sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Zoológico




Florisvaldo Mattos



Não leio o poema como o azul dos olhos

nem vejo as naves como a luz do ocaso

nada transformará lágrimas em frutos

nada redimirá as faces desbotadas.



Pássaro apenas

o bico inerte

as pernas rotas

os pés inchados



O silêncio perturba meu silêncio

nauta que se perdeu

imobilizado pêndulo

complexo sistema de horas

e sons estagnados.



Na gaveta do tempo

guardei os sapatos de outrora

o velho terno marrom

passeia em conúbio com as manhãs

sepultadas na poeira longínqua



Ficou a pele riscada de luto

o cimento categórico do presente



A vontade de rir envelheceu



Um dia alguém há de encontrar a fera

e penetrando sua crespa geografia

saberá que seus olhos ardem como brasas.



In A Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior Fundação Casa de

Jorge Amado/Copene, Salvador, 1996

 

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