terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Quarto monólogo (O fel das roupagens)




 Florisvaldo Mattos


 

Sobre areia largados utensílios,

à vigilância (naus enraivecidas)

dos cães. Os homens já são água e vento.

Retomemos o rastro dos cavalos,

O tempo regressivo, o sortilégio.

Sopram búzios os corpos esfolados.


Um grito sai das veias. Mutilados

pescoços emigrantes, olhos gastos

revisam espetáculo dos rios:

a guerra está no sangue sem verdades

submissos sem marfim — os absolutos.


Ei, parem. É comigo que eles falam,

os mortos, os prantos dominados.

Ardem de escravidão os nervos mudos.

Para os campos de el-rei, para os poentes,

os trabalhos acendem lábios duros,

os sonhos se aluíram na memória.


É comigo que duelam dedos murchos,

e sou eu quem trafega em suas noites,

piso chão de resgate e pesadelos.

Todos sabem que sou. Os que morreram

guardam o dever retido na montanha,

os ódios recomeçam e há retorno.


Mortos crivam no vidro a fúria toda

do principal momento não vivido.

Humanos gritos (sempre humanos) deixam

nas paredes a intacta geografia

do tempo aprisionado — resistência

do apodrecido chão que os mortos pisam


Meu tempo é medieval: um barão doente

vomita girassóis. Os dentes velhos

removem a canção dos muros frios,

por onde deslizasse mão ossuda,

que dos olhos nascida, florescera

em nave corrompida ou vãos tijolos.


Os bens adormeceram indivisos,

tão feitos do marfim dos patriarcas.

A palavra escondeu as previsões,

súbito amanhecida de mudanças:

o barão é um barão, sempre barão,

doira-se entre soluços e águas mortas.


Olhos pendem acesos da muralha,

riscando negro limo da memória,

e medem a extensão — antessonhado

mundo. Reina ao mesmo tempo inviolado.

Onde o espelho, o relho? Quero um espelho

onde veja o possuído tempo unânime.


o tempo meu, cortando extintos rostos,

apagados gemidos, como lâminas.

Quem vem lá, distante, avançando?

Quem ameaça meu solo, minha fauna?

Quem já próximo está violando o templo?


O espaço jaz imerecido.

Flui a verdade entre caminhos mortos.

Olho em redor: sumiram do terraço

guardas e lavradores — todos hoje

avançam na planície. As armas foram-se.

Devolvido o silêncio, as torres dormem.



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