhentos gramas às custas de um fortificante importado.

Certa tarde, ao entrar na padaria para comprar os seis pães que ela comia no café-da-manhã, Joana encontrou o Juvenal no maior trelelê com a dona Célia. Sempre acreditou que a dona Célia fosse “forte” daquele jeito por causa da broa que comia todo dia de sobremesa no almoço. Fez a experiência em casa, mas fracassou. Quando foi à farmácia verificar o peso, havia emagrecido cem gramas. E olha que estava com roupa de frio.

Juvenal ficou meio assustado com o flagrante, e tratou logo de disfarçar. Contou pra dona Célia do noivado e mostrou a aliança. Só omitiu o detalhe de que foi a Joana quem pagou por elas. Ele tinha um certo orgulho.

Na saída da padaria, Juvenal e Joana voltaram caminhando. Ela adoraria ter um carro apenas para evitar de perder alguns gramas com a caminhada. Joana falou de como a dona Célia era sortuda por ter todas aquelas curvas. Juvenal concordou em gênero, número e pensamento.

Não é que ele achasse feio a noiva ser magrinha daquele jeito. Mas faltava-lhe um pouco de carne. E se ela adoecesse? Ia virar um palitinho. Mas ela já era um palitinho e isso lhe ofendeu profundamente.

Decidiu que iria comprar um carro e evitar ao máximo se deslocar a pé. Se fosse preciso tiraria férias só para comer e dormir o dia inteiro. Iria ficar bem bacana, pro Juvenal ficar de queixo caído.

Na sexta feira, meia hora depois do almoço, Joana foi até a padaria comprar um bolo de chocolate para a sobremesa. Se ela soubesse o que ia acontecer a partir daquele dia, preferiria mil vezes continuar magrinha. Só que o destino não quis assim.

O canalha do Juvenal estava apertando tanto a dona Célia que nínguém sabia quando começava um e terminava o outro. Um amasso só. Foi quando Joana chegou até o caixa segurando os três bolos de chocolate que estavam na prateleira, querendo deixar mais três de encomenda. O Juvenal ficou tão assustado que perdeu a fala. Dona Célia por pouco não cobrava os bolos, mas ela sabia que essa atitude só iria admitir sua culpa.

A partir daquele dia Joana jogou fora a aliança e começou vida nova. Ela não podia deixar de frequentar a padaria porque ninguém fazia sonhos como a dona Célia. Logo ela que havia transformado a vida da Joana num pesadelo.

Até que um dia, Joana decidiu que comeria apenas os bolos de chocolate da dona Célia. Conseguiu ficar mais encorpada do que nunca.

Sentindo pena da amiga, Alice apenas lhe perguntou se Juvenal já havia visto a nova Joana. - Viu sim, mas acho que não me reconheceu. Eu também demorei um tempo para perceber que era ele. Você precisava ver. Tá um palitinho...

