O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A GALINHA
M.Y.Minami[1]
Certa feita, em uma aula a que assistíamos do professor Fredie Didier Jr., este comparou o devido processo legal com Gizmo. Para quem não lembra, Gizmo é um bichinho de um filme americano muito popular na década de 80 (Os Gremlins) possuidor de algumas características inusitadas: não poderia ser exposto à luz forte (a do sol, por exemplo, matava-o); não poderia ser molhado (pois se multiplicava) e, o mais importante, não poderia ser alimentado após meia noite (pois se tornava um Gremlin, a saber, um terrível monstrinho que a tudo destruía). Didier, em seu exemplo, utilizou justamente a segunda característica, ou seja, a capacidade que Gizmo possui de gerar, a partir de si, outras criaturinhas e sem perder suas características originais. Assim é o devido processo. Trata-se de um princípio gerador de outros princípios e que não perde seu conteúdo original. A comparação é perfeita. Em certa palestra, também ouvimos a Professora Teresa Wambier falar dos Gremlins comparando-os aos recursos que, por vezes, se multiplicam sem parar. Para nós, que ensinamos Processo, essas metáforas são sempre úteis para uma exposição mais didática de seus temas, às vezes áridos e de difícil assimilação.
Outro dia, em uma aula que ministrávamos sobre As Ondas de Acesso à Justiça de Cappelletti um aluno dos primeiros semestres indagou sobre o devido processo e sua capacidade de gerar princípios. Como se tratava de pessoa bem mais jovem do que nós, era certo que se falássemos em Gizmo, antes de aplicar a metáfora em si, teríamos de ensinar sobre os Gremlins e suas regras. Dois trabalhos, portanto. Resolvemos, destarte, comparar o devido processo com uma galinha! Vejamos o porquê.
i) A galinha gera ovos que se tornam pintinhos que, posteriormente, serão outras galinhas ou galos. As novas galinhas gerarão mais ovinhos etc. O devido processo, como a galinha, também gera outros princípios, cada um desses aptos a gerar mais princípios (ou mesmo regras).
ii) A galinha, ao gerar ovinhos, não deixa de ser galinha. O due process, ao gerar princípios, não deixa de ser o que é, ou seja, não tem seu conteúdo esvaziado.
iii) E a comparação mais sutil. É sabido que pessoas abastadas e grandes empresas possuem maiores condições de contratarem grandes escritórios de advocacia e/ou, por vezes, podem esperar por longas demandas judiciais. Sua vantagem frente a litigantes individuais de parcos recursos é notória. Não são conclusões nossas. Em verdade, são lições conhecidas de Mauro Cappelletti em seus famosos estudos sobre acesso à justiça. E a galinha? A resposta vem em duas outras perguntas. Dos litigantes acima relacionados, quem mais sofrerá se não observado o devido processo e seus consectários? Os menos favorecidos. Considerando, agora, a galinha como fonte de alimentação, quem mais sofrerá na falta desse delicioso quitute e seu consectário mais famoso, o ovo? Mesma resposta: os menos favorecidos. Procure, por exemplo, em jantares mais refinados, galinha ou ovo. Se vierem, serão disfarçados em pratos de nomes esquisitos. Moral da história: os injustiçados são mais ávidos por um devido processo (e por galinha e ovo) do que os mais abastados. Parece uma comparação idiota, mas o aluno nunca mais esquecerá o alvitre.
Um ouvinte mais questionador poderá afirmar: “mas, se eu comer a galinha, acabo com o devido processo e sua possibilidade de colocar mais ovinhos”. É verdade. Mas, como todas as metáforas, também esta não poderia ser infensa a críticas. Paciência! O importante é ensinar processo tentando mitigar sua complexidade. A saída aqui proposta é o humor.
[1] Bacharel em Direito pela UFC-CE. Especialista em Direito Processual pela UNISUL-SC. Mestrando em Processo Civil pela UFBA-BA. Professor de Processo Civil da Faculdade Paraíso-CE. Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Endereço eletrônico: youji_@hotmail.com
Enquanto estamos na faculdade, ou apenas estudando a teoria, não temos a dimensão da importância do ovo e da galinha para a população que recorre a justiça. A prática nos mostra todo dia as injustiças da justiça.
ResponderExcluirOi, Ana Luiza!
ExcluirÉ este o espírito da metáfora...
Abraços,
RPF