sábado, 30 de junho de 2012

Dez microcontos sobre o nosso cotidiano

Direto do Blog do Sakamoto, no UOL

http://blogdosakamoto.uol.com.br/

Dez microcontos sobre o nosso cotidiano

57 Comentários »
Tenho postado no Facebook pequenos contos e crônicas sobre o nosso dia-a-dia. Já havia trazido para o blog dois pacotes deles, relacionados à capital paulista. Trago mais dez histórias urbanas, lembrando que a vida é feita pela somatória dos causos de cada um de nós e não por grandes narrativas de heróis, como bem diria Brecht.
Para ver as crônicas e contos já publicados, clique aqui e aqui. E agradeço imensamente quem inspirou a produção até aqui.
***
Pouco antes da aurora, instalava o violoncelo entre caixas de frutas e verduras douradas pelas lâmpadas do entorno do Mercado Municipal. E, com a cumplicidade dos feirantes, a curiosidade dos transeuntes e a anuência dos mendigos, tocava a Suite no. 1 em Sol Maior de Bach. Tudo parava. Então, sumia, dando passagem à manhã. Ninguém sabia quem era ou o porquê. Temiam que aquilo perdesse sentido com uma explicação.
***
Ninguém sabe como o incêndio começou. Quando o colorido da favela deu lugar às brasas escuras, ecos de lamentos se fizeram ouvir. Menos de Mauro, que pensava coisas do horizonte. Fabrícia chegou do serviço e ele abraçou seu pranto. “Queimou besteira só. Minha casa é você, sua casa sou eu.” Os jornalistas guardaram seus bloquinhos em um nó da garganta. E, naquele bairro, números viraram pessoas pela primeira vez.
***
Nasceram no circo. Ele, palhaço. Ela, gerente. Foram felizes juntos até que a lona ficou pequena para a moça. Durante uma temporada em Botucatu, lhe prometeram o mundo. Poucos minutos antes do espetáculo, Tião encontrou um bilhete. Dizem que ele nunca foi tão engraçado quanto naquela noite. O elefante, que conhecia a verdade, permaneceu em silêncio ao ver as piruetas do palhaço. E, com pena dele, chorou.
***
José lhe fez uma canção. Depois, foi tentar a sorte na Cidade Maravilhosa. Prometeu que seria sempre a única. Ano passou e o silêncio tomou lugar no seu peito. Enfrentou 24 horas de distância e, depois de muito procurar, ouviu aquela melodia. Sorrindo, correu. Mas, ao entrar na praça, o viu em serenata para outra galega. Não se fez notar, nem chorou. Hoje, ainda acredita no amor. Mas jogou fora a vitrola e o violão.
***
Quatro pilhas. Com isso, Taís tinha um bebê. Ela e as amigas brincavam no parquinho quando encontraram Maria e sua dona, uma boneca de pano sem um braço, caolha e encardida. Taís contou que a sua falava, andava e fazia xixi. Já a de Maria foi rainha e médica, descobriu tesouros e pisou na lua. Todas a acharam louca e se foram. Então, um homem de muitos outonos a abraçou e disse: “Às vezes, ter tudo é não ter nada”.
***
Era tímido. Por isso, um tal de Cadu fofocou que ele se apaixonara pelo único gay assumido da repartição. Em silêncio, ouviu muito. Na festa de Natal, um coro pediu um beijo dos dois. Sentiu vergonha, mas também um sentimento bom há tempos enterrado. Agarrou o rapaz bonito, dando um beijo que calou a balada. Os dois farão uma cerimônia civil em agosto. Queriam Cadu como padrinho, mas ele abaixa a cabeça quando os vê.
***
‎”Tem bolo de chocolate?” As cozinheiras, que apimentavam a vida dos outros, perceberam que ele pedia sempre para a mesma pessoa. Ela ficava vermelha, feito morango de torta, mas alimentava o rapaz tímido com sorrisos. Certo dia, o chocolate acabou. Antes que se fosse, a garçonete tomou coragem e lhe deu um bombom. Embrulhado nele, um número de telefone. Após marcar um encontro, ele suspirou. Não gostava de doce.
***
Alguns jogam. Outros são bonitos. E há os engraçados. Ele impressionava contando histórias. Então a conheceu. Queria que ela despertasse com cravos vermelhos, mas não era de posses. Pensou em redigir as próprias flores, mas não era iluminado para a poesia. Resolveu escrever-lhe um conto por dia, fazendo rir e chorar. Não se sabe se suas palavras tocaram o coração dela. Mas ao narrar os sentimentos, entendeu o mundo.
***
Não conseguia ficar acordado. E, por sofrer bullying, fez a faculdade em silêncio. Entre um jovem rico e ele, quem perderia a bolsa? Quando lhe puseram um cobertor velho, sob o riso do professor, engoliu o nó e agradeceu. No final, ao pegar o diploma, procurou os pais, mas só viu dois tiquinhos deixados de herança. Teve pena. Não dele, mas do mundo. E, com os irmãos pelas mãos, foi longe. Sem nunca olhar para trás.
***
No dia em que foram morar juntos, escolheram a parede mais branca e desenharam seus sentimentos. O tempo, contudo, é um solvente imperdoável. Ele, em desespero, cobriu tudo com demãos de raiva, rancor e dor numa única madrugada. Anos se passaram e, por capricho, a parede começou a descascar. Ligou para ela e juntos removeram as camadas ruins. Choraram. Riram. Hoje, os desenhos estão emoldurados na casa de cada um.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

A vida é bela!

A vida é bela! 
Hoje resolvi mudar.
Quero sair do marasmo,
Viver a vida com entusiasmo
Para poder me preservar.
 
Me preservar da chatice
Da rotina do dia-a-dia.
Me preparar para a velhice.
Que está chegando dia após dia.
 
Começo, meio e fim
Tem a nossa existência.
Quero vivê-la com sapiência.
 
Não estou numa torre de marfim
Mas, com perseverança e tenacidade
Espero solvê-la com mais serenidade.
 
(Paulo Basílio – 20/07/2011)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Pecados - minicontos

Pecados - minicontos
José Antonio " <joseacfran2@hotmail.com>


Luxúria
Um perfeito violão; silhueta de seu corpo, vestido de cetim azul.  Seus
lábios grossos; o desejo. O olhar; eu. Sem verbo ou palavra. O amor se fez
carne.

Ira
Freada brusca. Um longo grito...
Fuga do local do crime. Tiros perdidos e som de sirene. O vermelho estava
aceso, na encruzilhada devassada, e o sangue foi sugado pelo asfalto.

Preguiça
O vento suave do final do inverno passando lentamente por entre seus dedos
descobertos. A garrafa de vinho estava ao seu lado e a rede, levemente,
conduzia o seu corpo. O pêndulo do cansaço e da indiferença.

Gula
Ao sorver o último gole do café matinal, Ulisses pensou no que faria até o
almoço. Decidiu ir até a quitanda. Passaria no açougue e na padaria.

Inveja
Não suportava vê-la feliz. Hoje inventaria alguma coisa para lhe retirar
aquele sorriso da face. O mundo é muito cruel para alguém sorrir.