sábado, 15 de setembro de 2012

Isaura das Rocas

Isaura das Rocas    
                                   Jairo Vianna


Eu queria saber o significado do vocábulo rocas, afora o conhecido mecanismo de tear. Ouvi certo dia de um marinheiro que assim se chama o reforço para mastros e vergas rendidas de veleiros. Nada mais apropriado para nome de Zona Boêmia, pensei. E assim se chama, até hoje, aquela de Natal. Foi lá que conheci Isaura, nos idos de 1951. Eu acabava de sair do seminário. Já não havia mais a base aérea norte-americana, mas restava alguma sombra de fartura nos cabarés. Por coincidência, fui levado ao bordel por um primo soldado da Força Aérea brasileira. Ele fez questão de me levar e o fazia como se fosse um ato de heroísmo. Eu nem em retrato tinha visto mulher nua e entrei no lugar de través. Senti um misto de curiosidade e medo. O ambiente, inverso da minha casa e da escola eclesiástica, deu-me vontade de voltar. Desisti do retrocesso, diante do olhar ríspido do primo. Entramos. Ele escolheu uma das mesas e nos acomodamos. A bruma de tabaco quase impedia que eu visse os que dançavam e as toalhas xadrezes das mesas vizinhas. O cheiro agridoce invadia o salão. Ria-se muito. Homens estranhos limpavam a espuma sobrada da cerveja nos vastos bigodes. Pensei na terrível peleja que haveria, se resolvessem emendá-los. Assim se dizia: brigar era emendar bigode. Invejei-os — queria ter um daqueles. Havia mesmo decidido e já colecionava os primeiros pelos: um sombreado de buço sedoso. Nada em que a espuma colasse e que eu pudesse assear com a mão. Senti-me pueril e pensei em correr aos braços maternos da proteção. Aquietou-me de novo o fuzilamento dos olhos do primo. Com um sinal, ele ordenou que duas mulheres se sentassem nas cadeiras vazias da mesa: ao seu lado a branca, talvez polaca; e ao meu a morena, Isaura. Ele se atracou com a outra. Eu escondi as mãos entre as pernas e rocei o sexo flácido e sumido de susto. Fitei os lábios carnudos e escarlates de Isaura. Eles se abriram vagarosamente e ela disse:
— É tua primeira vez, meu lindo?
— É sim — falei, não sem antes pensar em mentir e fingir experiência.
O primo disse-lhe algo ao ouvido e se foi com a outra.
Tomei um gole da cerveja e achei amarga. Duvidei que algum dia fosse gostar de beber aquilo. Mesmo assim, tentei levar o copo à boca de novo, porém minhas mãos trêmulas impediram. Isaura percebeu. Tomou-me uma das mãos entre as suas e nela depositou um beijo. Senti calafrio. Meus olhos fixos nos seios de Isaura viram o vale do meio e o crucifixo pendente da corrente. Recordei os castigos dos colegas que se masturbavam: horas de rezas sobre os caroços de milho. No dia seguinte, mostravam os joelhos machucados. No fundo, regozijavam-se com rebeldia e a macheza. Eu preferia o medo e a preservação. E Isaura me fez levantar e me levou através da cortina feita de cordas e contas. Ao balanço causado pela nossa passagem, algumas moscas voaram, para depois retornarem àquele berço em busca do sono. Assim ultrapassei a fronteira da vida adulta. Ao lado da mulher, minha pequenez. Ela não devia ser dali, porquanto era alta, embora morena e de sotaque nordestino. Talvez fosse das bandas de Pernambuco. Lá as mulheres eram compridas como o nome do lugar, diziam.
Entramos no quarto. Num canto, a penteadeira com frascos de perfumes, potes de pinturas, uma Nossa Senhora, pentes, escovas e um retrato de cachorro.  Ao lado a cama, forrada de pano estampado, e a pequena mesa. O cheiro agridoce se acentuava. Ela franziu a testa e esboçou um sorriso.
— Fique aí um pouco, lindinho. Não se aperreie. Logo tu vai ver o que é bom.
Isaura das Rocas sumiu porta afora. Eu fiquei de olhos fixos na Nossa Senhora da penteadeira. Resolvi fechá-los e abrir a imaginação. Tinha nas mãos o calor do beijo e no peito o amor nascente. E me vi enroscado nela aos mimos e sussurros. Mil vezes lhe jurei amor e ela respondia com a candura do olhar.
Senti a excitação e o suor.  Tirei a roupa. Continuei de olhos cerrados, temendo não vê-la mais. Talvez tudo, inclusive o primo, fosse fantasia e eu estivesse no dormitório no seminário.
O ranger da porta me trouxe de volta à realidade. Enxerguei Isaura e seu sorriso morno. Ela tirava a roupa. Pude ver o sinal perto do umbigo e os seios agora inteiros, com a cruz indo e vindo enquanto ela se abaixava para se livrar do resto das roupas. As unhas dos pés de Isaura pareciam sangrar, de tão rubras. Ela se aproximou da cama e carinhosamente me empurrou de lado. Abraçou-me. Minha cabeça em seu colo. Eu me embriaguei no seu perfume. A excitação tanta se esvaiu no lençol de tantas flores e folhas e se acrescentou à estamparia.  Ela não se importou. Embalou-me nos braços e peitos. Novamente pronto, e mais calmo, deixei-me conduzir e amei. Não amor sinônimo malcriado de sexo. Amor mesmo, de sentir no fundo, de dentro para fora e vice-versa. Isaura dizia coisas que não pude compreender, enquanto se enroscava cavalgando. Eu, inanimado e feliz, experimentava fluxo e refluxo. Por fim, ela descansou. Virou de costas. Encostei-me nas suas ancas e adormeci, certo de amor. O primo apareceu com o dinheiro para Isaura, ela não aceitou e falou do prazer. Amava-me, com certeza, e não me deixaria mais.  E eu era o mais feliz dos homens, embora ainda me faltassem bigode e o gosto pela cerveja.
Bateram à porta. Levantamos, eu e ela de um só pulo. Era o primo. Isaura começou a se vestir e mandou que eu fizesse o mesmo. Indagava-me se aquilo não teria acontecido ainda agora, de forma diferente. A memória trôpega me confundia. O primo deu o dinheiro para Isaura e me levou quase empurrado dali. Eu transtornado com o vai-e-vem do sonho e da realidade.
Depois, por bom tempo, pensei na Isaura. Nas noites, rondei as Rocas. Não tive coragem de entrar e vê-la na lida, com outro homem. Acreditei que um dia ela sairia do cabaré, viria ao meu encontro, abandonaria a vida e cuidaria do nosso amor. Do primo fiquei sem notícia nem queria alguma. Preferi ficar para sempre com o sonho. A versão boa. Aprendizagem de amor.
Até hoje me lembro de Isaura das Rocas. Mulher capaz de curar mastros e vergas da rendidura. Apta para inflar as velas dos barcos, de modo a lhes assegurar boas viagens nos mares do futuro e nas lembranças do passado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Soneto das Queixas Sexuais

