quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Ganhei...


                                                                                                                      Ricardo Albuquerque

Ganhei de presente a lua...

Não uma lua desenhada, no quadro negro, com giz, que se apaga com o passar de qualquer dedo...

Ganhei, de presente, a lua... Ela. Toda ela. Imensa. Prateada. Como bandeira hasteada e entronizada nos céus dos impossíveis.

A lua, nunca dantes povoada, agora me foi doada como por capitania hereditária... Mas não dividiram a lua em frações igualitárias, deram-me, ela toda, na sua inteireza. Toda minha, para sucumbir toda a tristeza... Conferindo-me leveza, e, ainda, faz-me lembrar de Tereza, Dona Tereza, Tia Tereza, Professora Tereza, minha mãe.

A lua, que ganhei de presente, é peça única, singular, e funciona diuturnamente, dispensando a substituição de baterias, e, sobrevindo um apagão, um big ou bang, ela estará lá, entronizada, nos céus dos impossíveis, funcionando perfeitamente, quanto todos os abajoures estiverem ensimesmados em sombras, apagados, invalidados pelo apagão ou pela simples economia de custos, a lua, que ganhei de presente, continuará no pódio, iluminada, refletindo a luz que inspira... Mesmo desligada da tomada.

A lua, que ganhei de presente, é de fases, tal qual um passatempo que te desafia a vencer a fase presente para adentrar-se numa outra fase, até então, inédita. O ser humano tem predileção pelo inédito. Esta lua me dá lições, sem, contudo, dizê-las. Diz sem falar. Não verbaliza. A lua, que eu ganhei de presente, emudecida e prateada, ensina-me a não desistir da minha fase, pois uma outra fase, subsequente, melhor e mais clara, há de vir, e não tarda a vir.

A lua, que eu ganhei de presente, possui regramento próprio: o seu manual de instruções são folhas avulsas, soltas, esvoaçantes, e estão nas alturas, nas alturas de Deus, que como a lua, está vestido de glória e de majestade. Ele se cobre de luz como de um vestido... As regras da minha lua foram escritas, delineadas, pelo Hábil Arquiteto que rabiscou-a no pergaminho do tempo, na roda criadora do gênesis, e ela já era lua, antes de ser lua, quando o Eterno, ainda, a rabiscava, pois tudo quanto Deus quer, simplesmente é. E soprou Deus no projeto da lua, e fez-se lua...

Possui um ciclo completo de fases: a isto se chamou lunação – período em que a sua porção visível e iluminada passa a aumentar gradualmente até fazer-se lua cheia. Repleta. Transbordante. Por intermédio das regras desta lunação, a minha lua, me faz não desistir, se hoje, a porção iluminada do caminho meu seja tão rasa, quase imperceptível, como na fase minguante ou nova, desta minha lua. Ela me conduz ao aguardamento do tempo da minha lunação, momento este no qual o ciclo será completo, então serei/serás/seremos repletos de luz, em toda a circunferência da vida nossa.

Ah... a lua, que ganhei de presente, prepara espetáculos enluarados. Ela organiza os seus saraus. A minha lua é tema recorrente nas canções de tantos: “Não há, oh gente, oh não, luar como este do sertão”. Ah... o luar do sertão. Outro poeta, utilizou-se da figura da minha lua, esta que eu ganhei de presente, olhando para o céu de Santo Amaro, lá na Bahia do meu Brasil, e cantou a imensidão das estrelas (e da lua) e o universo e a força do amor nos que amam, verdadeiramente amam...

A lua, que ganhei... me foi doada, de papel passado, em escritura caligrafada às custas de um tinteiro rubro, em um pergaminho simples: simplíssimo, cândido, quase pueril, tal qual o desenho de um infante em papel de pão. A escritura, que me confere propriedade desta minha lua, pois a posse todos tem, ao olharem para ela em noite enluarada, já disse, é simples, destituída de muitos artigos ou parágrafos difíceis de entender. É escritura auto interpretável. Ela há de ser minha e de todos quantos, dela necessitarem, para cantar o amor...

Veio pelas mãos de um amigo, que, por certo, a havia recebido, por herança, de outro alguém, igualmente, tão querido. Por isso falo desta minha capitania hereditária, que recebo, em papel amassado de pão cotidiano, escritura que vem entremeada dentro de um tubo, como se fora diploma de um graduando, desenrolo, agora, tal documento, todo escrito com letra de mão, humanizado, já que a lua humaniza. Documento todo escrito às custas de uma caneta tinteiro, de vermelha tinta, e que outra cor designaria tão bem o amor e a doação de luas e universos, senão a tinta carmesim, purpúrea, rubra e vermelhenta? Há, tão somente, uma ressalva, deverei, igualmente, doá-la em nome da poesia, do amor, das canções e orações.

A lua, que ganhei de presente, sempre obedeceu ao mandado daquele que vive para sempre. O mandado de Elohim... Esta minha lua esteve presente nos sonhos de José, filho de Jacó, ainda menino, aos dezessete anos, quando, ainda, apascentava as ovelhas do seu pai... sonhava o menino... no sonho o sol, a lua e onze estrelas se inclinavam a ele... A minha lua, presente, na promessa de exaltação do menino José, que chegaria a governar todo o Egito... Esta minha lua, noutra oportunidade, e, também, o sol, foram detidos, pela ordem de Deus na boca de Josué. O sol se deteve, e a lua parou, até que o povo de Deus se vingasse de seus inimigos.

A lua, que ganhei de presente, cabe no meu bolso, no alcance dos olhos ou nos movimentos uniformes da pena do poeta... “A pena de um destro escritor”

A lua, que ganhei de presente, ganhei-a de um amigo... Que munido de um binóculo, que não é vendável nas lojas de artigos do gênero, enxergou-me silente e só. E este meu amigo, doador, desta minha lua, viu-me, lá de longe, assistiu-me, quando eu tocava o meu violão plangente e choroso, e escrevia memórias... Ganhei-a de um amigo, a minha lua, a nossa lua, prateada, que alta vive, e não sabe fazer outra coisa a não ser iluminar, causando-me um certo renascimento, e porque cativar significa criar laços: eternos e indeléveis. Ninguém mais apaga o brilho desta minha lua, tampouco, inutiliza a escritura desta doação...

Ah... a lua que ganhei de presente...

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