Avareza
Era o aniversário do filho e decidiu dar-lhe um presente, o primeiro.
Comprou-lhe um livro no sebo: Angústia, G. Ramos, capa dura; oito reais. O
filho faria 62 e ainda morava com o pai. Único.

Soberba
Jamais permitiu que alguém lhe ajudasse. Seria a dor mais terrível que
poderia sentir; a prova de que seria incapaz de resolver suas demandas.
Recusou enfurecido o pão que a velha mulher lhe ofereceu e se levantou do
banco da praça, sua mais recente moradia. Iria para outra cidade.

São Paulo, 29.7.2011

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Filosofando em Alemão


Filosofando em Alemão

Rodolfo Pamplona Filho

Nós somente podemos filosofar em alemão.
Quem disse que "sol" é masculino?
Quem disse que "lua" é feminino?
Por que nós identificamos a natureza?
Por que nós damos à natureza um determinado gênero?
O Sol, El Sol, Le Soleil, Il Sole ...
A Lua, La Luna, La Lune, La Luna ...
Se for para atribuir gênero, quem dá vida é sol e a lua é o guardião ...

Salvador, 09 de setembro de 2011.

terça-feira, 26 de junho de 2012

TENHA IDADE, MAS NÃO SEJA VELHO! (ou velha)

TENHA IDADE, MAS NÃO SEJA VELHO! (ou velha) 
(Nicolau Amaral)

Poupe um pouco para sempre ser independente financeiramente.
Não precisa ser muito, não comprometa o prazer que o dinheiro pode lhe dar em razão de um tempo maior de velhice, que pode até não acontecer, se você morrer breve.
Além disso, um idoso não consome muito além do plano de saúde e dos remédios.
Provavelmente, você já tem tudo e mais coisas só lhe darão trabalho.
Pare também de se preocupar com a situação financeira de filhos e netos, não se sinta culpado(a) em gastar consigo mesmo o que é seu de direito.
Provavelmente, você já lhes ofereceu o que foi possível na infância e juventude, assim como uma boa educação.
Portanto, a responsabilidade agora é deles
.
Não seja arrimo de família, seja um pouco egoísta, mas não usurário(a)
.
Tenha uma vida saudável, sem grandes esforços físicos.
Faça ginástica moderada, alimente-se bem,  mas sem exagero.
Tenha a sua própria condução, até quando não houver perigo.
Nada de estresse por pouca coisa.
Na vida tudo passa, sejam os bons momentos que devem ser curtidos, sejam os ruins que devem ser rapidamente esquecidos.

Namore sempre, independente da idade, com sua "velha"
(ou velho) companheiro(a) de caminhada.
O amor verdadeiro rejuvenesce.
As "Maria-gasolina" estão por ai e, um idoso, mesmo de classe média,é sempre uma garantia de futuro para as espertalhonas.
Esteja sempre limpo(a). Um banho diário, pelo menos.
Seja vaidoso(a), frequente barbeiro (cabeleleiro), pedicura, manicure, dermatologista, dentista, use perfumes e cremes com moderação e, por que não,  uma plástica?
Já que você não é mais bonito(a), seja pelo menos bem cuidado(a).
Nada de ser muito moderno(a), nem tente ser eterno(a).
Leia livros e jornais, ouça rádio, veja bons programas na TV, acesse a internet, mande  e responda e-mails,
ligue para os amigos. 
Mantenha-se sempre atualizado(a) sobre tudo.
Respeite a opinião dos jovens. Eles podem até estar errados, mas devem ser respeitados.
Não use jamais a expressão "no meu tempo", pois o seu tempo é hoje. 
Seja o dono(a) da sua casa por mais simples que ela possa ser. Pelo menos lá você é quem  manda.
Não caia na besteira de morar com filhos, netos, ou seja lá o que for. Enfim, não seja hóspede. Só tome esta decisão quando não der mais e o fim estiver bem próximo.
Você está no período do ronco e da flatulência.
Um bom asilo também não deve ser descartado e pode até ser bem divertido. Você irá conviver com a turma da sua geração e não dará trabalho a ninguém.
Cultive um "hobby", seja caminhar, cozinhar, pescar, dançar, criar gato, cachorro, cuidar de plantas, jogar baralho, golfe, velejar ou colecionar algo.
Faça o que gosta e os seus recursos permitam.
Viaje sempre que possível, de preferência,vá de excursão, pois além de mais acessível, pode ser financiada e é uma ótima oportunidade para se conhecer novas pessoas.
Aceite todos os convites de  batizado, formatura, casamento, missa de sétimo dia, o importante é sair de casa.
Fale pouco e ouça mais
.A sua vida e o seu passado só interessam a você mesmo.
Se alguém lhe perguntar sobre  esses assuntos, seja sucinto(a) e procure falar coisas boas e engraçadas.
Jamais se lamente de algo.
Fale baixo, seja gentil e educado(a), não critique nada, aceite a situação como ela é.
As dores e as doenças estarão sempre presentes; não as torne mais  problemáticas do que são falando sobre elas.
Tente sublimá-las. Afinal, elas afetam somente a você e são problemas seus e dos seus médicos.
Não fique se apegando em religião, depois de velho(a), rezando e implorando o tempo todo como um  fanático. 
O bom é que, em breve, seus pedidos poderão ser feitos pessoalmente ELE.

Ria, ria muito, ria de tudo, você é um felizardo, você teve uma vida, uma vida longa, e a morte será somente uma nova etapa incerta, assim como foi incerta toda a sua vida.
Se alguém disser que você nunca fez nada de importante, não ligue.
O mais importante já foi feito: Você!

O autor, Nicolau Amaral é empresário da área de Comunicação, formado em Relações Públicas pela Faculdade de Com. Social Anhembi.
 MENSAGEM PARA OS COROAS. É BOM LER, LEMBRAR OS DIZERES E SER FELIZ !!!

segunda-feira, 25 de junho de 2012

AUF DEUTSCH PHILOSOPHIEREN

AUF DEUTSCH PHILOSOPHIEREN

Rodolfo Pamplona Filho

Wir philosophieren gerade auf Deutsch.
Wer Behauptet Dass “Sonne” Männlich ist?
Wer Behauptet Dass “Mond” Weiblich ist?
Warum identifizieren Wir die Natur mit?
Warun geben Wir der Natur einen Bestimmten Genus?\
O Sol, El Sol, Le Soleil, Il Sole...
A Lua, La Luna, La Lune, La Luna...
Wenn es um Gender-zuweisen ist, ist Leben spendende Sonne den Mond ist die Hüterin ...

Salvador, Freitag, Der Neunter September Zweitausendelf (09.September.2011).

domingo, 24 de junho de 2012

Festa de São João


Festa de São João






São João oh meu São João...

Festa alegre e por todos festejada

Tem canjica, milho, bolo e quentão

Quadrilha, casamento na roça, namoro escondidin...

Tem forró, xaxado e baião



Muitos vão para o interiô

Com intenção de o máximo aproveitá

Alugam casas ou vão em excursão

A grande missão é se alegrá



Alguns ficam mesmo na capital

Por causa de vários motivos

Aproveita a festa de outra forma

Com licores e aperitivos



Essa é uma festa bastante popular:

Todos os produtos consumidos são nacionais

A melhor vestimenta é a caipira

A mesa do pobre e do rico são iguais.