Soneto das Queixas Sexuais

Darci HF

Querer uma constância
que você diz não agüentar.
Não suportar a fragrância
que o corpo quer exalar.

Não conseguir lubrificar
e não gostar de me ver gritar
Negar minha mordida
e frustrar minha expectativa

Aparentar nojo de oral
e ter medo de anal,
como se isso fosse sujo...

A little less conversation,
a little more action...
é só o que peço do mundo.

Salvador, 03 de novembro de 2011.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

AS PAREDES DE UM SONHO

AS PAREDES DE UM SONHO
Você me leva até aquela pedra outra vez. Diz que é sobre ela que ergueremos nossa casa, nosso refúgio e nosso abrigo. Olho para baixo e vejo o mundo lá longe, pensando que seria mesmo muito bom subir ali algumas paredes, me isolar dentro delas, e, protegida de todas as dores da vida, pegar uma taça de vinho, acender a lareira e deitar no seu colo. Aperto um pouco mais sua mão, sento na pedra e começo a sonhar.

Como todo bom sonho, esse sonho não tem começo nem fim, apenas meio. Tudo é meio até que se acabe, essa é a verdade. Outra enorme verdade é que não sei como começaremos a pagar pela casa, nem sei quando terminaremos de erguê-la, mas as paredes já estão subindo dentro de minha imaginação.

Andando pelo terreno que você comprou no topo do mundo – embora ao seu lado todo terreno percorrido seja o topo do mundo – vamos falando a respeito da casa que construiremos – sala, cozinha, quartos, banheiros, deck... tudo vai ganhando vida.

Você diz que quer um aconchegante escritoriozinho para que eu trabalhe em paz e com vista para o oceano de montanhas a nossa frente. Eu digo que quero uma cozinha no meio de tudo e onde eu possa fazer aquele macarrão alho e óleo que minha mãe me ensinou e no qual você se lambuza com o prazer dos esfomeados pela vida – sua intensidade nunca vai deixar de me surpreender.

