Fazia mais de um mês que eu cobria diariamente o percurso entre a praia e uma pequena ilhota. Uma formação de pedras há cerca de dois quilômetros. Começava com braçadas lentas para o aquecimento. Alguns minutos depois, com a sensação de que os músculos estavam soltos eu aumentava o compasso. Fazia emergir a cabeça a fim de buscar a respiração alternando os lados. À vezes olhava à frente para corrigir o rumo. A ilhota na mira. O corpo quase todo afundado, o gosto de sal nos lábios, as pernas em movimento ritmado, a carícia da água e a visão do céu. Longe, na praia, que eu via uma respirada sim e outra não, minha vista pousou, naquele quase átimo, na varanda de uma casa de veraneio. Havia alguém na varanda? Repeti a respiração no mesmo lado e pude ver que era mesmo uma pessoa. Talvez fosse um homem, mas era incerto afirmar, dada a distância. Mas decidi que era. Talvez estivesse admirando o meu nado solitário, agora não mais, pois havia o público de um só espectador, mas havia. Fiquei imaginando o que ele poderia estar pensando de mim. Louco, temerário, desajuizado, exibicionista. Esse último adjetivo eu riscaria, se estivesse escrevendo, pois se a praia era deserta, seria impossível. Comecei a me incomodar com o homem da varanda, porque sempre nadei solitário e num horário em que a possibilidade de algum outro banhista aparecer era muito improvável. Vencidos mais alguns metros, o homem sumiu de vista, pois o ângulo do telhado da casa em que ele estava encobriu o naco de mar onde eu nadava. Cheguei à ilhota. Como sempre parei ali um pouco para breve descanso. Pensei novamente no homem da varanda. Com ele fui injusto ao lhe atribuir pecha de intruso. Decerto admirava minha destreza. Senti-me orgulhoso pelo nado e envergonhado pelo julgamento. Quem sabe na volta não mudasse o itinerário e saísse do mar perto daquela varanda? Cumprimentaria o novo vizinho. Poderíamos nos tornar amigos. Era isso. Estava resolvido.
Deixei a ilhota e voltei ao mar. Nadei com mais energia, porque queria avistar de novo o meu único admirador. Em alguns minutos divisei o telhado atrás do qual o homem sumira. Logo, pela direção que eu seguia, a varanda se descortinaria. Aumentei o ritmo das braçadas. Agora eu via a varanda, mas nada do admirador. Mudei o curso em direção à praia. Chegaria à casa da varanda. Passei a nadar meu desengonçado, levantando o rosto para frente em busca do admirador. Às vezes, uma onda vinha e encobria o meu rosto. Cheguei à praia. A casa parecia fechada. Talvez o homem não existisse e tudo fosse imaginação. Esperei um pouco. Quem sabe ele não aparecia e trocássemos um aperto de mãos. Esperei quase meia hora até que me dei por vencido. Não havia indício de gente na casa. Terminei o percurso a pé, seguindo a orla, vendo os tatuís esburacarem a areia de arrebentação.
Jairo Vianna <jairo@uaivip.com.br>
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