Viajando ou não um conselho eu dou:

Brinque com juízo e não solte balão 

Evite os fogos e nas bebidas moderação

Aproveite a festa e tenha um Feliz São João!!





sábado, 23 de junho de 2012

O louco de palestra



Compartilhar:

O louco de palestra

Ele sempre começa com “Eu gostaria de fazer uma colocação”
por Vanessa Barbara
 
Em dezembro passado, o escritor gaúcho André Czarnobai, o Cardoso, publicou um diário na piauí intitulado “Pasfundo calipígia”. Salvo engano, foi a primeira vez em que se utilizou em letra impressa o termo “louco de palestra”. Imediatamente, a expressão ganhou densidade acadêmica e popularizou-se nos redutos universitários nacionais, encorajando loucos latentes e chamando a atenção da saúde pública para o problema.

O louco de palestra é o sujeito que, durante uma conferência, levanta a mão para perguntar algo absolutamente aleatório. Ou para fazer uma observação longa e sem sentido sobre qualquer coisa que lhe venha à mente. É a alegria dos assistentes enfastiados e o pesadelo dos oradores, que passam o evento inteiro aguardando sua inevitável manifestação, como se dispostos a enfrentar a própria Morte.

Há inúmeras categorias de loucos de palestra, que olhos e ouvidos atentos podem identificar em qualquer manifestação de cunho argumentativo-reflexivo, com a palavra franqueada ao público.

Há o louco clássico: aquele que levanta, faz uma longa explanação sobre qualquer tema, que raramente tangencia o assunto em debate, e termina sem perguntar nada de específico. Seu único objetivo é impressionar intelectualmente a plebe, inclusive o palestrante oficial. Ele sempre pede licença para “fazer uma colocação”.

Há o louco militante, que invariavelmente aproveita para culpar a exploração da classe dominante, mesmo que o tópico do debate seja arraiolo & bordado.

Há o louco desorientado, que não entendeu nada da palestra – e não vem entendendo desde a 2asérie, quando a professora lhe comunicou que o Sol é maior que a Terra – e, depois de circunlóquios labirínticos, faz uma pergunta óbvia.

Há o que faz questão de encaixar no discurso a palavra “sub-repticiamente”: é o louco vernaculista.

Uma criteriosa tipificação do objeto de estudo não pode deixar de registrar o louco do complô, que, segundo integrantes do próprio complô, é “aquele que acredita que toda a imprensa se reúne de madrugada com o governo ou a oposição para pegar a mala de dinheiro”.

Ou o louco adulador, que gasta os trinta segundos que lhe foram franqueados para dizer em dez minutos como o palestrante é divino. O louco deleuziano, que não sabe o que fala, mas emprega muito a palavra “rizoma”. E o louco pobre coitado, que pede desculpas por não saber se expressar, o que não o impede de não se expressar durante minutos intermináveis.

Depois de falar “Gostaria de fazer uma colocação”, todos podem usar a expressão “na chave de...”. Como nessa típica colocação: “O jornalismo entendido na chave da sociologia é sem dúvida uma ocupação rizomática, em termos de vir-a-ser.” São poucos os que dizem que algo acontece por causa de outra coisa. É sempre “por conta” da qualquer coisa em questão.

No entender de Cardoso, é raro não haver um louco à espreita quando ele está palestrando (ou painelando, ou debatendo, ou mesmo plateiando). O mais recente de que ele tem lembrança manifestou-se num encontro de blogueiros com editores, em São Paulo. Na ocasião, um camarada que até então ouvia tudo com atenção – mas em silêncio – pediu a palavra. “Em primeiro lugar, queria dizer que não sou blogueiro, não leio blogs, não entendo nada dessas coisas, mas também tenho direito a uma opinião”, afirmou, à guisa de apresentação.

E prosseguiu, o celerado: “Sou médico comunitário, organizo saraus na periferia e quero dizer que discordo de tudo que todo mundo falou aqui. Está todo mundo puxando o saco da Companhia das Letras.”

E disse mais: “O blog da editora está muito feio. Não tem cara de blog. Tem mais cara de site, e além disso acho que ninguém quer ler sobre os bastidores de como são feitos os livros.”

Em poucos minutos, ele invalidou audaciosamente tudo o que havia sido postulado até então. É o louco de palestra majestático, que ouve a conferência com ar de superioridade e acha tudo uma grande e gorda estultice.

Um bom louco de palestra é sempre o último a falar, pois passa o tempo todo digerindo o que foi dito. Só então ele pode dar alguma declaração desvinculada do tema, equivocada, mal-intencionada ou apenas incompreensível. Para o jornalista Matinas Suzuki, o tipo contempla com desprezo o que se discute, aguarda pacientemente a sua vez e, então, discorda com virulência. “Me corrijam se eu estiver errado”, ele diz a certa altura, só para parecer democrático. “Concordo com tudo o que vocês disseram, mas ao contrário”, prossegue. Ou ainda: “A minha colocação engloba a do companheiro e vai além”, num típico comentário condescendente de loucos de assembleia.

Há que se distinguir o maluco de palestra do desvairado de assembleia estudantil ou sindical. Nesta última, não há palestrante; todos têm o direito de incluir o nome na lista de oradores e falar, sem a necessidade de se ater forçosamente a um tema.

Segundo uma enquete com personagens da época, um dos mais célebres representantes dessa categoria, na década de 70, era o Gilson, um estudante do curso noturno de economia na Universidade de São Paulo. Era um gordinho trotskista que tinha a voz fina e usava um bigode ralo. O outro era o Reinaldinho, da ciências sociais, que, qualquer que fosse o assunto, dava sempre um jeito de encaixar a frase: “O concreto é a síntese de múltiplas determinações.” É verdade. Até Marx sabia disso. Mas repetir o conceito em todas as assembleias da usp dos anos 70 nem Engels aguentaria.

Embora essas duas categorias de louco (palestra vs. assembleia) se diferenciem por motivos óbvios, existe a possibilidade de infiltração de loucos de palestra numa típica assembleia estudantil/sindical. O infiltrado, em regra, é aquele que toma o microfone à revelia de todos e anuncia: “Questão de ordem!”, ainda que a alegação não proceda. Daí em diante, a performance é livre.

São assim os loucos de palestra: audazes, imprevisíveis, implacáveis, destituídos de noção ou sentido. Cardoso também se lembra de um debate em Curitiba, quando “um senhor moreno, grisalho, com uma sacola ecológica atravessada no peito e toda a pinta de quem pratica ioga, anunciou que ‘a internet é como uma vaca mágica, de onde cada um extrai o leite que deseja’”.

Infelizmente, é só isso que ele se lembra daquela longa e bizarra colocação.

Há quem se depare com um louco contemplativo, que é dos mais difíceis de lidar. Sobretudo na primeira mediação de sua vida. Foi o que ocorreu com o escritor e editor Emilio Fraia, que, nervoso e pautado por dezenas de papéis amarelos, conduziu um debate entre o cineasta Hector Babenco e o escritor William Kennedy, no dia 11 de agosto, em São Paulo.