Construir uma casa é como plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho – deveria fazer parte da lista de coisas fundamentais da vida. Como provavelmente não teremos um filho, podemos substituir a última pela casa, penso.

E, quando fico tentada a colocar no papel nosso orçamento anual, atitude que me faria despertar do sonho empapada em suor, lembro de seu Juca, cujo avô ergueu a dele com a ajuda de amigos, usando apenas barro e madeira. Tud o vale a pena se a alma não é pequena; meu pai adorava citar Pessoa. E usar ponto e vírgula. Só agora, depois dos 40, o poeta começa a fazer sentido. O ponto e vírgula fez bem antes.

Horizonte
Você enfia a mão no meu cabelo e bagunça todos os fios, como faz desde a primeira noite em que ficamos juntas. Feito um gato, eu me ofereço esticando o pescoço e ronronando enquanto continuamos a andar – e a sonhar – pelo mato.

Talvez o único antídoto para esta dolorida jornada humana sejam os sonhos – sem eles não levaríamos à boca uma xícara de café pela manhã e não desceríamos um lance de escada. O sonho é a pele da alma dos apaixonados.

Enquanto me entrego ao devaneio que só a mistura de vinho e frio permite, você continua falando a respeito da casa. Está agora colocando os batentes e as esquadrias, aparentes e de madeira. Tem ainda uma pequena adega, muito vidro e uma bancada onde eu vou poder co rtar os tomatinhos do macarrão alho e óleo e, ao mesmo tempo, ver você lendo na sala. Tem os cachorros lá fora e aqui dentro, embora eu continue a reclamar das patas sujas no sofá e você continue a me ignorar dando ampla preferência à vontade dos cachorros.

Em menos de duas horas ela fica pronta, a nossa casa no mato – e eu entendo que melhor do que sonhar é sonhar junto. Fico pensando que um amor morto é aquele que não sonha mais junto.

Você volta a sentar na pedra e eu agora vejo você inserida no horizonte de montanhas ao fundo, tudo parte de uma mesma substância, que é o que somos, que é o que temos que ser. Quero fotografar, mas minhas mãos, no bolso do casaco, estão congeladas: subjetivamente, pela beleza daquele momento; objetivamente, pelo frio.

Eu estava dormindo a primeira vez que sonhei com uma casa com vista para o infinito. No sonho, eu tinha uns 60 anos e tomava uma xícara de café olhando pela janela. Sei qu e fazia frio porque eu usava um casaco branco de lã e gola alta. Atrás de mim, uma escrivaninha com muitos livros e uma máquina de escrever. A imagem veio como em uma fotografia superexposta: as cores eram fortes e vivas. Eu tinha menos de 20 anos e nenhuma perspectiva de virar escritora ou de conhecer um amor tão intenso.

A vida fazendo sentido
E agora tudo está ali comigo: o sonho mais belo que já sonhei querendo acontecer, você – um sonho tão espetacularmente absurdo que nem sonhado tinha sido – e aquele monte de picos e vales, os altos e baixos da experiência humana.

Mais uma vez, você coloca a mão em meu cabelo e começa a despenteá-lo. Mais uma vez, feito um gato, eu me entrego e coloco a cabeça em seu colo. A vida vai fazendo sentido.

Amanhã é segunda-feira e o mundo vai tentar ofuscar todos os sonhos – telefonemas fora de hora, contas bloqueadas, o processo do empresário safado e esperto que cai sobre seus ombros, a grana que não vai dar para pagar tudo, o portão da garagem que quebra, a obra do vizinho, o ralo que entope.