“Primeiro, a moça levantou a mão e disse: ‘Eu tenho uma pergunta’”, contou Emilio Fraia com a pungência de quem luta contra um quadro de estresse pós-traumático. “Então, ela disse não saber por que estava ali. Viu que haveria uma palestra e entrou.” A moça era de Minas, estava há quatro dias num quarto de hotel, sozinha. “Mas gostei muito do que o senhor Kennedy falou, de ter sido recusado por treze editoras antes de publicar. Sou artista plástica.”

Nesse instante, começaram os apupos da plateia: “Pergunta!” Intrépida, ela não fez caso: “Tenho um trabalho baseado em cores e...” Apupos, apupos.

Ao término do arrazoado, Fraia não conseguiu esboçar reação. Ficou vermelho. Paralisado. “Até que a palestra encerrou-se por si só. Foi o fim, nada mais poderia acontecer após aquela intervenção”, relata.

Outra recente ocorrência de louco contemplativo deu-se numa palestra da escritora Fred Vargas, no Rio de Janeiro, acerca do caso Cesare Battisti. Um sujeito pediu a palavra e falou vinte minutos sobre a sua militância no Nordeste, nos anos 50, sem pronunciar nem uma vez o nome do Battisti.

Com esse tipo de maluco em vista, o cartunista Laerte Coutinho confessou imaginar o que restaria daquela experiência para o sujeito, o louco propriamente dito. “Acho que tudo se reduz à sua própria intervenção”, filosofou Laerte. E emendou uma teoria: dos debates, o louco de palestra deve se lembrar tão somente da sua performance. “Lembra aquela vez, em Curitiba, quando eu levantei a mão e comparei a internet a uma vaca mágica?”, diria o sujeito, satisfeitíssimo, numa reunião de um hipotético Grupo Unificado de Apoio aos Loucos de Palestra, o gulp.

O que poucos sabem é que a origem do louco de palestra remonta à história do pensamento. “Acho que ele surgiu pela primeira vez na Ágora grega: a democracia está cheia de loucos de palestra”, postula o editor Milton Ohata.

Na peça As Nuvens (423 a.C.), o dramaturgo Aristófanes, por exemplo, faz chacota dos sofistas – os loucos de palestra mais insignes da Grécia Clássica. Naquele tempo, já existiam “profetas, quiropráticos, mocinhos cabeludos, poetas ditirâmbicos, astrólogos, charlatões, impostores e muitos outros mais”, diz o texto. Gente que se rendia ao arrebatamento do discurso e à volúpia da articulação, um bando de consumados tratantes, palavrosos e descarados. Tais como Cairefonte, discípulo de Sócrates, que levantou certa vez a mão e perguntou ao mestre qual das duas era a teoria certa: “O mosquito, ao zumbir, se utiliza da boca ou justamente do contrário?”

Na antiga Palestina, talvez durante o Sermão da Montanha, devia haver loucos de palestra prontos para agir. Uma das perguntas lançadas ao Filho de Deus, e omitida dos registros canônicos, teria sido: “E aí, o que está achando de Cafarnaum?”

Especulações à parte, uma coisa é certa: foi um louco de palestra fariseu que abordou o Messias com uma pergunta mal-intencionada, e que recebeu como resposta: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Uma reação divina ao interlocutor maledicente.

O que nos leva ao difícil papel do mediador. É sabido que, diante de um louco de palestra, ele tem poucas opções. Uma é dirigir-se a uma rota de fuga predeterminada, levando os braços ao ar e abandonando o público à própria sorte. A segunda é a solução escolhida por Emilio Fraia: a completa e resignada paralisação, seguida de conclusão precoce do seminário e aceitação da ruína. Numa variante pouco mais elegante, o mediador pode emitir um constrangido “Fica aí a pergunta”, e encerrar a palestra com certo ar de mistério.

A terceira saída é se fingir de louco e ignorar a intervenção por completo. A tática é defendida por oradores calejados como o jornalista Humberto Werneck. Durante um papo sobre seu livro O Santo Sujo, em Belo Horizonte, um rapaz pediu a palavra e não fez pergunta alguma – divagou sobre coisas que ninguém entendeu. “Acho que era doidinho, e não fiz mal em esperar que esvaziasse a piscina verbal. Levou vários minutos. O cara terminou sem ponto de interrogação. Agradeci a participação e fui ao perguntador seguinte”, conta, sem constrangimento.

A quarta e última reação possível é a mais artística e profissional de todas. No domínio dessa técnica estão mediadores experientes como o crítico de arte Alberto Tassinari. Ele diz ter muita paciência quando um louco desses se pronuncia, “pois sempre bate em algum lugar respondível e o diálogo fica tremulando entre sua racionalidade intrínseca e sua irracionalidade que vem de fora, fora de hora e quase inutilizando tudo”.

O professor Samuel Titan Jr., da usp, é do mesmo time. “Meu louco favorito começa pedindo para fazer uma colocação e embarca imediatamente na autopromoção, que pode ser pseudoacadêmica, pseudoliterária ou de fundo ressentido (nas variantes de raça, sexo, classe, opção sexual ou todas as anteriores)”, revela, com a sabedoria advinda da experiência.

Nesses casos, ele recomenda que a única saída para se livrar da situação é “responder alguma coisa que não tenha nada a ver com o que ele disse e que tenha alguma coisa a ver com o que você tinha tentado dizer, tudo isso olhando no olho da criatura e usando cá e lá umas palavras difíceis, que é pra ver se o bicho se intimida – em geral, nem um pouco”.

É preciso encarar essas coisas filosoficamente, pondera Titan, que há poucos meses teve que enfrentar um belo exemplar da espécie.

O episódio ocorreu em 25 de março, na Casa do Saber, em São Paulo, num debate sobre ensaísmo. Estavam presentes o arquiteto Guilherme Wisnik, o artista plástico Nuno Ramos, Matinas Suzuki Jr. e, como mediador, Samuel Titan Jr.

A gravação em vídeo do colóquio é uma verdadeira obra-prima tragicômica. Por um feliz acaso, a câmera permanece focada nos quatro palestrantes durante a longa peroração de uma moça da plateia, que deve ter tomado fôlego antes de se levantar. Cada um dos intelectuais supracitados reage à sua maneira, coçando a cabeça, esfregando o nariz, olhando pra cima e tentando desesperadamente manter a compostura diante de ocorrência tão alarmante.

A intervenção se dá em dois tempos. No primeiro, que dura quase cinco minutos corridos, a moça expõe a sua verve: “A minha pergunta é sobre lugares e fronteiras”, inicia, num tom didático que pressupunha prévia reflexão sobre o tópico. “Eu vejo o ensaio como um espírito livre do pensamento expresso na forma escrita. Então acho que ele merecia um lugar de destaque, mas pelo que eu vejo da discussão, do debate entre vocês, há uma questão do lugar e das fronteiras, quando se fala num lugar chamado ‘entre nós’, ou quando se fala no Brasil, no mundo e, indo mais além ainda dessas fronteiras, na própria realidade.”

Dominado por um compreensível reflexo instintivo, Nuno Ramos passa a beber água compulsivamente. Samuel Titan alterna vigorosas coçadas de cabeça a uma distraída extração da pele ao redor das unhas. No coração de todos, a esperança de que a pergunta não tardará. A moça prossegue: “Eu vejo o ensaio como esse espírito livre do pensamento escrito porque ele vai além do pensamento escrito, chegando na realidade, com toda essa liberdade de conexões intertemas, e não só temas intelectuais ou conceituais ou acadêmicos, mas os próprios acontecimentos da realidade.”