O grande truque é não deixar o mundo entrar. O grande truque é erguer paredes sólidas – mesmo que sejam de barro –, fechar a porta, acender a lareira, pegar uma taça de vinho e continuar olhando para o horizonte de montanhas. O grande truque é jamais perder o sonho de vista, nem mesmo o mais maluco deles, porque, no fim, é ele que nos terá elevado a um lugar onde tudo fará sentido.

A carioca Milly Lacombe, 43 anos, é jornalista. Seu e-mail: millylacombe@gmail.com

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Fazer Amor

Fazer Amor

Rodolfo Pamplona Filho
Preciso fazer amor...
Preciso fazer amor com você
novamente
como nunca tivesse feito
anteriormente.

Eu quero isso sempre...
Sentir seu corpo sobre o meu,
sugar seus seios como quem
sorve um néctar indizível,
ver você gozar sem controle...
dizer que estar comigo é incrível...

Eu quero isso e muito mais...
Quero que você me sinta
inteiro dentro de si...
Penetrando seu coração,
muito mais do que aqui...

E, depois de tanto amor,
apenas sonho singelamente
em simplesmente  dormir
tranquilo, ao seu lado,
sem nunca mais estar longe...

Belo Horizonte, 06 de junho de 2011

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Remédio para a pressão...

Remédio para a pressão... (Luiz Fernando Veríssimo)


Eu tomo um remédio para controlar a pressão.
 Cada dia que vou comprar o dito cujo, o preço aumenta.
 Controlar a pressão é mole.
 Quero ver é controlar o preção.
 Tô sofrendo de preção alto.
 O médico mandou cortar o sal.
 Comecei cortando o médico, já que a consulta era salgada demais.
 Para piorar, acho que tô ficando meio esquizofrênico.
 Sério! Não sei mais o que é real.
 Principalmente, quando abro a carteira ou pego extrato no banco.
 Não tem mais um Real.
 Sem falar na minha esclerose precoce.
 Comecei a esquecer as coisas:
 Sabe aquele carro? Esquece!
 Aquela viagem? Esquece!
 Tudo o que o presidente prometeu? Esquece!
 Podem dizer que sou hipocondríaco, mas acho que tô igual ao meu time: - nas últimas.
 Bem, e o que dizer do carioca?
 Já nem liga mais pra bala perdida...
 Entra por um ouvido e sai pelo outro.
 Faz diferença...
 "A diferença entre o Brasil e a República Checa é que a República Checa tem  o governo em Praga  e o Brasil tem essa praga no governo"
 "Não tem nada pior do que ser hipocondríaco num país que não tem remédio"...

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Soneto do Viver Intensamente

Soneto do Viver Intensamente

Rodolfo Pamplona Filho

O que se entende
por viver intensamente?
Seria sequer não parar
para simplesmente respirar?

Se for tudo isso,
loucura é o desperdício
de tempo e oportunidade
quando se pensa na realidade

de quanta coisa não se faz
apenas para manter a paz
de uma vida que não passa de cem

Na verdade, penso que não importa
viver muito, na via reta ou torta,
mas, sim, viver sempre bem.

Salvador, 03 de novembro de 2011.

domingo, 9 de setembro de 2012

Existe sempre uma coisa ausente-Caio F.Abreu.

Existe sempre uma coisa ausente-Caio F.Abreu.

Paris — Toda vez que chego a Paris tenho um ritual particular. Depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até Notre-Dame. Acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Sempre penso em Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo.

Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos á2o anos. Outra, chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém m andava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”,feito Pessoa. Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.

Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da r ua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.

Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta.

Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente. Três anos depois fui parar em Saint-Nazaire, cidadezinha no estuário do rio Loire, fronteira sul da Bretanha. Lá, escrevi uma novela chamada Bem longe de Marienbad , homenagem mais à canção de Barbara que ao filme de Resnais. Uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. Por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.

Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

O Estado de S. Paulo, 3/4/1994 (http://caio-fernando-abreu.blogspot.com/)

sábado, 8 de setembro de 2012

Soneto da Musa Anônima

Soneto da Musa Anônima

Rodolfo Pamplona Filho

Tive musas que nunca souberam
que, de fato, elas eram
a fonte maior de inspiração
da poesia que fluía do meu coração

Já escrevi para professoras,
colegas, alunas, observadoras...
Já me inspirei como quem lavra
em quem nunca troquei uma palavra

Pessoas anônimas ou conhecidas
tornaram-se parte de minha vida
por um ato, expressão ou epifania,

que despertou em mim uma vontade,
uma idéia que virou necessidade:
converter a sensação em poesia.

Salvador, 03 de novembro de 2011.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

FÁBULA DO PAÍS DO ÁLCOOL E DA GASOLINA

FÁBULA DO PAÍS DO ÁLCOOL E DA GASOLINA
- Artigo de Célio Pezza, escrito em 13/10/2011 -
* Célio Pezza é escritor e autor de diversos livros, entre eles: 
As Sete Portas, Ariane, e o seu mais recente A Palavra Perdida.
 
Era uma vez, um país que disse ter conquistado a independência energética com o uso do álcool feito a partir da cana de açúcar . Seu presidente falou ao mundo todo sobre a sua conquista e foi muito aplaudido por todos. Na época, este país lendário começou a exportar álcool até para outros países mais desenvolvidos . Alguns anos se passaram e este mesmo país assombrou novamente o mundo quando anunciou que tinha tanto petróleo que seria um dos maiores produtores do mundo e seu futuro como exportador estava garantido.

A cada discurso de seu presidente, os aplausos eram tantos que confundiram a capacidade de pensar de seu povo . O tempo foi passando e o mundo colocou algumas barreiras para evitar que o grande produtor invadisse seu mercado . Ao mesmo tempo adotaram uma política de comprar as usinas do lendário país , para serem os donos do negócio. Em 2011, o fabuloso país grande produtor de combustíveis, apesar dos alardes publicitários e dos discursos inflamados de seus governantes, começou a importar álcool e gasolina
(Quem é inteligente, não fala, FAZ)
Primeiro começou com o álcool, e já importou mais de 400 milhões de litros e deve trazer de fora neste ano um recorde de 1,5 bilhão de litros, segundo o presidente de sua maior empresa do setor, chamada Petrobrás Biocombustíveis. Como o álcool do exterior é inferior, um órgão chamado ANP (Agência Nacional do Petróleo) mudou a especificação do álcool, aumentando de 0,4% para 1,0% a quantidade da água , para permitir a importação . Ao mesmo tempo, este país exporta o álcool de boa qualidade a um preço mais baixo, para honrar contratos firmados .

Como o álcool começou a ser matéria rara, foi mudada a quantidade de álcool adicionada na gasolina, de 25% para 20% , o que fez com que a grande empresa produtora de gasolina deste país precisasse importar gasolina , para não faltar no mercado interno. Da mesma forma, ela exporta gasolina mais barata e compra mais cara , por força de contratos.

A fábula conta ainda que grandes empresas estrangeiras, como a BP (British Petroleum), compraram no último ano, várias grandes usinas produtoras de álcool neste país imaginário , como a Companhia Nacional de Álcool e Açúcar, e já são donas de 25% do setor . A verdade é que hoje, este país exótico exporta o álcool e a gasolina a preços baixos, importa a preços altos um produto inferior, e seu povo paga por estes produtos um dos mais altos preços do mundo . Infelizmente esta fábula é real e o país onde estas coisas irreais acontecem chama-se Brasil

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Discurso Cruel

Discurso Cruel

Rodolfo Pamplona Filho

O discurso da imaturidade
é podre para a humanidade,
por não ter a experiência,
nem sequer a  vivência
de entender o texto,
em todo seu contexto,
buscando pretexto
para o exercício prático
somente pelo prazer sádico
de destruir, mostrando sua suposta
capacidade crítica de resposta.