Curiosamente, os quatro palestrantes decidem apoiar-se no cotovelo esquerdo, recostam-se nas cadeiras e cruzam os braços, como que tentando se defender da avalanche de conceitos que lhes são atirados impiedosamente.

E a moça vai em frente: “Então vejo uma maneira de resolver esses dilemas, essas questões que foram apresentadas, e me atendo ao que foi debatido entre vocês, que os ensaístas deveriam eles mesmos se colocar como espíritos livres.”

Sublinhe-se que ela faz referência à discussão e promete se ater ao que foi debatido, como se procurasse despistar a audiência. Dito isso, segue em frente: “Criar como que uma onda, o ensaio como uma pedra que cai na água e gera ondas não só daquilo a que ele se propõe, mas indo além. Indo além da própria subjetividade de quem escreve, ou do próprio arsenal de conhecimento acadêmico restrito, então o próprio ensaio brasileiro precisa adotar a postura de quebrar essa fronteira e se colocar como um ponto de convergência de forças que estão presentes no mundo hoje, tanto politicamente, como literariamente, cientificamente, artisticamente.”

Depois daquela peroração sem perguntas, Samuel Titan interrompe a moça e faz o que pode para encaminhar o debate. Os palestrantes comentam uma suposta “zona de conforto” no ensaísmo brasileiro, termo que a moça citou a esmo, dentro de um contexto só dela. O debate parece que vai engrenar. Que nada: num momento de deslize do mediador, a moça da plateia leva a melhor e consegue retomar o raciocínio: “Tenho visto coisas riquíssimas”, ela interrompe, e torna a abusar de advérbios: politicamente, literariamente, cientificamente.

É o segundo momento de sua dissertação, quando, em resumo, ela conclui que é preciso cultivar um ensaio “que também se dilui, também luta sub-repticiamente. Tem que haver uma coragem de sair da zona de conforto, quebrar essas fronteiras pra conseguir criar novas fronteiras, realmente fazer diferença na realidade”. Assim é encerrada a sua fala e, com ela, o debate.

De tanto ver Nuno Ramos bebendo água temeu-se que ele pudesse ter uma congestão.
A lenda é difusa, mas deve ter ocorrido nos anos 60, durante uma aula do professor Bento Prado Jr., na rua Maria Antônia. Terminada a explanação, em que o docente citou o filósofo Plotino várias vezes, um aluno respeitosamente levantou a mão e disparou: “Com licença, professor. Esse Plotino aí não seria o Platão, não?” Ao que o mestre respondeu: “Não, cretão.”

Como prova de que os tempos mudam, mas os loucos continuam, o escritor Antonio Prata relembra um doido recente da usp. Sua alcunha: Santo Agostinho. “Era um cabeludo, barbudo, meio sujão, sempre chegava com uns jornais que a gente não sabia se estava lendo ou se tinha dormido com eles”, descreve. O sujeito tinha lido uma única coisa na vida: Santo Agostinho. “E não importava qual fosse a aula, não importava quanto tempo ele tivesse que esperar, em alguma hora ele achava a ligação. Não fazia uma pergunta, ele vomitava: “Professor, professor, isso aí que você está falando de – Descartes – Platão – Adorno – neo-liberalismo – assentamento – greve – filtro solar – não tem a ver com aquele conceito do Santo Agostinho?”

É o louco monotemático, de tendência obsessivo-compulsiva.

Vale observar que nem as grandes personalidades estão imunes ao ataque verbal de um desatinado espectador. Conta-se que, durante uma reunião da esquerda latino-americana em Paris, na época das ditaduras militares, um louco de palestra investiu contra o escritor Mario Vargas Llosa. Da plateia, um barbudão levantou e vociferou: Mientras Obregón se moria en la selva por el pueblo peruano, tu, que hacias?

O público silenciou. Sem se abalar, Vargas Llosa respondeu que dava aulas de literatura espanhola numa universidade. E devolveu a pergunta: Y tu, que hacias?

Yo tenía la hepatitis, disse o barbudão.

Uma categoria popular é a do louco lírico. “É o cara que, a todo custo, quer ler um poema, um conto, o primeiro capítulo de um romance. Já aconteceu de pegarem o microfone da minha mão e saírem soltando o verbo”, disse o escritor Marcelino Freire. Para ele, os poetas são os piores: estão sempre pedindo a voz.

O cartunista Laerte aprecia em particular o louco superespecialista, que conhece o seu próprio trabalho melhor que você, e aponta incoerências e contradições no que acabou de ser dito. Esse tipo pode trazer proventos vantajosos e é até possível forjar um deles para atuar em sua própria palestra – o sujeito levanta a mão e diz que certamente naquele trecho você fez uma referência velada à noção de witzelsucht tal qual é discutida em Heidegger. Gênio, grande pensador, você emite um “arrã” de modéstia e segue para a próxima pergunta.

Para o crítico Rodrigo Naves, que ministra um curso livre de história da arte em São Paulo, os doidos mais comuns são os carentes, que se põem a falar de seus problemas afetivos, existenciais, mercadológicos. “Tem um oriental que já vi se pronunciar em três ocasiões diferentes”, conta, ele mesmo um ocasional louco de palestra, do tipo agressivo, se bem que em recuperação. Houve uma vez em que Naves se ergueu da cadeira e, indignado com a opinião do palestrante, disse: “Não, não, não, não. Não, não, não”, como só um bom profissional do ramo conseguiria exprimir.

Há um subgênero de louco latente que, no entender do jornalista Elio Gaspari, é aquele que vai para as conferências, ouve tudo com atenção, mas o negócio dele é a comida oferecida ao final do evento. “Conheci um elegantíssimo, nos Estados Unidos, que ia de terno jaquetão. A piada era que um dia ele faria uma pergunta recitando todas as palestras que ouvira”, conta.

O mais recente registro formal de um louco de palestra ocorreu no último dia 10 de agosto, após um bate-papo com os cartunistas Gilbert Shelton e Robert Crumb, em São Paulo.

A intervenção abilolada saiu nas páginas do Estado de S. Paulo, registrada por Jotabê Medeiros: “Um maluco gritou lá de cima do mezanino perguntando qual seria a personalidade morta que Crumb elegeria para tomar uma cerveja consigo.” Crumb retrucou: “Não tomo cerveja com gente morta. Na verdade, nem tomo cerveja.” Em outro momento da noite, o cartunista pediu que um fã dominasse seus ânimos. “‘Shutupfuckoff!’, rosnou, e o menino riu.”

Bem-aventurado é o louco anônimo, o louco voluntário, o que se levanta indômito no meio da palestra e parte rumo à consagração. Amaldiçoadas sejam as perguntas por escrito, as regras contra a manifestação do público, o apupo impaciente, a placa de aplausos obrigatórios, as pessoas que jogam tomates em quem está atrapalhando o andamento da coisa.

Amaldiçoado seja o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que no livro Minhas Palavras agradece aos alunos por suas reações “mudas, mas perceptíveis” que lhe permitiram desenvolver o pensamento sem grandes atropelos.

Viva aquele que comparece a palestras apenas para matar o tempo, e que ainda assim não perde a chance de se expressar, pois que é interessado em dividir suas opiniões com os outros seres. Viva a falta de noção, de vergonha e de respeito às autoridades presentes.

Todos têm um louco de palestra dentro de si, esperando para aflorar. Somos apenas reprimidos pelos grilhões da compostura, da sanidade mental e da idade adulta, o que nos impossibilita de protagonizar, em conferências, grandes momentos da história da argumentação humana – como quando, na Flipinha de 2005, um ouvinte de 5 anos de idade levantou a mão e perguntou ao escritor Luis Fernando Veríssimo: “Você gosta de suco de uva?”

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Cansado do jargão jurídico?

Cansado do jargão jurídico?
Lê uma sentença no Diário Oficial e fica completamente perdido?

Acha que a linguagem forense  é  de outro planeta?

SEUS PROBLEMAS ACABARAM!!!! - Agora, com o curso rápido TABAJARA, você vai entender o que é Direito, nem que seja na porrada:

1- Princípio da iniciativa das partes - 'faz a sua que eu faço a minha'.
2 - Princípio da fungibilidade - 'só tem tu, vai tu mesmo (parte da doutrina e da jurisprudência entende como sendo 'quem não tem cão caça com gato).
3 - Sucumbência - 'a casa caiu !!!'
4 - Legítima defesa - 'tomou, levou'.
5 - Legítima defesa de terceiro - 'deu no mano, leva na oreia'.
6 - Legítima defesa putativa - 'foi mal'.
7 - Oposição - 'sai batido que o barato é meu'.
8 - Nomeação à autoria - 'vou cagoetar todo mundo'.
9 - Chamamento ao processo - 'o maluco ali também deve'.
10 - Assistência - 'então brother, é nóis.'
11 - Direito de apelar em liberdade - 'fui!' (parte da doutrina entende como 'só se for agora').
12 - Princípio do contraditório - 'agora é eu'.
13 - Revelia, preclusão, perempção, prescrição e decadência - 'camarão que dorme a onda leva' (SENSACIONAL!!!!!).
14 - Honorários advocatícios - 'cada um com os seus problemas'.
15 - Co-autoria, e litisconsórcio passivo - 'passarinho que acompanha morcego dá de cara com muro', ou 'passarinho que acompanha morcego, dorme de cabeça pra baixo'.
16 - Reconvenção - 'tá louco, mermão. A culpa é sua'.
17 - Comoriência - 'um pipoco pra dois' ou 'dois coelhos com uma paulada só'.
18 - Preparo - 'então..., deixa uma merrequinha aí.'
19 - Deserção - 'deixa quieto'.
20 - Recurso adesivo - 'vou no vácuo'.
21 - Sigilo profissional - 'na miúda, só entre a gente'.
22 - Estelionato - 'malandro é malandro, e mané é mané'.
23 - Falso testemunho - 'fala sério...'.
24 - Reincidência - 'porra mermão, de novo?'.
25 - Investigação de paternidade - 'toma que o filho é teu'.
26 - Execução de alimentos - 'quem não chora não mama'.
27 - Res nullius - 'achado não é roubado'.
28 - De cujus - 'presunto'.
29 - Despejo coercitivo - 'sai batido'.
30 - Usucapião - 'tá dominado, tá tudo dominado'.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Caráter e Reputação

Caráter e Reputação 

Caráter é o que somos, reputação é aquilo que os outros pensam que somos.
Esta diferença esta no poema escrito por William Davis.

“ As circunstâncias entre as quais você vive determinam sua reputação; a verdade em que você acredita determina seu caráter.

A reputação é o que acham que você é;
O caráter é o que você realmente é...
A reputação é o que você tem quando chega a uma comunidade nova;
O caráter é o que você tem quando vai embora...

A reputação é feita em um momento;
O caráter é construído em uma vida inteira...

A reputação torna você rico ou pobre;
O caráter torna você feliz ou infeliz...

A reputação é o que os homens dizem de você junto à sua sepultura;
O caráter é o que os anjos dizem de você diante de Deus. “

quarta-feira, 20 de junho de 2012

pleonasmos sentimentais


De vez em quando antitética, só para não ser paradoxista;
Noutras prefiro a metáfora ao invés de uma simples comparação,
porém há momentos no qual deixo o hiperbolissismo dominar-me,
quase esquecendo que o eufemismo gera menos frustrações.
Às vezes ao tentar tornar-me menos sinestésica
minha vida parece rodar num hipérbato incomparável
e talvez seja esse o real motivo de todos os meus pleonasmos sentimentais.

Luíse M. de Santana <luise-ms@hotmail.com>

terça-feira, 19 de junho de 2012

Um pouco de Paulo Leminski

Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
(P. leminski)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Na Praia...


Na Praia...

O mar é verde esmeralda,
cheio de jangada e barquinho...
O sol me queima de leve
e eu desejando seu beijinho!.

Menino bonito, com jeito de céu,
menino claro como o dia,
sua poesia é meu azul
e seu amor, minha folia....


Beatriz A.M.

domingo, 17 de junho de 2012

Script


É um sentimento tão surreal que chego até a pensar que é algo inventado. Como se eu tivesse elaborado todo esse romance em minha cabeça e você, por um acaso, tivesse se encaixado perfeitamente no papel principal. A sintonia entre você e o personagem que eu criei para minha história de romance-killer foi tão inacreditável que passei a achar que o meu personagem tivesse sido criado a partir de você. Erro no script, figurantes prolongando suas pequenas aparições, encontros e desencontros entre a mocinha e o seu príncipe, vilão adquirindo qualidades inimagináveis. Mas depois de tantas falhas, eu, hoje em dia, só espero poder sair viva dessa história.