Para um monstro bebê,
esta é a única forma de viver,
pois não encontram em seu ser
outro jeito de aparecer...
É impossível amadurecer,
sem efetivamente se arrepender
de não ter feito sincera reflexão,
nem buscado a compreensão
das consequências da destilação
de complexos em puro fel
no proferir seu discurso cruel.

Salvador, 17 de julho de 2011.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Ouvidos de orvalho

Poema do livro Biografia de uma árvore
Fabricio Carpinejar(
http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#Poema do livro Terceira Sede)

Ouvidos de orvalho
Na eternidade, ninguém se julga eterno.
Aqui, nesta estada, penso que vou durar
além dos meus anos, que terei
outra chance de reaver o que não fiz.
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:
serei esquecido quando redimido.

Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.
O esquecimento jamais devolve seus reféns.

A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.

O fogo é uma noz que não se quebra com as mãos.
A voz vem do fogo, que somente cresce se arremessado.
Não há como recuar depois de arder alto.
Fui lançado cedo demais às cinzas.

Somos reacionários no trajeto de volta.
Quando estava indo ao teu encontro,
arrisquei atalhos e travessas desconhecidas.
Acreditei que poderia sair pela entrada.
Ao retornar, não improviso.

Minha conversão é pelo medo,
orando de joelhos diante do revólver,
sem volver aos lados,
na dúvida se é de brinquedo ou de verdade.

O vento faz curva. Não mexo nos bolsos,
na pasta e na consciência,
nenhum gesto brusco de guitarra,
a ciência de uma mira
e o gatilho rodando próximo
do tambor dos dentes.

Derramado em Deus, junto meu desperdício.

Vou te extraviando no ato de nomear.
Melhor seria recuar no silêncio.

Cantamos em coro como animais da escureza.
Os cílios não germinaram.
Falta plantio em nossas bocas, vegetação nas u nhas,
estampas e ervas no peito.
Suplicamos graves e agudos, espasmos e espanto,
compondo esquina com a noite.

Cantar não é desabafo,
mas puxar os sinos
além do nosso peso,
acordando a cúpula de pombas.

Somos fumaça e cera,
limo e telha,
névoa e leme.
O inverno nos inventou.

Não importa se te escuto
ou se explodes meus ouvidos de orvalho:
morre aquilo que não posso conversar?

Ficarei isolado e reduzido,
uma fotografia esvaziada de datas.
Os familiares tentarão decifrar quem fui
e o que prosperou do legado.
Haverei de ser um estranho no retrato
de olhos vivos em papel velho.

Escrevo para ser reescrito.
Ando no armazém da neblina, tenso,
sob ameaça do sol.
Masco folhas, provando o ar, a terra lavada.
Depois de morto, tudo pode ser lido.

Vejo degraus até no vôo.
Tua violência é a suavidade.
Não há queda mais funda
do que não ser o escolhido,
amargar o fim da fila,
ser o que fica para depois,
o que enumera os amigos
pelos obituários de jornal,
o que enterra e se retrai no desterro,
esfacela a rosa ao toque
na palidez das pétalas e velas,
vistoriando cada ruga
e infiltração de heras entre as veias,
nunca adulto para compreender.

Não há nada de natural na morte natural.
Divorciar-se do corpo, tremer ao segurar
as pernas, acomodar-se no finito
de uma cama e deitar com o tumulto
que vem de um túmulo vazio.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Soneto dos Sete Bilhões

Soneto dos Sete Bilhões

Rodolfo Pamplona Filho

Em dois mil e doze, deste mundo,
mais precisamente na data
de trinta e um de outubro,
surgiu mais um bebê no mapa...

Uma criança como outra qualquer,
mas que traz, em si, uma marca:
sete bilhões de seres de pé
é gente que não caberia na arca...

Seja muito bem-vindo, neném,
desejo que seja amado por quem
compartilha o espaço de seu ninho...

Embora com tanta gente no planeta
talvez o maior receio seja,
que, algum dia, você se sinta sozinho

Salvador, 31 de outubro de 2011.