Luíse M. de Santana <luise-ms@hotmail.com>

sábado, 16 de junho de 2012

CELEBRAÇÃO

CELEBRAÇÃO

Alexandre Roque

Era um templo feito por mãos humanas. Quando entrei, a cerimônia já havia começado. Sentei-me ao lado de um cidadão que acariciava o cristal líquido de um celular e parecia estar alheio ao que acontecia ao seu redor.
No palco, uma banda tocava músicas religiosas que falavam de um Deus de amor, de pecados confessados, humilhação e exaltação, choro e alegria. Alguns músicos cantavam de olhos fechados; outros de olhos abertos, mas com uma expressão contrita. Às vezes, esboçavam um riso de extrema felicidade, levantando as mãos para os céus, para logo em seguida cerrarem o cenho num gesto de profunda dor, acompanhando o tema que era executado.
As melodias eram bem atuais, predominando o pop-rock. As paredes do tempo feito por mãos humanas também eram modernas. Nada que lembrasse as antigas catedrais medievais. Cadeiras de plástico, chão de cerâmica, paredes pintadas de branco, quase não havia decoração. O visual asséptico do ambiente parecia forjado para lembrar que Deus não estava ali.
Não sei se pela terceira ou quarta música, achei ver algo diferente no palco. Havia um velho enorme, de uns cinco metros de altura, sentado numa cadeira. Estava sonolento e bocejava. Um terror invadiu-me e fiquei paralisado por alguns segundos. Pensei em sair correndo, mas olhei em volta e ninguém parecia notar o velho homem. Continuavam cantando, e meu vizinho seguia acariciando o celular com seus dedos. Uma senhora cantava alto a música lenta e emocionante. Estava de olhos fechados, braços elevados e chorava.
Olhei para o palco e a imagem do homem estava mais nítida. Ele agora, com ar grave, contemplava a multidão. Seu rosto era meigo, sereno. Tinha cabelos brancos e barbas longas. Vestia-se com um manto azul e estava descalço. Fitei os seus olhos e comecei a chorar. O homem parecia incomodado com a cantoria e o barulho dos instrumentos. Remexia-se na cadeira, franzia a testa e bocejava. Começava a cochilar e acordava. Remexia-se novamente, tentava encontrar uma posição confortável.
A música cessou e o celebrante começo o seu discurso, justificando a arrecadação de dinheiro que se seguiu. Terminada a execução de mais uma música, seguiu-se a homilia.
Enquanto o pregador falava, ora calmo como um lago, ora nervoso como um tsunami, vi a imagem de uma mulher negra por trás da cadeira onde estava sentado o homem velho. A mulher aparentava vinte e poucos anos e gritava dores de parto. Olhei em volta e ninguém parecia notar a mulher.
O pregador falava de um reino futuro, um reino de mil anos que se seguirá a sete anos de tribulação que a Terra sofrerá num futuro breve. Não será um reino fictício nem celestial, mas um reino terreno, como o Reino Unido ou a Espanha. A coroa pertencerá a Jesus Cristo, aquele mesmo que andou pela Palestina há dois mil anos. Sim, ele logo voltará – dizia o pregador –, não uma, mas duas vezes. A primeira, secretamente, para arrebatar seus seguidores. A segunda, visivelmente, para implantar esse reino de mil anos. Uma espécie de monarquia teocrática, onde o rei Jesus Cristo dará as ordens, diretamente do seu trono em Jerusalém, auxiliado pelos seus apóstolos. Os seus demais seguidores também terão participação ativa nesse reino, como secretários, governadores e diplomatas.
Enquanto a pregação se desenvolvia, deixando a plateia em êxtase, a mulher negra, aos prantos, seguia em trabalho de parto. Suas feições, agora mais nítidas, revelavam sofrimento e tristeza profunda. Seu olhar era doce e triste, muito triste, como eu jamais vira. Pela segunda vez eu chorei. Observei que a pele da mulher era coberta por chagas e sua magreza era extrema. O homem velho de barbas longas, sentado em sua cadeira, no palco do templo feito por mãos humanas, observava a plateia e a mulher negra. Ele aparentava mais desconforto e tentei decifrar sua expressão. Pareceu-me demonstrar indignação com a apatia do público.
No seu derradeiro grito, já quase no final da homilia, enquanto o pregador descrevia em detalhes as maravilhas do reino de mil anos – onde não haverá dor nem pranto, dizia –, a mulher pariu seu filho. A cena encheu-me de terror. O rebento era raquítico, assustadoramente magro e parecia ter apenas olhos. Achei que esses olhos me fitaram, mas não pareciam os olhos dele, mas os mesmos olhos do velho que estava sentado na cadeira. Fechei os olhos.
Ao contemplar de novo a cena, dei conta de que o recém-nascido estava morto, de braços abertos, por trás da cadeira do homem velho, que agora chorava. Também a mulher negra estava morta. Chorei pela terceira vez, copiosamente. Em soluços, olhava ao redor. Todos estavam cantando, eufóricos, enquanto o pregador conduzia a última prece.
Não vi mais nada no palco, a não ser o pregador e a banda de música. Encerrada a celebração, todos foram saindo do tempo feito por mãos humanas. Eu também saí.
Às vezes, lembro da mulher negra e do seu filho, e do velho de barbas brancas. Às vezes, parece que os vejo pelas ruas onde ando.



Alexandre Roque
------------------------------------------

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O silêncio é palavra

O silêncio é palavra
                                          Malu Calado



O silêncio é palavra
A angústia é um buraco na alma
Às vezes a sensação da entrega
Diz mais que a espera da letra
Portanto, acalme seu lamento
E beije o rosto de quem te espera

A solidão é constante
A fragilidade, a carência
Mas aprende-se com a vida
E bons mestres
Que pode-se viver só
Se te lançam um feitiço
Preciso de um feitiço
Para aprender a viver só

Um romance pode ser um inferno
Mas a falta dele
É a morte em vida
Rasgando o peito
Então vem uma mensagem
Quiçá um beijo
E tudo se acalma novamente.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Escrita

Nasceu com o dom da escrita. Havia nela uma inspiração fora do comum. Era como se fosse uma romancista da era moderna. Relacionamento tipicamente atual, mas um amor antigo, meio démodé, porém encantador.

Luíse M. de Santana <luise-ms@hotmail.com>

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Pergunta Engraçadinha

Pergunta Engraçadinha
Beatriz A.M.
Cinema ou motel?
Oh, dúvida cruel!

"Os Filhos de João"
ou você no meu colchão?

Romance no escurinho
ou nudez, pele e beijinho?

Mas o que posso fazer,
se eu quero tudo com você...?
Mas o que posso fazer,
se tudo que eu quero é você?

terça-feira, 12 de junho de 2012

DIA DOS NAMORADOS

DIA DOS NAMORADOS
Por MMendes
            Naquele escurinho premeditado, um casalzinho namorava no interior do veículo. Tentativa de um beijo aqui, de um abraço ali:        
- Cuidado com meu cabelo Jorge Antônio. Você está me desarrumando toda!
- Jorge Antônio, amanhã comemoraremos um ano de namoro. Qual vai ser meu presente?
- Já sei. Eu quero uma pulseira de brilhantes de pedras selenitas...não, não, acho melhor um par de brincos de brilhantes marcianos ou seria melhor um belo vestido modelável supercondutor de energia da e-tecidos, para carregar meus “gadgets”? Ah! Jorge Antônio, o que é que eu vou ganhar?
- Amanhã vou acordar cedinho e vou às compras. Já me vejo glamurosa pelas calçadas deslizantes do shopping. Depois vou para o SPA...uma sessão de massagens relaxantes, manicura a laser, determatologia rejuvenescedora, nanolipoaspiração instantânea e, por fim, cabeleireiro com tintura de fios fotográficos. De noite vamos a um bom restante comemorar nosso primeiro ano de namoro. Minhas amigas vão remoer de inveja.
- Ah! Jorge Antônio, não me mate de curiosidade. Qual vai ser o meu presente?
Enquanto Manoela falava sem parar, Jorge Antônio cruzava os braços olhando para o vazio. 
            - Jorge Antônio! Você nem prestou atenção ao que eu disse. Deu um beijinho no namorado, abriu a porta, saiu do automóvel de flutuação antigravitacional e subiu a escada rolante de sua casa.
            No dia seguinte, logo pela manhã o videofone toca. Manoela atende e fica atônita com a notícia:
- O Jorge Antônio envolveu-se em um acidente? O corpo está no crematório? Pegar os restos viventes? Já estou indo.
 Manoela é avisada de um gravíssimo acidente envolvendo seu namorado. Ele teve o corpo mutilado de forma irrecuperável, ou quase. Depois de extraído o código do DNA, seu corpo foi cremado. Diferentemente da cremação de nossa época, em que os parentes recebem uma urna com as cinzas do morto, a moça assistiu a cremação e saiu de lá com o repositório cerebral de seu namorado. O cérebro de Jorge Antônio boiava dentro do repositório, olhos atentos. Pareciam olhos de siri observando mudo a tudo o que se passava.  
            No tempo de Jorge Antônio a medicina avançou ao ponto de que, mesmo sem um corpo seja possível uma perfeita preservação da mente, até que se produza de um novo corpo. Técnicas inovadoras de reprodução clonada de crescimento acelerado permitem que em poucos meses seja produzido um novo corpo, idêntico ao anterior que receberá a mente. Enquanto isso, a mente fica armazenada no cérebro acondicionado num repositório cerebral oxigenado, esperando o novo corpo para ser implantada. Para que a mente não caia em estado depressivo, os cientistas extraem os olhos e ouvidos do paciente juntamente com o cérebro, conectados por meio do nervo ótico e auditivo respectivamente. Não fosse essa técnica revolucionária, a mente ficaria vagando numa espécie de limbo, em completa escuridão e solidão, desprovida de todos os sentidos da percepção.
Em 2100 a técnica da preservação da mente será coisa muito comum, mas para os viventes de nossa época atual ver uma coisa dessas é muito bizarro. Poderíamos dizer que a mente imersa no repositório, assemelha-se a um “grande molusco” com antenas, um tipo de caracol sem concha, vivendo dentro de um aquário.
Naquela manhã fatídica, Manoela não pode ir às compras, nem ao SPA ou ao cabeleireiro e, ainda por cima, ganhou o cérebro de Jorge Antônio como presente de um ano de namoro. Mesmo assim, a moça prossegue no cumprimento dos itens planejados. Decide levar o namorado, ou o que sobrou dele, para um jantar romântico.
Depois de horas folheando os vestidos no guarda-roupa tecnológico, escolheu um vestido de grife, um sapato de salto da Louis Future, improvisou o cabelo na impressora pessoal de penteados, maquiou-se, empetecou-se com jóias, tomou o repositório cerebral de Jorge Antônio nos braços e saiu imponente a caminho do restaurante.
Chegando ao local, foi recepcionada por um mestre de cerimônia cibernético. Manoela logo foi reconhecida pelo robô, que a identificou pelas ondas positrônicas emitidas pelo “chip” implantado em seu braço direito.
- Seja bem vinda senhoria Manoela. Disse o robô com seu sotaque cibernético. Enfim, o futuro resolverá o problema do atendimento ao cliente. Evoluiremos para descobrir que seremos mais bem atendidos por máquinas que por pessoas. O bom atendimento compensará, de certa forma, o desemprego. Programados para serem amáveis com os clientes, os robôs terão como característica marcante a presteza, a simpatia e a gentileza.
Manoela nem se deu ao trabalho de agradecer ao serviçal cibernético. Afinal, era humana. Ela o considerava um ser inferior, um mero objeto, uma simples máquina. Com certeza ele seria descartado, substituído por outro mais avançado daí alguns anos.
- Tá vendo o que você foi arrumar Jorge Antônio. É incapaz de puxar a cadeira para mim. Deixei de ir ao SPA, ao cabeleireiro e de me produzir por sua culpa. Meu cabelo está péssimo, nem tive tempo de me arrumar direito. Agora fica ai me olhando com esses olhinhos de piedade.
Nesse momento aparece uma das frívolas amigas de Manoela:
- Oi querida, como tem passado?
- Olá Jorge Antônio, fiquei sabendo do acidente. Mas, não se preocupe, em pouco tempo terá um corpinho novo em folha.
- Querida você não sabe da última... e blá, blá, blá, blá, blá, blá. Você viu o cabelo da Matilde, que horror. E mais blá, blá, blá, blá, blá, blá.
Jorge Antônio ficou ali, prisioneiro ouvindo aquele monte de futilidade. Chegou a pensar que seria melhor ter morrido no acidente ou pelo menos perdido as orelhas para não escutar tanta banalidade. Ele queria curtir a noite, falar de amor e fazer planos para o futuro. Procurava uma mulher sincera, amável e amiga, embora em primeiro lugar estivesse a qualidade de perfeita amante. Procurava expressar isso com os olhos e até abanava as orelhas, mas Manoela estava perdida num mundo de luxuria e consumo, não poderia compreendê-lo.
-Tchau querida, nos vemos depois. “Bye bye” Jorge Antônio, até a próxima encarnação.
Enquanto a amiga de Manoela passava, os olhos de Jorge Antônio acompanharam aquele fabuloso rebolado, cadenciado por grossas pernas, sustentado num par de saltos.
- Jorge Antônio, seu cretino. Não tem vergonha? Ficar paquerando minha amiga na minha cara? Tenho vontade de te esganar.
Furiosa, Manoela estrangula a mangueira do oxigenador do repositório cerebral, asfixiando Jorge Antônio. Mudo, com os olhos esbugalhados, pediria socorro se pudesse. A falta de oxigenação provocou um aumento de gases do repositório fazendo subir a pressão. Um jato aquoso do líquido de conservação do cérebro, esguichou lançado pelo orifício da válvula de segurança, atingindo Manoela que ficou completamente encharcada.
- Seu mal educado. Para mim basta. Eu te odeio seu...seu...seu cérebro machista.
Jogando o guardanapo na mesa, Manoela saiu do restaurante pisando duro, para nunca mais voltar. Estava tudo acabado. É mesmo muito difícil ver o que se passa na alma das pessoas. Jorge Antônio buscava um grande amor. Ficou ali sobre a mesa, mudo, solitário, pensativo. Quase morreu para aprender a lição. Desprovido de seu corpo, prometeu que escolheria sua nova namorada pelas qualidades internas, não só pelos atributos do físico feminino.
Um pouco antes de o restaurante fechar as portas, os funcionários começaram a arrumar mesas e cadeiras. Sem premeditar, um garçom colocou o repositório de Jorge Antônio em frente a outro repositório cerebral, também abandonado numa outra mesa. Na verdade o trabalhador apenas queria organizar o lugar antes de fechar,  mas foi como se o destino guiasse seus braços.
Os empregados saíram apagando as luzes fechando as portas. Na penumbra os dois desconhecidos guardados em seus repositórios ficaram um de frente para o outro. Admiravam-se como almas gêmeas. Passaram a noite entreolhando-se sem nenhuma palavra. Pareciam trocar pensamentos, um mirando o outro, como se quisessem entrar um no outro pela pupila dos olhos. Se alguém pudesse vê-los teria a nítida impressão de verem dois seres apaixonados, uma paixão platônica.
No dia seguinte, o dono do restaurante mandou devolver cada repositório à sua respectiva família. Passado alguns meses, Jorge Antônio ganhou seu novo corpo clonado. Restabeleceu-se por completo e retomou sua vida. Mas, o olhar da misteriosa companhia ficou guardado em sua memória. Não sabia quem ela era ou onde morava. Ele caminhava pelas ruas da cidade procurando aquele olhar nos olhos das pessoas que cruzavam seu caminho, na esperança de um dia encontrar sua cara metade.